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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

O Brasil é mal aluno em Relações Internacionais...

A China sabe muito sobre o Brasil e o Brasil sabe muito pouco sobre a China

Com a ascensão da China, o Brasil terá que navegar em um cenário geopolítico novo, para o qual ainda não está preparado.

Os presidentes do Brasil e da China, Michel Temer e Xi Jinping, em Hangzhou
Os presidentes do Brasil e da China, Michel Temer e Xi Jinping, em Hangzhou  POOL (EFE)
O debate sobre a China nas capitais no Ocidente está passando por uma transformação sem precedentes. Os otimistas com as consequências da ascensão da China — os chamados panda huggers, que dominaram o debate público desde a década de 1990 — estão perdendo espaço para os China hawks,para os quais o Ocidente precisa adotar uma estratégia de defesa muito mais dura contra a crescente influência chinesa.
Duas publicações recentes simbolizam essa mudança. Na Alemanha, o relatórioAuthoritarian Advance: Responding to China’s Growing Political Influence in Europe ("Avanço Autoritário: Respondendo à Influência Política Crescente da China na Europa", em tradução livre), publicado pela MERICS e pela GPPi, dois importantes think tanks em Berlim, argumenta que as tentativas de Pequim de influenciar a política europeia e a promoção dos ideais autoritários chineses"representam um desafio significativo para a democracia liberal, bem como os valores e interesses da Europa".
Nos Estados Unidos, Kurt Campbell e Ely Ratner, dois ex-diplomatas de alto escalão, publicaram na revista Foreign Affairs o artigo The China Reckoning: How Beijing Defied American Expectations ("Fazendo um balanço: como Pequim desafiou as expectativas dos EUA", em tradução livre). Nele, os autores argumentam que a política dos EUA em relação à China desde a Segunda Guerra Mundial foi irremediavelmente ingênua e que Pequim acabou levando vantagem sobre Washington.
Na Austrália, o governo endureceu as regras para investimentos estrangeiros em terras agrícolas e infraestrutura energética, em resposta à crescente influência econômica chinesa e à divulgação de dados sobre doações eleitorais de empresários ligados ao governo chinês antes das eleições em 2016. Em um gesto dramático, o primeiro-ministro australiano criticou a China (o maior parceiro comercial da Austrália e o maior investidor no país) por sua interferência. Na televisão australiana, invocou, em mandarim, um famoso slogan chinês associado a Mao Tse Tung para declarar que o povo australiano "se levantará" contra a intromissão em seus assuntos domésticos. Veremos discursos e medidas parecidas de governos no Ocidente ao longo dos próximos anos, como o banimento de financiamento político estrangeiro, aumento do monitoramento de investimentos chineses(sobretudo em áreas sensíveis, como infraestrutura e mídia), e maior ênfase em cibersegurança para evitar ingerência externa, como visto nos Estados Unidos durante as eleições de 2016.
O crescente papel econômico da China também é uma realidade irrefutável no Brasil. Dependemos cada vez mais da demanda chinesa de commodities, e a China em breve se tornará o maior investidor no Brasil, dando-lhe influência econômica e política sem precedentes. O Brasil tem pouca escolha além de operar dentro dessas restrições estruturais. A questão não é aceitar ou rejeitar essa realidade de crescente dependência, mas como gerenciá-la para que ela beneficie os nossos interesses estratégicos.
As crescentes tensões entre China e o Ocidente terão um grande impacto sobre a ordem global, e o Brasil pode tirar lições importantes dos episódios descritos acima, se o país aprender a navegar nesse novo ambiente geopolítico fortemente influenciado por Pequim. No entanto, em uma recente reunião, em Brasília, entre especialistas em China, participantes do governo, do mundo acadêmico e do setor privado concordaram abertamente que o Brasil não tinha uma estratégia clara em relação ao novo cenário. Isso ocorre em parte porque os desafios domésticos atualmente reduzem a margem de manobra do Brasil no domínio da política externa. No entanto, uma razão mais preocupante é que a natureza fundamental dos laços Brasil-China hoje é uma das mais profundas assimetrias do conhecimento: a China sabe muito sobre o Brasil, enquanto o Brasil sabe muito pouco sobre a China.
Pequim investe sistematicamente na formação de uma elite de analistas com uma compreensão sofisticada do Brasil — incluindo metas precisas sobre quantos chineses devem aprender português. O Brasil, por sua vez, não possui uma estratégia comparável. De quantos sinólogos o país precisará nas próximas décadas? Quantos estudantes brasileiros devem ter passado pelo menos um semestre em universidades chinesas? Qual o número desejável de turistas chineses no Brasil em médio prazo?
Essa assimetria já tem consequências. Hoje em dia, é comum que um ministério em Brasília descubra que um interlocutor chinês interessado em um grande projeto de infraestrutura já esteve, paralelamente, em contato com o Itamaraty, o Planalto, agências reguladoras e vários governadores estaduais para alcançar seus objetivos, sem que houvesse algum tipo de coordenação entre as entidades brasileiras. Isso permite que os investidores chineses operem no Brasil e busquem negócios de forma que um investidor brasileiro na China jamais poderia.
Qualquer estratégia coerente do Brasil para lidar com a China deve começar por investir fortemente para superar essa assimetria de conhecimento. Isso envolve programas de intercâmbio em larga escala para estimular a formação de sinólogos, investimento público para pesquisas independentes sobre a China e, possivelmente, o desenvolvimento, dentro da carreira diplomática, de um segmento de profissionais exclusivamente dedicados àquele país.
Gerenciado adequadamente, o relacionamento bilateral pode trazer muitos benefícios. A ascensão chinesa oferece oportunidades para aproveitar suas imensas reservas financeiras para as prioridades brasileiras de investimento — acima de tudo, para modernizar a infraestrutura do Brasil, um grande obstáculo à competitividade do país no mercado global. É evidente que isso também requer estabelecer regras claras para evitar problemas semelhantes aos apontados pelo primeiro-ministro australiano. Porém, se o Brasil alcançar uma compreensão profunda da China — não só no Ministério das Relações Exteriores, mas também em universidades, ONGs, empresas, governos estaduais e municipais — o país poderá extrair o melhor de um mundo em que os chineses têm papel central.

sábado, 10 de fevereiro de 2018

O Politicamente Incorreto ganha mais incentivador ....




O filósofo coreano que ataca as redes e se tornou viral

Entenda os motivos do sucesso de Byung Chul-Han, um dos maiores críticos do uso da Internet e da sociedade contemporânea




Byung Chul-Han em Barcelona.
Byung Chul-Han em Barcelona.  EL PAÍS




Fala da alienação e dominação, do inferno do igual, da sociedade do cansaço e da exploração a que nos submetemos. É um filósofo de origem sul-coreana que fez sua carreira na Alemanha e em alemão, inspirado na obra de alguns dos mais célebres – e mais difíceis – pensadores desse país, de Hegel a Martin Heidegger. Tem um livro, inclusive, chamado No Enxame: reflexões sobre o digital, que é uma crítica demolidora do papel das redes sociais na sociedade atual. Não parecem argumentos para o sucesso viral e, entretanto, a matéria sobre o pensamento de Byung Chul-Han publicada na quarta-feira pelo EL PAÍS teve mais de meio milhão de usuários únicos nos dois primeiros dias e foi o conteúdo mais visto do site durante mais de 30 horas. A versão em português também se transformou na matéria mais lida do jornal em toda a América Latina. Conversamos com outros filósofos e escritores para falar dos motivos do sucesso do pensamento de um autor cujas principais obras – A Sociedade do CansaçoA Sociedade da Transparência e a Agonia do Eros – estão traduzidas ao português.
Algo parecido já aconteceu à época com a morte de Zygmunt Bauman e o surgimento de Slavoj Zižek, conhecido como o filósofo viral. Em maior ou menor grau, são todos eruditos, controversos e politicamente incorretos. “É uma leitura crítica do mundo acelerado que tem a ver com a transparência e as tecnologias e isso para ele funciona e gera cumplicidade. É o tipo de pensamento que acompanha as solidões”, explica o filósofo e jornalista Josep Ramoneda.
“Existem quatro aspectos essenciais”, comenta o professor de Filosofia Contemporânea da Universidade de Barcelona Manuel Cruz. “Por um lado, acertou no formato. Esses textos de intervenção curta e clara são fundamentais. Além disso, há o estilo. Tem um modo de colocar as coisas especialmente atrativo. Parte de um conceito intuitivamente aparente – a transparência, por exemplo – ou uma metáfora – a sociedade do cansaço – e consegue um grau de acessibilidade muito grande. Também está muito preocupado pela experiência. Por último, afiança solvência. Você pode ou não gostar, mas não pode dizer que ele é um charlatão”.



Contra o mito das redes

Quase sete em cada dez leitores da matéria do EL PAÍS, tanto em espanhol como em português, chegaram a ela através das redes sociais, fundamentalmente o Facebook. É quase uma ironia, porque Han ataca com dureza o papel das redes e se pergunta se no final será o algoritmo a construir o homem e não o inverso.
A ensaísta Remedios Zafra, autora de El Entusiasmo (O Entusiasmo), um estudo sobre a precariedade e a desilusão, reflete sobre a pertinência da análise de Han: “Na vida contemporânea (online) são tão poucos os tempos vazios que não é fácil ativar a consciência, o que prima é a inércia. A vida tal como a conhecíamos parece estar em risco, fagocitada por trabalhos e tarefas derivados da conexão permanente. Que grande parte dessas tarefas tenham a ver com a própria visibilidade e com o protagonismo do eu na vida digital está muito relacionado com o mecanismo que faz a conexão. O que não tenho claro é até que ponto essa “autoexploração” sugerida por Han é promovida pelo próprio indivíduo”.
A aparente simplicidade é outra de suas virtudes. “Han utiliza uma linguagem inteligível, também simplificando muito. Daí a enganosa sensação de que tudo pode ser explicado, algo que reconforta muito. Acho que o sucesso de Han se deve em boa parte a esse fator reconfortante”, afirma Cecilia Dreymüller, tradutora especializada em literatura alemã e escritora. “São livros muito curtos, isso é importante nos tempos atuais. Bastante contundentes e fáceis de se ler”, acrescenta Ramoneda. “É uma mistura de profundidade filosófica (principalmente à base de citações indiscriminadas de toda a filosofia ocidental) com questões da cotidianidade mais comum. Tudo reconhecível. E esse é outro grande fator de seu sucesso”, diz Dreymüller.
Por trás da fama de Byung Chul-Han há uma carreira de fundo contra a lógica da vida. Nascido em 1959 em Seul, Han decidiu ir à Alemanha após abandonar seus estudos de metalurgia. Em 1994 se doutorou pela Universidade de Munique com uma tese sobre Heidegger e pouco depois começou a trabalhar como professor universitário. Surpreendente para alguém que não dominava o alemão quando chegou. “É assombroso o domínio do idioma de Han, verdadeiramente. Mas uma pessoa disciplinada e inteligente como ele consegue fazê-lo com muita aplicação. Parece ter uma enorme força de vontade. Ele adora poesia, recita Goethe de memória assim como Leopardi – em italiano”, afirma Dreymüller.


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