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quinta-feira, 12 de julho de 2012

"...Apiedo-me, ou melhor, apiado-me..." Demóstenes foi apeado

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/pasquale/1118788-pasquale-cipro-neto---demostenes-sua-defesa-e-pessoa.shtml

pasquale cipro neto

 

12/07/2012 - 03h00

Pasquale Cipro Neto - Demóstenes, sua defesa e Pessoa

Foi pelo blog do grande e querido companheiro Fernando Rodrigues que fiquei sabendo, anteontem, que na peça de defesa ("Memorial da Defesa do senador Demóstenes Torres") do agora ex-senador Demóstenes Torres, assinada pelos seus cinco advogados, foram citados Martin Luther King e Fernando Pessoa. As citações estão na "capa" da peça, imediatamente depois do título formal que a ela foi dado.
De King, citou-se esta passagem: "A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo lugar". De Pessoa, a passagem é esta: "Ergo-me da cadeira com um esforço monstruoso, mas tenho a impressão de que levo a cadeira comigo, e que é mais pesada, porque é a cadeira do subjetivismo".
Estupefaz-me o esforço de certos pré-condenados, sobretudo daqueles que já se sabem condenados e (é claro) consideram-se injustiçados. Apiedo-me, ou melhor, apiado-me, já que, dadas as circunstâncias, talvez seja mais apropriado empregar a flexão (paronomástica) da forma variante e antiga "apiadar".
Em pronunciamentos muitas vezes patéticos (vide a origem dessa palavra grega), essas figuras lançam mão de trechos bíblicos, de frases de grandes líderes, poetas, filósofos ou juristas. Tivera eu podido fazer uma sugestão aos defensores de Demóstenes, tê-los-ia aconselhado a citar estes versos de Drummond, de "Segredo": "Suponha que um anjo de fogo varresse a face da terra e os homens sacrificados pedissem perdão. Não peça". Drummond e meu filho Carlos (assim nominado em homenagem ao Poeta, que estava vivo quando meu filho nasceu) que me perdoem, mas não resisti.
Mas o que eu gostaria mesmo de ter feito, se mo tivessem permitido os causídicos de Demóstenes, é outra coisa. Explico: o trecho de Pessoa citado no "Memorial da Defesa" na verdade é de Bernardo Soares, um dos heterônimos de Fernando Pessoa. Está no imprescindível "Livro do Desassossego" (são incríveis as coincidências da vida! -o título por si só já diz tudo). Aliás, por mais uma fatídica coincidência, Bernardo Soares é ajudante de guarda-livros (em Brasília, digo, em Lisboa...).
Bem, para ir de vez ao ponto, eu teria sugerido aos patronos da causa de Demóstenes que tivessem ido para uma das páginas anteriores à em que está o trecho citado. Lá teriam encontrado o que segue: "Todo esforço, qualquer que seja o fim para que tenda, sofre, ao manifestar-se, os desvios que a vida lhe impõe; torna-se outro esforço, serve outros fins, consuma por vezes o mesmo contrário do que pretendera realizar. Só um baixo fim vale a pena, porque só um baixo fim se pode inteiramente efetuar. Se quero empregar meus esforços para conseguir uma fortuna, poderei em certo modo consegui-la; o fim é baixo, como todos os fins quantitativos, pessoais ou não, e é atingível e verificável. Mas como hei de efetuar o intento de servir minha pátria, ou alargar a cultura humana, ou melhorar a humanidade? Nem posso ter a certeza dos processos nem a verificação dos fins".
Santo Bernardo Soares! Santo Fernando Pessoa!
Nas próximas duas semanas, estarei em férias. A coluna volta em 2 de agosto. É isso.
Pasquale Cipro Neto
Pasquale Cipro Neto é professor de português desde 1975. Colaborador da Folha desde 1989, é o idealizador e apresentador do programa "Nossa Língua Portuguesa" e autor de várias obras didáticas e paradidáticas. Escreve às quintas na versão impressa de "Cotidiano".