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domingo, 1 de junho de 2014

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As denúncias de vínculos entre empreiteiras e o ex-diretor da Petrobras

Provas obtidas por ÉPOCA revelam que dezenas de empreiteiras com contratos na Petrobras pagaram milhões – no Brasil e na Suíça – a Paulo Roberto Costa e a seu parceiro, o doleiro Alberto Youssef

DIEGO ESCOSTEGUY E MARCELO ROCHA
30/05/2014 22h15 - Atualizado em 31/05/2014 14h56


LIBERTADO Depois de tentar destruir provas e ser preso, Paulo Roberto Costa foi solto. Isso reduz a velocidade e a eficácia das investigações (Foto: Jonathan Campos/AGP/Folhapress)
"Nunca quis ser mais um”, disse o diretor de Abastecimento da PetrobrasPaulo Roberto Costa, em novembro de 2011, pouco antes de encerrar seus oito anos à frente do cargo e de se aposentar com 35 anos na estatal. Foi apeado, em seguida, por decisão da presidente Dilma Rousseff – para desespero do consórcio entre PP, PMDB e PT, que o bancava politicamente, com o aval do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Nunca desisti dos meus sonhos. Abracei todas as minhas chances”, disse. Ninguém duvida. A capacidade de Paulo Roberto em realizar seus sonhos – e de contribuir para os sonhos dos outros – tornou-se dolorosamente pública com a Operação Lava Jato, em que ele foi preso. Paulo Roberto é acusado de comandar, ao lado do doleiro Alberto Youssef, um esquema de corrupção na Petrobras. Não era, como revela a íntegra das provas da Lava Jato, obtida por ÉPOCA com exclusividade há duas semanas, apenas mais um esquema de corrupção na Petrobras. Era o esquema dos sonhos dele – um pesadelo para os brasileiros. Um esquema com mais clientes, mais dinheiro e mais ramificações, políticas e empresariais, do que se supunha até agora.
O imenso acervo das investigações da Lava Jato contém as provas inéditas que demonstram essa dimensão. A Polícia Federal encontrou as principais evidências quando fez apreensões num dos escritórios de Youssef e, especialmente, na casa de Arianna Bachmann, uma das filhas de Paulo Roberto. No caso dela, as provas estavam num notebook escondido no porta-malas do carro. Arianna era a principal funcionária de Paulo Roberto. Registrava em detalhes os negócios da família. Num dos escritórios de Youssef em São Paulo, a PF encontrou um arquivo com milhares de papéis. Eles trazem indícios de dezenas de episódios de corrupção, em muitos Estados e órgãos públicos. Eles se espelham perfeitamente com os registros sobre a Petrobras encontrados no computador de Arianna. Esses arquivos secretos revelam, entre outras coisas, que:
• Paulo Roberto chegou a ter 81 contratos, todos com fornecedores da Petrobras, quando saiu da estatal e montou sua empresa de consultoria. Há provas de que ele recebeu milhões de 23 empreiteiras, na maior parte das vezes sem prestar, segundo sugerem os documentos, qualquer serviço;

• o principal cliente de Paulo Roberto, segundo as provas da PF, era a empreiteira Camargo Corrêa. Ela liderava o principal consórcio das obras de R$ 20 bilhões da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Paulo Roberto comandara essas obras e presidia o Conselho de Abreu e Lima. Grande parte dos clientes que repassaram dinheiro à empresa dele trabalhava nessas obras;

• Paulo Roberto recebeu, em dinheiro vivo segundo a PF, o equivalente a R$ 6,4 milhões de Youssef e R$ 2,4 milhões do lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, em reais, dólares e euros. Baiano o ajudava a fechar negócios com as empreiteiras e a manter boas relações com parlamentares do consórcio que o mantinha na Petrobras; e 

• Youssef, o sócio de Paulo Roberto, mantinha uma subconta na Suíça em nome da principal subcontratada pela Camargo Corrêa para serviços na Abreu e Lima, a Sanko. Outra subconta de Youssef na Suíça recebia milhões de subsidiárias internacionais de empreiteiras brasileiras, entre elas a OAS.
Todas essas provas foram enviadas ao Supremo Tribunal Federal há dez dias, logo após o ministro Teori Zavascki suspender as investigações da Lava Jato e mandar soltar Paulo Roberto. Não se sabe quando os ministros do Supremo decidirão o que fazer com o caso. Quanto mais tempo demorar, menores as chances de que delegados e procuradores avancem nas investigações. Paulo Roberto, é bom lembrar, foi preso porque sua família foi flagrada tentando destruir provas. Antes que os processos, que corriam no Paraná, fossem suspensos, Youssef e ele já eram réus, acusados de lavar dinheiro desviado, segundo denúncia do MPF, do contrato do consórcio da Camargo Corrêa em Abreu e Lima. Nesta semana, o Congresso finalmente criou uma CPI mista para investigar a Petrobras. As provas da Lava Jato oferecem aos parlamentares um bom roteiro de trabalho.
 
Sai o diretor, entra o consultor (Foto: reprodução)

Num dos arquivos do computador de Arianna, a PF encontrou notas fiscais da Costa Global, empresa de consultoria da família, emitidas entre outubro de 2012 e fevereiro deste ano. Somam R$ 7,5 milhões, divididos entre duas dezenas de empresas – quase todas empreiteiras. A maior parte do dinheiro foi paga pela Camargo Corrêa: R$ 3,1 milhões. A Camargo fazia pagamentos mensais de R$ 100 mil. Em dezembro de 2013, fez o último e maior depósito: R$ 2,2 milhões. A Camargo diz que contratava a Costa Global para “fazer estudos”.
Arianna mantinha planilhas atualizadas com os contratos da Costa Global. Continham nomes de contatos e valores a receber. Se a Costa Global chegou a ter 81 clientes, por que há notas fiscais de apenas 23? Como Paulo Roberto recebia pelos demais? Era o que a PF tentava descobrir. A investigação traz evidências de que Paulo Roberto, como qualquer lobista, recebia um percentual do negócio obtido para seus clientes, conhecido como “taxa de sucesso”, do inglês “success fee”, um eufemismo para aquilo que todos conhecemos como propina. O caso da Camargo, segundo os registros da filha de Paulo Roberto, resume bem a situação: “O success fee será negociado separadamente para cada negócio”.
 
DO OUTRO LADO Depois de contratar empresas para prestar serviços à Petrobras, Paulo Roberto Costa passou a ser consultor delas. É o caso da Camargo Corrêa, que comanda a construção da Refinaria Abreu e Lima,  em Pernambuco (acima) (Foto: Agência Petrobras)
O estranho, segundo os investigadores, é a existência de contratos que não previam taxa de sucesso. Sem essa cláusula, o trabalho de lobby não faz sentido. Cruzando os nomes das empreiteiras que fizeram contratos nesses moldes com as anotações de Paulo Roberto, a PF chegou à suspeita de que eles se referiam, na verdade, à propina dos tempos em que ele ainda era diretor da Petrobras. Há indícios de que se referiam a acertos de contas. É o caso de contratos com empreiteiras como Engevix, Iesa, Queiroz Galvão e, num dos casos, também da Camargo. No caso da Queiroz, uma anotação da agenda de Paulo Roberto menciona o pagamento de R$ 600 mil. Metade para ele; a outra metade para o “partido”. Em março de 2013, meses depois dessa anotação, a Queiroz Galvão fechou um contrato de seis meses com a Costa Global para pagar R$ 100 mil mensalmente – mesmo valor anotado à mão na agenda de Paulo Roberto.
Num dos escritórios de Youssef em São Paulo, a PF apreendeu extratos de uma conta controlada por ele no banco PKB,  na Suíça. O PKB é um banco conhecido por aceitar qualquer tipo de cliente – de traficantes a políticos condenados por corrupção. Entre outras transações consideradas suspeitas pela PF, os extratos revelam que, em 2013, a OAS African Investments, empresa internacional do grupo OAS, sediada no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, transferiu US$ 4,8 milhões para a conta de Youssef no PKB. Foram três depósitos de US$ 1,6 milhão, entre maio e julho.
Os documentos revelam que Youssef abrira, por meio de laranjas, uma subconta no mesmo PKB em nome da Sanko, empresa que mais recebera da Camargo por serviços nas obras da Abreu e Lima. Essa subconta tinha limite de US$ 1,4 milhão. Entre janeiro e fevereiro de 2014, ela recebeu cerca de US$ 1,1 milhão. Não há informação sobre quem depositou o dinheiro. Em seguida, Youssef transferiu grande parte dos recursos para contas em Hong Kong, também controladas por laranjas. Foram tantos os documentos da Sanko apreendidos com Youssef que os investigadores suspeitam que ele seja o dono da empresa. Entre 2009 e 2013, a Sanko recebeu R$ 113 milhões do Consórcio CNCC, liderado pela Camargo, por “serviços” em Abreu e Lima. E repassou R$ 32 milhões a uma empresa de Youssef.
As contabilidades de Youssef e Paulo Roberto são siamesas. Se Youssef registrava um pagamento a Paulo Roberto, Paulo Roberto registrava um depósito de Youssef. Em 8 de agosto de 2012, as planilhas dos dois trazem um pagamento de R$ 450 mil a Paulo Roberto. Dez dias depois, Paulo Roberto depositou R$ 120 mil, em espécie, na conta do advogado Eduardo Gouvêa. Gouvêa, dizem os papéis, é parceiro de negócios de Paulo Roberto.