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sexta-feira, 6 de outubro de 2017

"A parábola do réu pródigo" / José Nêumanne

José Nêumanne: 

A parábola do réu pródigo

A tentativa de transferir delitos para sua mulher, Marisa Letícia, morta, revelou o hábito de manifestar esse laivo machista e covarde de seu caráter

Publicado no Estadão
Quem é Luiz Inácio Lula da Silva? O herói que deu acesso às linhas aéreas e ao ensino superior aos pobres e por isso conta com o apoio de pelo menos 35% dos eleitores, o dobro da preferência atribuída aos dois principais adversários, de acordo com a pesquisa Datafolha – o oficial da reserva que conta com a nostalgia da ditadura militar e a militante ambiental? O bandido que já deveria ter sido preso, na opinião de 54% dos mesmos entrevistados? Ou seria os dois em um? Talvez fosse ainda o caso de acrescentar mais uma quarta opção: todas as hipóteses anteriores.
Os fatos falam por si. Em dois mandatos de quatro anos cada, o ex-líder sindical virou dono do Partido dos Trabalhadores (PT) e “messias” das esperanças salvacionistas da esquerda e de grande parcela da população, porque amealhou um prestígio avassalador. Este lhe garantiu eleição, reeleição após ter sido flagrado com a mão na botija no escândalo do mensalão e metade do mérito pela vitória da “poste”, que impôs aos companheiros petistas, eleita com a mãozinha nada desprezível do PMDB de Michel Temer e reeleita pela lei da inércia e pelo sucesso da repetição da parceria. A estratégia sensata de não se opor às conquistas dos antecessores que se lhe opunham, para depois construir sua própria fortuna, no maior assalto ao conjunto dos cofres da República, reservou-lhe o lugar mais alto no pódio dos heróis. Ainda hoje, apesar de tudo o que já se descobriu sobre ele, Lula exibe a mais bem-sucedida trajetória pessoal de uma política fragmentária e cruel como o é a nossa. Isso é suficiente para lhe garantir o apoio incondicional de um terço do eleitorado nacional, que nada cobra dele.
Muitas razões mais têm os 54% que disseram aos pesquisadores que os abordaram que o que foi descoberto de sua longa e profícua atividade fora da lei pelos policiais federais e procuradores da Operação Lava Jato já dá motivos suficientes para que o titular da operação, o juiz federal Sergio Moro, o condene a uma cela no inferno prisional brasileiro.
Lula protagoniza a parábola do réu pródigo. No âmbito da Lava Jato, foi condenado em primeira instância a nove anos e meio de prisão, acusado de ter recebido uma cobertura triplex no Guarujá como propina da Construtora OAS, por serviços que lhe prestou no governo. Na mesma operação responde a acusações do Ministério Público Federal de ter recebido da Odebrecht o apartamento vizinho ao dele em São Bernardo e um terreno, no qual teria pretendido construir a sede do Instituto Lula. Na Justiça Federal de Brasília é acusado em processos penais que dizem respeito a tráfico de influência, negócios em Angola e obstrução de Justiça. É uma incrível via-crúcis com várias estações do Código Penal.
Ilícitos penais à parte, revelações vindas à tona ao longo desse percurso, que sua defesa chama de perseguição política, desnudaram atitudes nada condizentes com seu ícone de mártir popular. Apelidado de “amigo” de Emílio Odebrecht nas planilhas do departamento de propinas da empreiteira, teve o dissabor de ser acusado por este de ter comprado dele greves de interesse da empresa no Recôncavo Baiano. Assim como antes havia sido apontado como informante das lutas sindicais ao então diretor do Dops, Romeu Tuma, pelo filho homônimo deste no livro Assassinato de Reputações (Topbooks, Rio, 2013), nunca contestado por Lula, algum advogado ou aliado dele. No livro O que Sei de Lula (Topbooks, Rio, 2011), narrei um encontro no qual ele relatou particularidades do movimento sindical a um agente do Serviço Nacional de Informações (SNI), em plena ditadura militar, que ele ajudou a derrubar ao desafiar a legislação trabalhista com as greves que liderava no ABC.
A tentativa de transferir delitos de que é acusado para sua mulher, mãe de seus filhos e avó de seus netos, Marisa Letícia, morta, revelou o hábito de manifestar esse laivo machista e covarde de seu caráter.
A carta de seu ex-lugar-tenente Antônio Palocci, que foi ministro da Fazenda em seu governo e chefe da Casa Civil na (indi)gestão de Dilma Rousseff, contém detalhes malfazejos desse caráter cheio de jaça. Pouco importa que o missivista esteja longe de ser um santo, como demonstrou o sórdido episódio da desqualificação do caseiro Francenildo dos Santos Costa, que testemunhou contra ele no escândalo de certa mansão em Brasília. Os crimes de que é acusado o ex-prefeito de Ribeirão Preto foram cometidos sob a égide de Lula.
Outro episódio que expõe à luz solar sua contumácia em mentir com cinismo é o dos recibos entregues por sua defesa para “comprovar” que Marisa – sempre ela! – pagou religiosamente os aluguéis de um apartamento que o casal ocupa ao lado da própria moradia a um incerto Glaucos da Costamarques, que aparece como Pilatos no Credo. Ou como o J. Pinto Fernandes, súbito personagem do poema Quadrilha (que não se perca pelo título apropriado para o caso), de Carlos Drummond de Andrade.
Seu discípulo na arte de tergiversar, o dr. Zanin Martins apareceu com recibos que nada comprovam, pois transações comerciais rotineiras não são atestadas por eles, mas por movimentação bancária fiscalizada pelo Banco Central. E ainda reinventou o calendário gregoriano, datando dois em inexistentes 31 de junho e 31 de novembro. Os papéis inúteis poderão provocar o vexame de revelar mais uma farsa típica de Lula se a perícia da Polícia Federal atestar em laudo que foram assinados no mesmo dia.
O mito do teflon de Lula, que evita lama em seu ícone, é ajudado por pesquisas como a última em que ele surgiu como adversário do juiz que o condenou, Sergio Moro. Qualquer brasileiro com QI superior a 30 sabe que não lhe será fácil obter daqui a um ano atestado de ficha limpa e que o julgador em parte de seus processos penais não deixará a carreira para se candidatar a nenhum posto na política. Trata-se do mesmo material de ilusões de que é feita sua fama de intocável.

terça-feira, 28 de março de 2017

O Brasil está na UTI e a junta médica não quer revelar a doença...


José Nêumanne: Golpes em marcha 

Lista na eleição evita que cidadão puna políticos e autoanistia os deixa livres para cometer crimes 

Publicado no Estadão
Ninguém ouviu, mas ao longo de todo o domingo passado um grande suspiro de alívio percorreu o Brasil do Oiapoque ao Chuí, com uma parada significativa em Brasília, capital federal. Todos os políticos com algum mandato no Legislativo ou no Executivo, federal, estadual ou municipal, comemoraram secretamente, sem ousar sequer aparentar felicidade nem na intimidade da alcova, à hora de se recolher ao tálamo, a outonal ausência da cidadania nas ruas mais importantes das maiores cidades brasileiras. Para evitar os mais descarados golpes da História desde a Independência ─ a manutenção da prerrogativa de foro, a autoanistia no uso de caixa 2 e, acima de tudo e de todos, a lista fechada dos candidatos nas eleições – o povo não se mobilizou, como o fizera antes para protestar contra o Brasil oficial em 2013 e pelo impeachment de Dilma em 2015 e 2016.
Em 2013, assim que o povo voltou pra casa e os black blocs pararam de depredar o patrimônio alheio, público ou privado, Dilma Rousseff anunciou as decisões com que fingiu atender ao clamor das ruas roucas: Assembleia Constituinte exclusiva para a reforma política e financiamento público de campanhas eleitorais. Nunca a estupidez pessoal de um ser humano (o que ela pelo menos aparenta ser) desserviu a tantos semelhantes de uma vez só. Em 2016 o Congresso Nacional a depôs por outros crimes, fingindo atender ao mesmo clamor. Mentira! Os congressistas depuseram a “presidenta” porque não suportavam o desprezo e a indiferença com que ela os maltratava, usando o poder para humilhá-los, mesmo ao custo de perdê-lo. Isso ficou claro quando foi revelada a senha do movimento tido como golpista pelos depostos com ela: “Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria”. A sentença consagrou o autor como o frasista preferencial de todos os governos, Romero Jucá, pernambucano, senador por Roraima, militante do PMDB e serviçal de todos os presidentes – de Fernando Henrique, do PSDB, a Lula e Dilma, do PT.
O ilustre prócer, atualmente na presidência do maior partido do País, o PMDB, posseiro dos maiores postos do Legislativo e do Executivo da República, o nominado Caju da lista de propinas da Odebrecht, também não teve pejo de reclamar quando tentaram limitar o foro privilegiado. Definiu o privilégio como “suruba seletiva” e exigiu que dela todos participassem. Todos os políticos, os mandatários, os poderosos do regime, naturalmente. Como a anistia reclamada pela oposição para avalizar a abertura democrática da ditadura de Geisel e Figueiredo: “ampla, geral e irrestrita”. A metáfora indecorosa da República indecente, contudo, nunca será mais pornográfica do que a prática republicana da venda por facilidades financeiras para ultrapassar as dificuldades do decoro político.
As extraordinárias circunstâncias que permitiram, primeiro, a Ação Penal 470, vulgo mensalão, e, depois, a Operação Lava Jato, dita petrolão, terminaram por quebrar um ancestral paradigma do Brasil dos coronéis e dos titãs populistas, aquele segundo o qual só iam para a cadeia pretos, pobres e prostitutas. Frequentam os cárceres da “república de Curitiba” vários dos mais ricos empreiteiros pátrios, inclusive o maioral de todos, Marcelo Odebrecht, e alguns “heróis do povo brasileiro”, que assaltaram bancos para financiar a guerrilha e, depois, saquearam o Estado inteiro, sem exceção de cofre, por poder, fortuna e conforto. No entanto, ainda não foi quebrada a barreira estabelecida por Artur Bernardes na Primeira República: “aos amigos, tudo; aos inimigos, o rigor da lei”. Com uma adaptação: “aos mandatários, tudo; aos sem-mandato, a lei mais rigorosa”. Preso, Marcelo Odebrecht contou que comprou Lula e Dilma e deles obteve tudo o que precisava para prosperar mais do que os outros, aceitando, é claro, a companhia do cartel. Mas, pelo menos até agora, nenhum detentor de mandato de poder republicano paga por seus delitos. A exceção à regra é, claro, Eduardo Cunha, que ousou cuspir na cruz.
No impeachment de Dilma Rousseff, o verdadeiro golpe foi dado, cinicamente, por Renan Calheiros e Ricardo Lewandowski: o fatiamento do artigo constitucional que a privaria de direitos políticos para que pudesse ser merendeira de escola. O que, aliás, representaria grave risco para a saúde da infância e da juventude do Brasil. Depois do “só se for a pau, Juvenal”, miríades de golpes se sucederam contra a Carta que, de tão vilipendiada, pode ser chamada de minima minimorum, em vez de Máxima. Foi o caso da permissão para Renan Calheiros delinquir presidindo o Senado desde que saísse da “linha sucessória”, que, aliás, nem existe, pois não há sucessor definido do vice que assumiu a Presidência. Quem quer que o substitua terá de convocar eleição indireta para ocupar o lugar. E também foi permitido ao vassalo Rodrigo Maia reeleger-se presidente da Câmara no meio da legislatura. Mais um escárnio na conta!
Tudo, porém, é café pequeno para o que se anuncia nesta algaravia de todo dia. Gilmar Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), já deu a deixa para a cassação da chapa Dilma-Temer sem criar atropelos à gestão federal. Cassa-se a chapa, decreta-se a inelegibilidade da titular e permite-se ao reserva que fique em campo. Ou seja, autorizar-se-lo-á (mesóclise dupla em homenagem a sua volúpia pelo fracionamento de verbos) a disputar (e vencer) a indireta para suceder-se a si mesmo no Congresso Nacional, que tantas alegrias lhe tem propiciado.
Isso ainda é lana caprina comparado ao que os parlamentares se reservam em matéria de prêmio de consolação por terem sido delatados. Conseguiram beneplácito dos “datas vênias” da STF (Suprema Tolerância Federal) para desprezar a igualdade de todos perante a lei e decretar que caixa 2 é crime para empresários, mas não para políticos.
Ressuscitaram o projeto de Dilma do financiamento público de campanhas eleitorais para mantê-las com seus custos proibitivos, o que, definitivamente, não é uma tradição da República, por mais insana que ela já tenha sido antes. E, para completar, escolheram dois capitães do mato do Conselheiro de Caetés para levantar muros da vergonha no “parlamanto”. Wadih Damous (PT-RJ), jurisconsulto particular do ex-deus, batalha para excluir os presos da possibilidade de serem premiados ao delatar, desfigurando norma legal adotada pelo Brasil oficial no rastro do resto do mundo. E Vicente Cândido (PT-SP), relator da tal “reforma política”, apareceu com a teoria de que lista fechada de candidatos a cargos no Legislativo em eleições proporcionais (não distritais) é usada em “80%” (o cálculo é dele) dos países democráticos do mundo.
Lembro-me bem – se me lembro!  de ter acompanhado eleições com listas em que os maiorais da elite política compunham o congresso do país a seu bel prazer e proveito. O social-democrata AD de Rómulo Gallegos dividia o butim com a democracia cristã da Copei de Rafael Caldera. O pobre povo amontoado nas favelas de Caracas a caminho do aeroporto de Maiquetia pisou na balança e dessa divisão subiram Hugo Chávez e seu sucessor Nicolás Maduro. A lista fechada foi a ditadura da elite política a caminho da tirania metida a socialista dos bolivarianos da Venezuela.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

" Contra a síndrome de Pôncio Pilatos"

José Nêumanne:

 Contra a síndrome de Pôncio Pilatos

Para honrar elogios fúnebres a Zavascki, STF terá de homologar delações da Odebrecht

Publicado no Estadão
Consta que o senador gaúcho Pinheiro Machado, eminência parda na Presidência do marechal Hermes da Fonseca, recomendou ao motorista, ao se deparar com um bloqueio à saída de seu carro defronte ao Hotel dos Estrangeiros, no Rio, onde morava: “Vá em frente, não tão lento que indique provocação nem tão rápido que signifique covardia”. A ordem do condestável da República Velha seria um bom alvitre a ser usado na substituição de Teori Zavascki tanto na relatoria da Operação Lava Jato quanto no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). O que não quer dizer, necessariamente, que a homologação dos depoimentos dos 77 delatores premiados ligados à empreiteira Odebrecht seja adiada sine die.

Voltando à sabedoria da ancestral do autor destas linhas, cada coisa no seu lugar. Ou melhor, cada macaco no seu galho. Em relação à substituição do catarinense no STF só é sabido da Nação que, no velório dele em Porto Alegre, o presidente da República resolveu ganhar tempo ao anunciar que não o indicaria antes de Cármen Lúcia, presidente do STF, designar o novo relator, sem a presença do 11.º ministro na Casa. Com isso Sua Excelência vestiu, não se sabe se por excesso de esperteza ou tibieza, a carapuça que lhe está sendo imposta pelos conspiradores de plantão de que teria algum interesse pessoal escuso nas decisões a serem tomadas logo agora sobre a homologação de depoimentos em que é citado, segundo consta, 45 vezes.

Sejam quais forem as razões, elas não trazem bons presságios sobre a substituição em si e os 23 meses que ainda restam ao mandato, sem dúvidas legítimo, que herdou da companheira de chapa, Dilma Rousseff, ao vencer em sua companhia, e por duas vezes, as eleições presidenciais diretas de 2010 e 2014. Muito embora não haja dúvidas de que nenhuma delação o alcance do ponto de vista jurídico, de vez que é ponto pacífico de que um presidente só pode ser incriminado e, por isso, punido na forma de lei, se houver cometido eventual delito durante seu mandato.
Se não há hipótese de alguma das eventuais delações o alcançar no exercício da Presidência, iniciado em 12 de maio passado, também não haveria como o novo ministro, ainda que fosse relator, prejudicá-lo homologando delações ou autorizando e negando no plenário do STF decisões de instâncias inferiores. Assim o undécimo voto não poderia favorecê-lo em decisões sobre processos relativos à Lava Jato. O presidente responde no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a processo aberto pelo PSDB contra a chapa vencedora das últimas eleições. Zavascki não fazia parte do TSE. E o processo é relatado pelo ministro Herman Benjamin, sob a presidência de Gilmar Mendes, também membro do STF.
Não havia, pois, nenhuma razão objetiva ou subjetiva para Temer condicionar a indicação do substituto do ministro morto a decisão de nenhum tipo do outro Poder, no qual nunca lhe cabe interferir. A declaração, feita em hora imprópria, antes que o corpo do substituído baixasse à sepultura, foi descabida. E revelou a adesão do chefe do governo a uma doença institucional que está provocando a falência múltipla dos órgãos republicanos, a “síndrome de Pôncio Pilatos”, o cônsul romano que lavou as mãos quanto à sorte de Jesus Cristo para não interferir nos desígnios da autonomia, na prática inexistente, dos judeus sob arbítrio de seus dominadores.
No caso cabe, aliás, outro aforismo da vítima do episódio bíblico, que pregava: “A César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Cabe ao presidente da República indicar o substituto do ministro-relator. E ao Supremo, por qualquer razão que tenha para atender à infausta circunstância deste momento, resolver se o novo ministro, caso seja indicado e sabatinado pelo Senado a tempo, assumiria a relatoria, ou não. Há no caso as opções noticiadas: indicação pela presidente, acordo entre os pares ou sorteio, conforme autoriza o regimento.
Para isso Temer dispõe do tempo que lhe aprouver. Da mesma forma que Cármen Lúcia e seus nove pares não têm prazos urgentes para substituir o relator. Há uma ansiedade enorme dos eventuais indicados nas delações para que as escolhas se prolonguem pelas calendas. A grande maioria dos que estes fingem representar, contudo, se agonia com a perspectiva de um adiamento sem fim da homologação da tal “delação do fim do mundo”; e da escolha ou do sorteio de um relator que anule por filigranas jurídicas uma investigação que se tornou popular no País e no mundo, como o provou o sucesso inesperado de Rodrigo Janot ao defendê-la no Fórum Internacional de Economia em Davos, na Suíça.
Já que Temer lava as mãos na pia de Cármen para se livrar da pecha improvável de indicar um candidato parcial à relatoria, os próprios ministros do STF deveriam honrar as palavras de elogio que dedicaram ao colega morto em seu velório. Como a Nação inteira sabe que ele homologaria as delações e todos estão cientes de que a decisão seria meramente formal, não contendo juízo de valor, mas confirmando se tudo foi feito dentro da lei e sem pressão nenhuma sobre nenhum dos candidatos aos prêmios da delação, não seria um exagero se o plenário fizesse o que o pranteado colega faria, conforme é voz geral. Qualquer protelação, não em nome da pressa, mas da lógica, mereceria a epígrafe da carta de desamor que o ex-vice endereçou à antecessora: verba volant (palavras voam). E com o risco de caírem sobre a cabeça de quem as pronunciou em vão.
Tomada essa providência, também em homenagem a tudo o que foi dito de Zavascki por praticamente todos, beneficiários ou vítimas de suas decisões, depois de sua morte, Temer e Cármen Lúcia, cada um no seu trono, poderão indicar com paz e sossego tanto o undécimo ministro quanto o segundo relator. E que isso seja o início de uma nova era em que cada um assumiria o poder que lhe compete sem lavar as mãos para a sorte de ninguém mais.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Como destruir um Estado / José Nêumanne

José Nêumanne: 

Como destruir um Estado

A maior estatal brasileira deve R$ 332,4 bilhões, sofreu com a queda do valor do barril no exterior e com o congelamento do preço do combustível nos postos para mascarar a inflação

Por: Augusto Nunes  
“Se não mexer na Previdência, viramos a Grécia”. 
O título merece a atenção do leitor para a entrevista que ocupou uma página no caderno de Economia do Estadão de domingo 13 de novembro. O protagonista, ouvido pelos repórteres Mônica Ciareli, Wilson Tosta e Vinicius Neder, é Luiz Fernando Pezão, do PMDB de Sérgio Cabral, por sua vez subPT de Lula e Dilma.
As notícias que ele dá têm o impacto de uma bomba nuclear e merecem atenção. “Temos 100 coronéis (da Policia Militar) na ativa e 600 aposentados ganhando R$ 23 mil (por mês). Se aposentaram com 48 anos, 49 anos. Você acha que essa conta vai fechar?”, perguntou aos repórteres (e ao leitor), em tom de cobrança. Se o ET, de repente, pousasse no Porto Maravilha (obra da Olimpíada), poderia perguntar: “Ei, moço, a culpa é do jornal ou do bispo de Garanhuns?”.
E ainda: “Tenho mais professor inativo do que ativo, em um momento em que a população está demandando mais serviços, porque ninguém tem mais dinheiro para pagar plano de saúde e colégio particular”. Ou seja: será a culpa do fluminense que perdeu o emprego, a renda e os luxos a que estava acostumado? De Carlos Lacerda, que foi governador da Guanabara e deu a seus sucessores o péssimo exemplo de governar bem? Ou podemos imaginar que o desafio tenha sido feito numa mesa branca a Marcelo Alencar, outro governador medíocre? Que nada! O entrevistado é o atual governador do Estado do Rio de Janeiro. Na História será lembrado como um Zé das Couves que ocupou um lugar para o qual não estava preparado e terminou entrando na História por ter reduzido a ex-Cidade Maravilhosa a cenário de um filme B de terror.
O leitor do Estadão foi contemplado com um trabalho de edição exemplar, no qual a ruína é dissecada, pedra a pedra, picareta por picareta. Ao lado da entrevista cínica, foi editado um quadro completo do atoleiro fiscal. Nele 11 pontos mostram como governos corruptos, irresponsáveis e incompetentes destruíram o Estado do Rio e deixaram o legado assustador de uma dívida de R$ 17,5 bilhões.
A desventura começou com uma notícia excepcional. No litoral de Campos de Goitacazes repousa a maior reserva de petróleo do País. Ali, após pesquisa de anos, a Petrobrás concluiu que havia uma jazida enorme de óleo cru nas profundezas, sob a camada do pré-sal. A desassombrada capacidade de mentir do ex-governador Sérgio Cabral e dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff – PT e PMDB de mãos dadas e sujas de graxa – os tornou parceiros na ventura de um enorme potencial de riqueza fácil: o ouro negro a ser extraído do fundo mais profundo do mar. Em 2014, ano em que Dilma foi reeleita, entraram nos cofres estaduais fluminenses R$ 10 bilhões, reduzidos a R$ 5,6 bilhões em 2015 e R$ 3,48 bilhões pingados este ano (menos 60% em dois anos). A previdência estava ancorada nessa miríada de mil e uma noites. E afundou.
O segundo ponto foi a crise da Petrobrás. Padim Lula convocou o mundo para aplaudi-lo na Bolsa de Valores de São Paulo, ao festejar a maior capitalização da história do capitalismo: o exponencial crescimento da Petrobrás, com sede no Rio. Mas a Operação Lava Jato desvendou nos seus porões o maior escândalo de corrupção da História da humanidade. A maior estatal brasileira deve R$ 332,4 bilhões, sofreu com a queda do valor do barril no exterior e com o congelamento do preço do combustível nos postos para mascarar a inflação. Aí, a cadeia de óleo e gás naufragou.
O propinoduto de grandes empreiteiras, como Odebrecht e Andrade Gutiérrez, paralisou sua atividade e as tornou componentes da recessão que fechou empresas e desemprega 12 milhões de brasileiros. A queda de sua participação na receita do Estado foi de R$ 61,5 bilhões para R$ 44,8 bilhões (menos 20% em termos reais). Em dez anos, o Rio informa ter perdido R$ 9 bilhões em investimentos, por causa da guerra fiscal entre os Estados da Federação.
Em 2014, o governo fluminense reajustou o salário de servidores de 41 categorias e isso onerou a folha de pagamento em R$ 2,7 bilhões. Do déficit projetado de R$ 17,5 bilhões, R$ 12 bilhões são destinados a aposentados e pensionistas. De 2010 a 2015, a dívida pública aumentou 81,6%, ou seja, quase dobrou: de R$ 59,2 bilhões para R$ 107,5 bilhões.
O oitavo ponto é o gasto com a Olimpíada. Sérgio Cabral, o patrono de Pezão, participou da festança de 2009, em Copenhague, ao lado de seu inspirador, Lula da Silva, quando o Rio venceu Chicago, sob os auspícios de Michelle e Barak Obama, Madri e Tóquio, e se tornou sede da Olimpíada de 2016. Tudo a ser financiado pela iniciativa privada, conforme juraram o ex-presidente, sua sucessora, o então governador e o prefeito da cidade-sede, Eduardo Paes, da mesma patota. Pois sim: findos os jogos, feita a conta, coube ao Estado bancar a bagatela de dez projetos, que custaram a ninharia de R$ 9,7 bilhões.
Em 2015, para pagar suas dívidas, o fundo de previdência captou nos EUA US$ 3,5 bilhões (R$ 12 bilhões) em títulos com lastro em royalties de petróleo. O preço do produto desabou e a Rioprevidência não conseguiu pagar o débito. Coube ao Tesouro honrá-lo. Ou seja, o contribuinte paga a conta que Cabral e Pezão gastaram. De 2007 a 2014, foram dados em benefícios a empresas R$ 185 bilhões, com renúncia efetiva de R$ 47 bilhões.
O Legislativo e o Judiciário também fizeram festa paga pelo bolso de todos os fluminenses. De janeiro de 2007 a dezembro de 2015, as despesas da Assembleia Legislativa cresceram 90%. As da Justiça, 145%. E as do Ministério Público, 181%. Junto ao 11º ponto, o Estadão informou que no período a inflação medida pelo IPCA/IBGE foi de 71,82%
Na última resposta da entrevista Pezão não se fez de rogado. Disse que o problema não é só do Rio, mas do Brasil todo. O pior é que ele tem razão. Seus padroeiros deram as de Vila Diogo e imitaram João sem braço. Sérgio Cabral é tido como desaparecido. Lula da Silva, falando para 300 gatos pingados na Casa de Portugal, culpou Temer, que foi vice de Dilma e hoje governa, pelo desemprego e pela queda de renda dos trabalhadores, que estão pagando a conta e não participaram da farra fiscal que está levando o Rio e o País à matroca.
Ao sugerir intervenção federal, Pezão cobra pesado resgate pelo sequestro do Estado, como se chefiasse uma milícia de subúrbio. Mas Temer garante que não aceitará a chantagem, sabendo que, se intervier no Estado do Rio, terá de adiar seus projetos no Congresso para reformar a Constituição e içar o Brasil do pré-sal da recessão. Vai saber…

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

“Creio que é melhor dizer a verdade do que mentir, saber do que ignorar, ser livre do que depender”.

José Nêumanne: Apenas a verdade, nada menos do que a verdade

Em dois anos e meio de investigação e julgamento do maior escândalo de corrupção de que já se teve notícia, o juiz Sérgio Moro tornou-se o mais popular e admirado brasileiro contemporâneo

Por: Augusto Nunes  
Publicado no Estadão
A entrevista exclusiva que o comandante da Lava Jato, o juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, concedeu a Fausto Macedo e Ricardo Brandt e foi publicada no Estadão de domingo 6 de novembro é um feito jornalístico e histórico. Em dois anos e meio de investigação e julgamento do maior escândalo de corrupção de que já se teve notícia, o jovem magistrado tornou-se o mais popular e admirado brasileiro contemporâneo e até então só tinha dado suas opiniões em palestras ou nos autos dos processos que julga. Nunca antes havia respondido a perguntas diretas de jornalistas como acaba de fazê-lo.
Nas duas páginas da edição dominical do Estadão ele não fez nenhuma revelação espetacular. Não respondeu, por exemplo, à pergunta que os repórteres lhe fizeram e dez entre dez brasileiros, seus admiradores ou detratores, gostariam de fazer: “O senhor vai mandar prender o ex-presidente Lula?”. Sua resposta foi lacônica: “Esse tipo de pergunta não é apropriado, porque a gente nunca fala de casos pendentes”. Ele também perdeu uma oportunidade de desmentir seus desafetos que o acusam de ser tucano ou filho de tucano ao responder à pergunta se votou no referido personagem. “É o tipo de resposta que eu não posso dar, porque acho que o mundo da Justiça e o mundo da política não devem se misturar”, disse.
Ao longo das respostas que deu apenas repetiu, de forma didática e até acaciana (ao estilo do Conselheiro Acácio, personagem de Eça de Queiroz que só proferia o óbvio), verdades que precisam mesmo ser repetidas. Só isso é capaz de removê-las do lixo ideológico sob o qual têm sido soterradas na guerra retórica em que se debate o Brasil. Neste país da polêmica pronta, onde o argumento vale mais do que o fato, sua entrevista restaura a realidade oculta na ilusão e desmente a falácia da utopia pomposa sobre a rotina do dia a dia.Em Ah se não fosse a realidade, sua recente crônica dominical publicada na última página da Folha Ilustrada, o poeta Ferreira Gullar descreveu essa situação. Ele narra casos do cotidiano em que adeptos do populismo lulopetista, derrotado no impeachment de Dilma no Congresso e massacrado nas urnas em outubro passado, apelam para a descarada desfaçatez de contestar a vida com o lorotário ideológico disponível. O autor ouviu de uma interlocutora esta pérola: “Na cidadezinha onde moro não há desemprego. Duvido muito desses números”. Lembrada de que os dados tinham a chancela autorizada do IBGE, à época em que Dilma ainda presidia o País, a pessoa não se deu por rogada: “E o IBGE não podia estar infiltrado por adversários do governo?”.A negação do fiasco petista tem no trabalho de Moro uma de suas vítimas preferenciais. A citada ex-“presidenta”, com sua caradura de hábito, atribuía ao trabalho da força-tarefa da Lava Jato, composta por policiais e procuradores federais, a culpa pela crise financeira que devasta o Brasil, gerando quebradeira de empresas, desemprego em massa e inflação. Moro ressuscitou o Conselheiro Acácio para repetir aos repórteres o que a realidade clama: “O que traz instabilidade é a corrupção, e não o enfrentamento da corrupção. O problema não está na cura, mas, sim, na doença. O Brasil pode se orgulhar de estar, dentro da lei, combatendo a corrupção. A vergonha está na corrupção, não na aplicação da lei”. A verdade, a simples verdade, nada mais, nada menos do que a verdade.
A retórica tatibitate da ex-presidente afastada pelo Congresso deixou marcas na discursalhada de seu partido, o PT, e da esquerda em geral. Um dos argumentos mais comuns dessa gente tem sido apoiar o desempenho da Lava Jato, mas cobrar de federais, de procuradores e, sobretudo, do juiz acusações contra corruptos não filiados aos partidos que mandaram e desmandaram na República nos 13 anos, 4 meses e 12 dias antes do afastamento da ampla aliança de forças comandadas pelo PT e pelo PMDB. Trata-se de um argumento falso e hipócrita. Moro despacha-o com lógica e singela clareza. “A atuação da Justiça, do Ministério Público e da polícia não tem esse viés politico-partidário. O fato é que contra quem têm aparecido provas, têm sido tomadas as providências cabíveis”.
“Por que só ex-tesoureiros do PT estão presos?”, perguntaram, então, os repórteres. E Moro respondeu: “Considerando os casos que já foram julgados, há uma afirmação de que a vantagem indevida, a propina que era paga nos contratos da Petrobrás, era dividida entre os agentes da estatal e os agentes políticos que davam suporte à permanência daqueles agentes em seus cargos. Nessa perspectiva, quando isso foi de fato comprovado, é natural que apareçam nos processos exatamente aqueles agentes políticos que pertenciam à base de sustentação do governo”.
Na entrevista, o juiz defendeu as dez medidas de combate à corrupção apresentadas com 2 milhões de assinaturas de eleitores e o apoio entusiástico do Ministério Público Federal. A reputação que ele conquistou na sociedade não basta para tornar o projeto imune a críticas. Nem a emendas, que cabe ao Congresso adotar ou não. É claro que o desempenho de sua função, que permite a punição exemplar aos corruptos e justifica seu prestígio na sociedade, lhe dá autoridade para defender tal posição, mas isso não basta para que ela seja seguida, como ele gostaria, na possível lei que dela advier.
Da mesma forma, devem ser avaliadas suas posições críticas contra a lei do abuso da autoridade, que, por ordem expressa do presidente do Senado, Renan Calheiros, foi desengavetada no momento em que este protagoniza 11 inquéritos no aguardo de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O parlamentar goza, como todos os seus pares, da prerrogativa de foro, que Moro, com quem muitos juristas concordam e de quem muitos advogados discordam neste caso, prefere ver limitado aos chefes dos Poderes.
O ministro do STF Gilmar Mendes, sempre disponível para se pronunciar fora dos autos, chamou a sugestão do juiz de primeira instância de “simplista” e disparou, sem dó: “Para todo problema complexo, toda solução simples é geralmente errada”. Sua Excelência não pode ser acusado de originalidade. A frase original é: “Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”, da lavra do genial e impiedoso jornalista, sátiro, crítico cultural, poeta e acadêmico americano Henry Louis Mencken.
É do mesmo autor o aforismo que poderia servir de epígrafe para este artigo, para a coluna de Gullar no último domingo e para a entrevista de Moro resgatando a verdade dos fatos neste Brasil que virou atualmente o reino das versões e das utopias complexas, deselegantes e politicamente corretas: “Creio que é melhor dizer a verdade do que mentir, saber do que ignorar, ser livre do que depender”. O ministro Mendes talvez devesse incluí-la em seu estoque de frases feitas para pronto uso.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Do blog de Murilo ... Texto de José Nêumanne / 'Nenhum tipo de corrupção deve ser perdoado'

Nunca antes na História deste e de país nenhum - 

JOSÉ NÊUMANNE


*ESTADÃO - 19/10Não dá para perdoar as ignomínias que o PT e aliados praticaram contra o povo brasileiro* A manchete do Estadão de domingo – Dezoito ex-ministros de Lula e Dilma são alvo de investigação por desvios – é a constatação factual do principal pecado do chamado “presidencialismo de coalizão” e da distinção entre a corrupção corriqueira de antes e o saque sistemático e completo de todos os cofres disponíveis da República. O pacto da “governabilidade”, eufemismo caridoso para justificar a ocupação dos ministérios por grupos de políticos profissionais que controlam o Cong... mais »

O pacto da “governabilidade”, eufemismo caridoso para justificar a ocupação dos ministérios por grupos de políticos profissionais que controlam o Congresso Nacional, não resulta de uma parceria de programas partidários para uma gestão de qualidade, atendendo a interesses republicanos, mero pretexto retórico. Mas, sim, da divisão de verbas orçamentárias para subvencionar interesses grupais e paroquiais de chefões de legendas, interessados apenas na permanência no poder, nos melhores casos, ou no enriquecimento pessoal, nos mais deletérios deles.

Na embriaguez da popularidade inesperada, o primeiro presidente eleito pelo povo depois da ditadura, Fernando Collor, confrontou esse paradigma e deu com os burros n’água por não aceitar dividir com os dirigentes partidários o butim dos cofres da “viúva”, chegando a perder a Presidência na metade do mandato. Seu vice e sucessor, Itamar Franco, beneficiário de um acordão multipartidário, saiu de seu mandato-tampão ileso e ilibado, já que impôs a um Gabinete dos que apoiaram o impeachment do titular da chapa a execução de uma gestão austera dos negócios de Estado. Se não o fizesse, não teria deixado para a posteridade a maior revolução social da História, o Plano Real, baseado na responsabilidade fiscal. Esta não resistiria à dilapidação patrimonial da poupança pública, lema que elegeu o ministro da Fazenda que a planejou e realizou, Fernando Henrique Cardoso, para dois mandatos, legitimados por vitórias no primeiro turno. Mas ele perdeu a legitimidade ao forçar a barra da aliança parlamentar formada para gerir a gestão compartilhada na luta, eivada de suspeitas de corrupção, para obter a reeleição.

O desgaste causado pelas dúvidas sobre o segundo mandato ajudou a alçar o Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder. Nele ex-dirigentes sindicais, “padres de passeata”, “freiras de minissaia” (apud Nelson Rodrigues) e ex-guerrilheiros, doutrinados por Marx a desafiar a ganância capitalista, justificando a “apropriação” da “mais-valia”, aproveitaram-se das vantagens do acesso aos cofres da República. A propina dos corruptos de antanho foi, então, substituída pelo método do saque, mais premeditado e planejado do que propriamente organizado, do patrimônio público. Para realizar essa mudança contaram com uma oposição omissa, a prerrogativa de foro e a camaradagem no Supremo Tribunal Federal.

Nenhum tipo de corrupção deve ser perdoado. Se a denúncia do empreiteiro da Engevix José Antunes Sobrinho à Advocacia-Geral da União (AGU) for comprovada, os receptadores de comissões nas gestões estaduais paulistas dos tucanos José Serra e Geraldo Alckmin receberão com justiça tratamento penal igual ao dado a réus da Lava Jato. A notícia, publicada pela revista Época, revela o acerto da distinção feita no parágrafo anterior e põe por terra o mantra, exaurido pela esquerda pilhada em flagrante delito de furto, de que há delação premiada seletiva contra seus larápios de estimação. Da mesma forma, se não é aceitável a ladainha usada pelo PT e seus aliados de que as gorjetas dadas aos partidos configuram doações legais consignadas na lei eleitoral, idêntica desculpa amarelada não serve para tucanos de mãos leves pilhados.

Como também as citações de dirigentes do PSDB (o morto Sérgio Guerra e o vivo Aécio Neves) na Lava Jato não podem servir de pretexto para a fanfarra parlamentar, militante ou acadêmica da esquerda “delinquentófila” usá-las como justificativa para a ação deletéria de seus ícones do socialismo, cujos delitos causaram a maior crise da História do País.

Há defensores de pobres e oprimidos que falam e agem como cúmplices dos gatunos. A Associação dos Engenheiros da Petrobrás e os sindicatos do setor nada disseram contra o desmanche da estatal pelo superfaturamento de contratos em troca de “adjutórios” para petroleiros, políticos e legendas receptadoras de doações.

Nenhum sindicato de bancários cobrou explicações sobre os financiamentos bilionários, investigados na brasileira Lava Jato e na Operação Marquês, portuguesa, para a obra da hidrelétrica de Cambambe, na Angola do ditador comunista José Eduardo dos Santos, pai de Isabel dos Santos, a mulher mais rica da África. Aliás, a juíza Maria Priscilla Ernandes Veiga, da 4.ª Vara Criminal paulista, processou o ex-presidente da cooperativa dos bancários (Bancoop) João Vaccari Neto por ter usado o patrimônio da entidade para financiar o PT e bancar apartamentos na praia para petistas ilustres, entre eles Lula. E a Central Única dos Trabalhadores (CUT) não deu um pio em contrário.

Dos 18 ex-ministros de Lula e Dilma citados neste jornal no domingo, dois foram da Fazenda. Um, Guido Mantega, é acusado de ter achacado empresários no gabinete. E Paulo Bernardo responde por ter cobrado propina de servidores do Ministério do Planejamento, sob seu comando, que pediram empréstimos consignados. Algum socialista reclamou?

Que nada! O PT, a defesa de Lula e parte daintelligentsia comparam Sergio Moro, da Lava Jato, ao dominicano Savonarola e dizem que, por ser moralista e intolerante, ele “persegue” o três vezes réu. Só que este também responde por corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e organização criminosa, e não por crime político, a outro juiz, Vallisney Oliveira, de Brasília.

Nunca antes na História houve nada igual. É hora de aceitar a realidade, processar e punir os responsáveis. E sanar as distorções que desempregaram ou subocuparam 16,4 milhões de brasileiros (16% da força de trabalho). Não dá mais para perdoar ignomínias desse jaez.

*Jornalista, poeta e escritor


quarta-feira, 5 de outubro de 2016

"Lula, um leão rouco, sem dentes nem garras" / José Nêumanne

Lula, um leão rouco, sem dentes nem garras - 

JOSÉ NÊUMANNE

ESTADÃO - 05/10

A maior vítima da violência do PT será o cidadão, que não terá como melhorar de vida
O profeta Lula estava particularmente inspirado quando foi votar para prefeito em São Bernardo do Campo, onde mora. “O PT vai surpreender nesta eleição”, previu com precisão instantânea. Pois seu partido surpreendeu mesmo, ao cair de terceiro em número de prefeituras em 2012 para décimo lugar neste pleito. “Quanto mais ódio se estimula, mais amor se cria a favor”, disse, em forma de oração. “Só há um jeito de eles tentarem me parar: evitar que eu ande pelo Brasil”, ameaçou o santo guerreiro contra o dragão da maldade da burguesia infame. O loroteiro está de volta, olê, olê, olá!

Não tardou para as urnas o estarrecerem. Nem precisou sair de casa: Orlando Morando (PSDB) e Alex Manente (PPS) disputam o segundo turno em São Bernardo. O companheiro Tarcísio Secoli, favorito do prefeito Luiz Marinho, seu sucessor no Sindicato dos Metalúrgicos, do qual Lula ascendeu para a glória política, ficou em terceiro, com menos de um quarto dos votos válidos: 22,6%. Em termos proporcionais, superou o poste que ele elegeu em São Paulo em 2012: Fernando Haddad protagonizou o maior vexame da história do partido ao ser massacrado pelo tucano João Doria, que o derrotou no primeiro turno por 53,3% a 16,7%. Em gíria de turfe, Haddad nem pagou placê.

E no dia em que constatou que as eleições “consolidam a democracia no Brasil”, Lula deu uma desculpa esfarrapada para o fiasco histórico: “A imprensa está em guerra com o PT há sete anos”. Para ele, “as pessoas se enganam quando (pensam que) uma TV, um jornal, pode tudo. Não pode. O povo é que pode tudo”. No caso, não lhe falta razão: numa democracia, como reza a Constituição da República, todo o poder emana do povo e para ele é exercido. As urnas não falam, mas o povo fala nelas. E a lorota de Lula tornou-se senha para a violência: mais tarde, constatada a derrota de Haddad, militantes petistas impediram que a repórter Andréia Sadi, da GloboNews, concluísse um boletim ao vivo na sede do PT, no centro de São Paulo.

Um tsunami de votos soterrou o partido que se diz da classe operária, mas passou 13 anos, 4 meses e 12 dias usando o poder federal para atuar como despachante de empreiteiros e amigos empresários emergentes que, em troca de contratos superfaturados, engordaram os cofres dos petistas e do PT em proporções nunca ousadas antes. Até recentemente, ingênuos, como o autor destas linhas, imaginavam que havia apenas uma corrente de escândalos de corrupção – Santo André, mensalão, petrolão, etc. –, conectados e consequentes um do outro. Agora é possível perceber que não é só isso. Trata-se, sim, de um assalto planejado, organizado e realizado para esvaziar todos os cofres públicos ao alcance de suas mãos.

A 53.ª (Arquivo X) e a 54.ª (Ormetà) fases da Operação Lava Jato trouxeram à tona revelações impressionantes sobre a gestão dos desgovernos Lula e Dilma. Nunca antes na História deste país um chefe da Casa Civil respondera por violações do Código Penal. José Dirceu, “capitão” do time de Lula em seu primeiro governo, está preso em Curitiba, acusado de haver delinquido quando cumpria pena na Papuda, em Brasília, condenado por corrupção e outros crimes pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no caso mensalão. Antônio Palocci Filho, primeira eminência parda de Dilma, após ter sobrevivido a 19 processos criminais no mesmo STF e ter violado o sigilo bancário de um pobre trabalhador, o caseiro Francenildo dos Santos Costa, foi recolhido ao xadrez, acusado de ter pago dívidas de campanha da chefe com dinheiro sujo.

Gleisi Hoffmann, ex-chefa da Casa Civil e senadora (PT-PR), é acusada de ter recebido R$ 1 milhão de propina da Petrobrás para comprar votos. Acusação igual é feita ao marido dela, Paulo Bernardo, suspeito de haver furtado R$ 7 milhões em prestações mensais de funcionários do Ministério do Planejamento que requeriam empréstimos consignados.

Guido Mantega, preso e solto pelo juiz Sergio Moro, foi outro ex-ministro do Planejamento a protagonizar processo criminal, em que foi delatado por Eike Batista, “bom burguês” escalado por Lula entre “campeões mundiais” do socialismo de compadrio, de havê-lo achacado no gabinete do Ministério da Fazenda. Palocci também foi ministro da Fazenda de Lula, que se diz o mais “honesto dos seres humanos”. Enquanto Dilma se põe acima de suspeitas por não ter contas bancárias no exterior.

No palanque, a esquerda insistiu que Dilma foi usurpada por Michel Temer, o vice duas vezes eleito com ela, no impeachment, cujo rito legal foi cumprido à exaustão. Em São Paulo, Luiza Erundina, do PSOL, e, no Rio, Jandira Feghali, do PCdoB, pediram votos repetindo essa patranha de consolar devoto. A ex-prefeita teve 3,2% dos votos e a carioca, 3,3%.
Fernando Haddad, contrariando o comportamento belicoso de seus apoiadores, cumprimentou João Doria pela vitória. No entanto, a agressão à repórter de televisão não foi, como devia ter sido, evitada por seu candidato a vice, Gabriel Chalita, nem por seu antigo colega de Ministério de Lula, Alexandre Padilha, que, conforme depoimento do colunista do Globo Jorge Bastos Moreno, se mantiveram impassíveis diante do lamentável fato. Assim, deram o sinal de que a oposição do PT e aliados de esquerda não se limitará à irresponsável tentativa de impedir que sejam feitos os ajustes sem os quais o Brasil não conseguirá recuperar-se da crise provocada pela longa duração do próprio reinado na República.

O governo de Temer, também cúmplice no desmantelamento do Estado brasileiro nas gestões petistas, sofrerá boicote impiedoso. Mas a maior vítima será, como sempre, o cidadão, que amarga desemprego, inflação e quebradeira. E se verá às voltas com vândalos nas ruas queimando carros e quebrando vidraças. O PT não é cachorro morto e seu chefão, Lula, ainda será o leão rouco que ruge mesmo tendo perdido dentes e garras.

*Jornalista, poeta e escritor