Pare de equilibrar sua vida com o seu trabalho
Segundo Jack Welch, lendário ex-CEO da General Electric:
"Não há algo como equilíbrio vida e trabalho. Há escolhas entre vida e trabalho.Frase proferida durante o encontro anual da , em 2009. Ela cimenteia as premissas de toda uma geração de executivos, com a autoridade do "CEO do Século". Do século passado, cabe frisar.
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Detesto a afirmação de Welch por alguns motivos.
1.
Pela silenciosa preponderância do trabalho escondida nas entrelinhas.
Afinal, se não há equilíbrio possível e temos dinheiro como necessidade básica para nos manter vivos, a conta é inequívoca. O capital comanda.
Aprenda a agir de acordo enquanto pode, camarada.
Tal pensamento reforça todo um sistema baseado em trabalho como sacríficio, supremacia patriarcal – homem se mata, se estressa e paga as contas; mulher cuida da casa, das crias e, se der, trabalha –, e artificialidade de valores, glorificando manifestações de poder e status como certificados de felicidade.
2.
Ao falarmos sobre a busca de uma relação saudável entre vida e trabalho, subentende-se ambos como entidades separadas.
Trabalha-se para viver. Vive-se para trabalhar.
A empresa seria o local onde nossa vida é separada de nós mesmos.
Um terço de nosso tempo como seres vivos em troca de dinheiro para aproveitar o terço restante, nos dando alívio mínimo para suportar o retorno ao trabalho. Sobrando algum tempo, dormimos. E sonhamos, sem saber se com promoções ou alforria.
Insanidade.
3.
Sim, o trabalho dignifica o homem. Ao mesmo tempo, o cega. A frase de Welch nos prende a paradigmas anacrônicos.
Seu tempo se foi.
Superamos as necessidades fisiológicas explicadas por Maslow.
Superamos a era industrial.
Assim como o ditado maroto nos diz que o sujeito que trabalha demais não tem tempo para ganhar dinheiro, esse tal também não consegue sequer vislumbrar a quebra de seu inferno sísifico. Corre atrás da cenoura pra saciar a fome e, então, acordar disposto a colher novas cenouras. Nunca tem tempo. Se alguém tenta falar com ele sobre algo além de cenouras, é repudiado. "Ora bolas, agora me vens com essa de questionar por que colhemos cenouras! Valha-me Deus!".
Essa relação com o trabalho não funciona mais.
A empresa deve nos permitir e estimular exercer nosso ofício com propósito. Deve catapultar nossa vida e nossa capacidade de expressão pessoal.
Não por meio de políticas de RH cretinas, controladoras; mas sim com simples bom-senso.
Melhor do que oferecer um final de semana no Caribe como bônus para atiçar competição canina entre dezenas de funcionários, é oferecer espaço para o Gerente exemplar, também pai, sair mais cedo no dia do aniversário do filho. Ou para a Diretora, esposa e mãe, se liberar em uma ocasião especial na qual deseje surpreender marido e filhos.
As dinâmicas silenciosas de nossos locais de trabalho reforçam, dia a dia, discursos incoerentes com o que as missões pregadas nas paredes insistem em berrar.
Pessoas tratadas com respeito não agem como malandras, querendo escapar do trabalho sempre que possível (pavor eterno dos gestores, "perder" horas/homem dos funcionários). Elas sentem o desejo intrínseco de retribuir. Motivação intrínseca, aquela que vem da boca do estômago, é ouro. Motivação extrínseca, aquela que vem na base do chicote e do salário ao final do mês, é artigo de segunda mão.
Chefes podem tratar seus funcionários como parceiros, dignos de confiança e tão capazes quanto eles, no mesmo patamar. A liderança deve ser exercida de maneira fluida, baseada em real mérito, não em uma limitada e sufocante estrutura hierárquica.
As empresas devem avançar na trilha de assumir um papel sólido como facilitadoras. Para que seus co-autores – maneira mais honesta de pensar nos funcionários – deslanchem em autonomia, criatividade e espontaneidade. Ainda que isso signifique crescer a ponto de não mais trabalhar na própria empresa.
Assim, as prioridades se alteram de modo fundamental. A busca do lucro para se gerar ainda e somente mais lucro é engavetada. Entra em cena a empresa que busca lucrar para aumentar o impacto positivo em sua rede. Empresa essa que vê com ótimos olhos lucros crescentes, pois os enxerga como meios hábeis para expandir exponencialmente.
Devemos esquecer por completo a noção tradicional de "equílibrio entre vida e trabalho" que reforça abismos entre esses espaços.
O caminho passa por buscar sentido em nossas vidas e nossos trabalhos, conjuntamente. Passa por empresas catapulta.