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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Brasil é campeão mundial em número de escolas para médicos


Governo omisso, médicos sofríveis

O alto índice de reprovação no "provão" do Cremesp não surpreende. Ao longo da última década, os mesmos resultados sofríveis se repetem ano após ano.
O surpreendente é a falta de reação do governo federal e da Abem (Associação Brasileira de Ensino Médico) diante dessa situação.
O que falta para o país ter uma exame nacional de avaliação dos futuros médicos?
Há críticas em relação ao exame. A Abem e o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, já se posicionaram contrários a ele, defendendo uma avaliação seriada do aluno: no 2º, 4º e 6º anos do curso.
Ano passado, Padilha disse que os ministérios da Saúde e da Educação estavam discutindo um novo modelo de avaliação permanente dos estudantes e das escolas médicas. Mas isso não avançou.
O curioso é que a iniciativa do Cremesp de avaliar os futuros médicos de São Paulo não encontra eco entre os outros conselhos médicos. Nem um outro Estado além de São Paulo aplica testes semelhantes. Por que será?
Enquanto isso, as escolas médicas continuam despejando no mercado profissionais sem condições mínimas de atender a população.
É de assustar que esses resultados do provão sejam de egressos das faculdades de medicina mais renomadas do país. O que esperar do resto?
No final do ano passado, o governo federal autorizou a abertura de mais 49 novas escolas médicas, que vão se somar a outras quase 200 que já fazem o Brasil líder mundial em número delas.
Uma das justificativas para a abertura de mais faculdades de medicina –fora o óbvio interesse econômico– é a falta de médicos no país.
Boa parte dessas novas instituições atua sem estrutura mínima, sem corpo docente próprio e qualificado e até sem hospital-escola.
Justifica-se essa expansão desenfreada sem vir acompanhada de critérios muito bem definidos de qualidade? 
cláudia collucci
Cláudia Collucci é repórter especial da Folha, especializada na área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o impacto das novas tecnologias em saúde. É autora dos livros 'Quero ser mãe' e 'Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'. Escreve às terças.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Viver é perigoso... (iodo, tireoide, poluição, lobby) // Claudia Collucci

cláudia collucci

 

17/04/2013 - 03h00

Sobre iodo, tireoide, poluição e lobby


Enquanto a redução dos teores de iodo no sal aprovada pela Anvisa divide a opinião de pesquisadores, uma outra questão, tão polêmica quanto, permanece intocada: a tireoidite provocada por poluentes industriais.
Ano passado, um dos periódicos mais conceituados sobre imunologia, o "Journal of Clinical Immunology", publicou uma pesquisa brasileira sobre o aumento de casos de tireoidite crônica autoimune na divisa entre Santo André, Mauá e São Paulo, onde estão instaladas indústrias do setor petroquímico.
O resultado sugere a descoberta do novo tipo de doença, a tireoidite química autoimune, ligada a fatores ambientais, principalmente à poluição por agentes químicos.
A hipótese é que a poluição seja o gatilho para desencadear a formação de anticorpos antitireoideanos, que são substâncias que agridem a glândula tireoide ocasionando a tireoidite crônica autoimune.
O estudo, da professora de endocrinologia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), em Santo André (SP), Maria Angela Zaccarelli Marino, analisou 6.306 pacientes, com idade entre 5 e 78 anos, durante 15 anos que moram na capital paulista e em quatro cidades do Grande ABC.
Entre 1989 e 2004, os moradores estudados foram acompanhados em consultas médicas e exames laboratoriais de sangue com dosagens dos hormônios tireoidianos.
De acordo com a pesquisadora, os pacientes foram divididos em dois grupos segundo o local de moradia. Na região próxima ao parque industrial petroquímico estavam 3.356 pacientes do grupo 1. O grupo 2 foi composto por 2.950 de uma região afastada de área industrial.
Os resultados mostraram que, em 1992, somente 2,5% da população do grupo 1 sofriam de tireoidite crônica autoimune. Em 2001, o mesmo grupo já apresentava taxa de 57,6%.
Já a população que vivia longe da área químico-industrial não teve aumento significativo no período. Na comparação geral dos 15 anos, o grupo 1 apresentou 905 pacientes com a doença, contra somente 173 do grupo 2.
A região que concentra as indústrias petroquímicas tinha cinco vezes mais casos de tireoidite crônica autoimune na comparação com a área residencial estudada.
A pesquisadora alerta que a tireoidite crônica autoimune está relacionada com outras doenças autoimunes, como a esclerose múltipla, artrite reumatoide, diabetes tipo 1, hepatite crônica autoimune, vitiligo e lúpus eritematoso sistêmico.
Nessa polêmica do iodo, cujo teor de sal já foi mudado três vezes nos últimos 15 anos, pelo menos em uma oportunidade houve um claro lobby da indústria salineira. Foi em 1998, quando uma resolução da Anvisa aumentou a proporção de iodo no sal de 40-60 microgramas por quilo para 40-100.
Na época, o setor reclamava que o limite mínimo de 40 e o máximo de 60 de sal eram muito próximos, o que levava a erros de dosagens e, consequentemente, a multas. A alteração foi feita sem o aval de assessores técnicos.
Espero que, no caso dos poluentes químicos, essa falta de repercussão do estudo da professora Maria Ângela seja só desatenção das autoridades em saúde pública. Mas não custa nada lembrar o tamanho e o poder do setor que está na outra ponta.
Avener Prado/Folhapress
Cláudia Collucci é repórter especial da Folha, especializada na área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o impacto das novas tecnologias em saúde. É autora dos livros "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de "Experimentos e Experimentações". Escreve às quartas, no site.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Da dificuldade de se afirmar alguma coisa...


cláudia collucci

 

27/03/2013 - 08h17

Vilões a mocinhos


Ontem participei de um ótimo debate promovido pelo Ilsi Brasil (International Life Sciences Institute) sobre mídia e nutrição e um dos pontos levantados no evento foi sobre como pesquisadores e jornalistas prestam um desserviço à população quando elegem certos alimentos como vilões.
O ovo, coitado, é sempre lembrado. Anos atrás, virou inimigo número 1 de quem precisava reduzir o colesterol. Talvez por conter em sua gema aproximadamente 213 mg de colesterol, sua recomendação foi limitada durante muito tempo.
Hoje, muitos estudos demonstram uma relação inversa entre o consumo de ovo e aumento de colesterol e ainda enfatizam os benefícios que podem trazer à saúde, entre eles memória, capacidade cognitiva e formação de novos neurônios.
As atuais pesquisas mostram que as doenças cardiovasculares estão mais relacionadas com a história familiar (hereditariedade) e maus hábitos alimentares, como ingerir gorduras saturadas, principalmente as trans, do que com os níveis de colesterol dos ovos.
Outro mito que vem bem a calhar nesta época do ano é o chocolate, muito associado a espinhas. Ele pode engordar, é claro, mas a acne está muito mais associada ao aumento na produção de sebo causado pela elevação de hormônios sexuais, principalmente na adolescência.
Esse aumento pode estar ligado a questões emocionais. Muitas vezes, consome-se uma grande quantidade de chocolate, para tentar amenizar um estado de ansiedade ou de tensão. O chocolate amargo, como muitos já sabem, pode ser até benéfico: é rico em flavonoides, que podem auxiliar no combate ao envelhecimento da célula. Mas coma com moderação, certo?
O café é outro que já levou muita fama de causar gastrite, elevação da pressão arterial e insônia. Segundo especialistas, esses sintomas dependem muito mais do grau de sensibilidade de algumas pessoas à cafeína. Nas mais sensíveis, o consumo do café deve ser evitado.
Enfim, são exemplos que precisam ser lembrados sempre surgir um novo estudo demonizando ou endeusando um alimento. A mídia e os profissionais de saúde, de uma forma geral, precisam ter cautela na divulgação dessas informações.
Muitas vezes, o verdadeiro perigo está na forma (e na quantidade) como se come e não necessariamente no alimento que é consumido.
Avener Prado/Folhapress
Cláudia Collucci é repórter especial da Folha, especializada na área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o impacto das novas tecnologias em saúde. É autora dos livros "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de "Experimentos e Experimentações". Escreve às quartas, no site.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O câncer não espera na fila....


Cláudia Collucci

 

07/11/2012 - 03h00

O câncer não espera na fila


Há uma semana o Senado aprovou o projeto de lei que fixa um prazo máximo (60 dias) para início do tratamento de pacientes com câncer pelo SUS. Ainda falta a sanção da presidente Dilma Rousseff, que dificilmente vetaria um projeto dessa natureza.
Mas será que existe alguma chance de esse prazo ser respeitado pela rede pública? Tenho minhas dúvidas.
O tratamento do câncer é uma das áreas mais críticas do SUS. Segundo relatório do Tribunal de Contas da União, em 2010, só 34% dos pacientes de câncer conseguiram fazer radioterapia. Outros 53% demoraram muito para conseguir uma cirurgia.
O tempo médio de espera por uma quimioterapia foi de 76 dias. Apenas 35% dos pacientes foram atendidos em 30 dias, prazo que o próprio Ministério da Saúde recomenda e considerado o ideal pelos especialistas. Na radioterapia, são 113 dias de espera, em média.
Apenas 16% são atendidos no primeiro mês. Isso sem contar o tempo precioso perdido entre o cidadão perceber que tem algo errado, conseguir consulta com especialista e encontrar vaga em centro oncológico.
ESTÁGIO AVANÇADO
Essa espera faz com que muitos pacientes comecem o tratamento com o tumor em estágio mais avançado e, portanto, com menor chance de cura. Estudos mostram que enquanto em outros países os pacientes com câncer sobrevivem de 12 a 16 anos, em média, no Brasil esse tempo é reduzido para dois a quatro anos.
Diante desse cenário, fica difícil pensar que, num passe de mágica, as pessoas passarão a ser atendidas em até dois meses após o diagnóstico da doença --com medicamentos, quimioterapia, radioterapia e cirurgia.
O fato é que o país não se preparou para enfrentar a doença, que tem 500 mil novos casos por ano. Faltam leitos, equipamentos e profissionais qualificados. E não há solução a curto prazo. É preciso que se faça investimentos no desenvolvimento de uma infraestrutura que possa dar vazão à demanda, que só crescerá com o envelhecimento populacional.
Silva Junior-11.nov.11/Folhapress
Hospital do Câncer de Barretos
Hospital do Câncer de Barretos
O que acontece hoje no Estado de Rondônia (Norte) é um bom exemplo para entender o tamanho da complicação. Quase todos (97%) dos pacientes que têm câncer diagnosticado por lá viajam mais de 3.000 km para serem atendidos no Hospital de Câncer em Barretos, interior de SP, porque não existem centros especializados naquela região. Escrevi sobre isso em abril
O próprio ministro da Saúde, Alexandre Padilha, reconhece a desigualdade de acesso ao tratamento oncológico, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, mas diz que o SUS tem ampliado o volume de recursos para tratamento contra o câncer. No ano passado, foram R$ 2,2 bilhões de investimentos --R$ 400 milhões a mais do que em 2010.
Padilha também já anunciou a compra de 80 aceleradores nucleares (ainda em processo licitatório) para a realização de radioterapia, o principal gargalo no serviço público. Mas isso, na melhor das hipóteses, só começará a funcionar em 2015.
DISPARIDADE
Enquanto isso, milhares de brasileiros vão continuar morrendo porque não tiveram a mesma sorte de pessoas como a presidente Dilma e o ex-presidente Lula de estarem em um centro oncológico de excelência, onde puderam diagnosticar e tratar seus tumores precocemente.
Há três anos, uma pesquisa feita com mulheres que tiveram câncer de mama mostrou que a sobrevida das que são tratadas no SUS é 10% menor do que aquelas acompanhadas pelos serviços privados. Entre elas, o câncer também foi diagnosticado em estágios mais avançados (36% contra 16%).
A incorporação recente da droga trastuzumabe no SUS (usada por 25% das mulheres com câncer de mama), dez anos depois de a rede privada já oferecê-la, é outro exemplo da disparidade entre os mundos da saúde pública e da privada.
Portanto, garantir o atendimento integral aos doentes oncológicos em um menor período de tempo possível é a única chance de o país reduzir as mortes evitáveis pela doença. Não há números de quantas elas seriam, mas uma coisa é certa: o câncer não espera na fila.
Avener Prado/Folhapress
Cláudia Collucci é repórter especial da Folha, especializada na área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o impacto das novas tecnologias em saúde. É autora dos livros "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de "Experimentos e Experimentações". Escreve às quartas, no site.