Elas lêem mais, vão mais a teatro, cinema, museus e exposições, são maioria nos cursos de humanidades e têm gosto mais refinado
Alan Riding escrevem de Paris para o “International Herald Tribune”:
No mundo da cultura, também é preciso dois para bailar. E se em geral os artistas são do sexo masculino, o público é feminino. Isso, ao menos, é o que parece em muitos países desenvolvidos atualmente.
A dança cultural prossegue graças, em grande medida, às mulheres. Elas são as principais "consumidoras" de alta cultura, seja literatura, artes visuais, balé, teatro ou música clássica.
De fato, isso não é novidade. Faz tempo que as mulheres lêem muito mais ficção que os homens (em uma margem de 2 para 1 no Reino Unido, por exemplo) e a tendência foi confirmada em vários estudos nos EUA e na Europa.
A atenção se volta agora a por que isso acontece.
Há várias explicações concorrentes: as mulheres são mais "sensíveis", têm mais tempo para o lazer, são menos obcecadas com fazer dinheiro, sua formação é mais orientada para as artes e valorizam mais do que os homens a importância de transmitir a cultura aos filhos.
Com tudo isso, dois relatórios do governo francês sugerem que o tópico merece maior exploração: "A feminização das práticas culturais" compara dados de pesquisas de 1973 e 2003 e endossa a tendência.
"A fábrica sexual do gosto cultural" analisa a educação cultural dos meninos e meninas dentro da família.
Os relatórios coincidem em um ponto fundamental: o fenômeno não é nem um furo de estatística nem uma moda passageira.
Desde os anos 60, houve uma mudança fundamental no perfil dos "consumidores" de cultura. As mulheres não só lêem mais, elas freqüentam mais museus e eventos de artes e este vão cultural ainda está se ampliando.
Tome os livros por exemplo.
Em uma pesquisa com mais de 5.600 pessoas acima de 15 anos, a percentagem dos homens na França que haviam lido um livro nos 12 meses anteriores caiu de 72% em 1973 para 63% em 2003, enquanto a de mulheres aumentou de 68% para 74% (e sim, dois terços dos leitores de ficção eram mulheres).
Por outro lado, os homens passaram mais tempo do que as mulheres assistindo a televisão (os esportes foram um fator importante), jogando videogames e surfando na Internet.
A música é um caso interessante e confirma que as mulheres, ao menos na França, têm gostos mais refinados que os homens. Os homens de todas as idades ouvem rock, jazz, techno e rap mais do que as mulheres, enquanto elas ouvem mais música clássica em CDS ou em concertos.
Novamente, as mulheres estão mais presentes que os homens em bibliotecas, teatros e museus na França.
Isso não foi sempre assim, então por que agora?
O relatório sobre a "feminização" observa que as mulheres na França hoje são mais educadas que os homens: há mais mulheres em cursos superiores, elas se saem melhor e têm maior tendência a estudar disciplinas das áreas humanas.
Mais mulheres também trabalham em áreas associadas às artes que os homens.
A variável da geração é crucial. Estatísticas mostram que a participação das mulheres em atividades culturais na França é relativamente maior entre pessoas com menos de 40 anos, que também é a principal faixa etária de mães jovens.
E esse fato pode estar associado à observação do relatório da "fábrica de sexos" que diz que as mulheres hoje são mais bem sucedidas em despertar o "desejo" cultural das filhas do que o dos filhos.
Assim, aparentemente a "feminização" das atividades culturais continuará.
O estudo francês mostrou que meninas entre 6 e 14 anos lêem mais que meninos da mesma idade e, nada surpreendentemente, são mais interessadas em balé.
Mas elas também freqüentam mais museus, exibições, peças e circos do que os meninos. Nesse estudo, com uma amostra de 3.000 famílias, 38% das meninas participavam de alguma atividade artística amadora – dança, teatro, pintura e outras – contra 20% dos meninos.
A tradição e o nível de desenvolvimento naturalmente variam entre os países, mas essa "feminização" é aparente no Ocidente.
As estatísticas em muitos países europeus apresentam resultados similares, tanto para adultos quanto crianças. E nos EUA, o fenômeno não é menos dramático.
A mais recente pesquisa do Fundo Nacional para as Artes nos EUA, que cobriu o ano que terminou em agosto de 2002, indicou que as mulheres freqüentaram mais apresentações de jazz, música clássica, ópera, musicais, peças e balé do que os homens (no balé, a diferença foi de 68,4% para 31,6%); elas visitaram museus com maior freqüência (55,5% contra 44,5%); e leram mais literatura (61,4% a 38,6%).
Se as mulheres são mais interessadas nas artes, como isso se reflete nos campos da criatividade e artes performáticas? Nesse setor, as evidências são menos documentadas.
Na ópera, no balé, no teatro e no cinema, sempre houve cantoras, bailarinas e atrizes porque, bem, tinha que haver.
Mas em áreas onde o sexo não é relevante, como na música instrumental, literatura e artes visuais, as mulheres estão definitivamente mais presentes hoje do que há 30 anos.
Mesmo assim, apesar de muitas orquestras estarem próximas da paridade sexual, a maior parte dos regentes são homens.
De fato, na maior parte dos países, os homens continuam na direção das artes. Com raras exceções, eles dirigem museus, teatros, orquestras, óperas e até editoras.
O fato de podermos listar as exceções apenas confirma a regra.
Na França, as mulheres chefiam o Departamento de Museus do Ministério da Cultura e o Palácio de Versalhes, mas os homens dirigem o Louvre, o Centro Georges Pompidou, o Musèe d'Orsay e muito mais.
No Reino Unido, as mulheres chefiam a Serpentine Gallery e a Whitechapel Gallery, mas os homens dirigem a Tate, a National Gallery, a Royal Academy of Arts e muitos outros museus.
No entanto, enquanto os homens em geral detêm os altos postos culturais, as mulheres freqüentemente são o "rosto" público das instituições, ou seja, as relações públicas e de imprensa da indústria de cinema, museus, teatros e outros estão em geral nas mãos de mulheres.
Mesmo assim, elas estão em posições de "serviço" e não de poder. E ainda resta um telhado de vidro.
Falando da geração pós 1960, Sara Selwood, professora de política cultural e administração da Universidade da Cidade de Londres, recentemente disse ao jornal "The Guardian":
"Essas mulheres estavam lendo literatura feminista quando eram adolescentes nos anos 70. Agora estão em 2006, com 50 anos, e esperam que as coisas sejam diferentes."
O que é diferente é que as mulheres hoje representam o principal mercado da cultura. E as instituições culturais que ignoram isso o fazem com riscos. É um público que não podem perder. (Tradução: Deborah Weinberg) (International Herald Tribune, Uol.com/Mídia Global, 16/2)