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terça-feira, 27 de agosto de 2013

"O Judiciário está mais preocupado com o formalismo do que com a aplicação da lei..."/ Mensalão/STF



Enviado por Ricardo Noblat - 
27.08.2013
 | 
16h15m
POLÍTICA

Mensalão: poderia ser pior

Marco Antonio Villa
O julgamento do mensalão é a mais perfeita tradução de como funciona a Justiça brasileira. O recebimento da denúncia pelo Supremo Tribunal Federal ocorreu em agosto de 2007. Antes, em julho de 2005, foi aberto o inquérito na Justiça Federal de Minas Gerais. Na instrução da ação penal 470 foram mais cinco anos. O julgamento já ocupou 57 sessões do STF. Somando o processo e a sentença, o total das páginas chega próximo a 60 mil. E até hoje não temos a conclusão do julgamento.
Os mais otimistas acreditam que tudo deve terminar até dezembro e o eventual cumprimento das penas ficaria para 2014. E isto graças à celeridade dada à ação penal pelo presidente Joaquim Barbosa e que também acumula a relatoria. Ou seja, poderia ser pior, caso não tivesse ocorrido esta feliz coincidência, além do desejo de Barbosa de terminar ainda este ano o processo.
A longevidade do julgamento, porém, permite observar como funciona mal a Justiça. Apesar da atenção nacional, da cobertura da imprensa e excelente infraestrutura — são milhares de funcionários, a maioria deles regiamente paga —, o ritmo é lentíssimo.
Tudo é motivo para deixar para a próxima sessão, que, como virou hábito, vai começar atrasada e com intervalos longuíssimos. Os ministros falam, falam e dizem pouco ou quase nada que se possa aproveitar. A linguagem embolada encobre o vazio. O latim de cura de aldeia é patético.
A discussão “teórica” proposta por Ricardo Lewandowski sobre o crime de corrupção e qual a legislação a ser aplicada teve a profundidade de um pires. Mas haja vaidade. Um exemplo é o ministro Roberto Barroso. Diria um antigo jogador de futebol: ele acabou de chegar e já quer sentar na janelinha do ônibus. Faz questão de falar sobre tudo. Adora o som da própria voz.
Se o julgamento permite constatar que o Judiciário está mais preocupado com o formalismo — não há nada mais antirrepublicano que o “capinha”, o funcionário que empurra a cadeira para o ministro sentar — do que com a aplicação das leis, é na indústria dos recursos que a perversidade chega ao cume. É evidente que o advogado tem de defender seu cliente. Mas há uma clara diferença entre a defesa e a mera procrastinação que visa, simplesmente, a adiar a conclusão do processo.
É inadmissível que um advogado, como ocorreu em uma das sessões da semana passada, solicite que o seu cliente seja julgado em primeira instância pois não teria foro privilegiado. Esta questão foi discutida três vezes e a Corte, em todas elas, tomou a mesma decisão: que o processo deveria ser julgado em bloco no STF.
O advogado não sabia? Claro que sabia. Por que agiu assim? Porque faz parte do jogo — triste jogo da Justiça brasileira. Quanto mais tempo levar para a efetivação do cumprimento da pena, melhor.
A sucessão de recursos desmoraliza a Justiça. Deixou de ser instrumento de defesa do cidadão contra possível injustiça do Estado. Virou um mecanismo para — como no caso do mensalão — estimular a impunidade. E, se através dos sucessivos recursos, o defensor conseguir que seu cliente não cumpra a pena, ele acaba — absurdo dos absurdos — sendo uma referência para seus pares, um símbolo de esperteza, como se Macunaíma tivesse se transformado em patrono dos advogados brasileiros.
É um terreno perigoso, mas não custa especular até onde vão o direito de defesa — legítimo e parte essencial da democracia — e a associação entre defensor e cliente. É ético um advogado elaborar conscientemente uma linha de defesa para encobrir um ato criminoso do seu cliente e lesivo ao interesse público? É ético receber honorários de um cliente sabidamente corrupto? É ético participar de um julgamento como advogado de um réu acusado de ter cometido diversos crimes que envolveram autoridades de um governo do qual o defensor participou?
A indústria dos recursos acabou ganhando legitimidade. As diversas corporações que fazem parte do mundo do Direito não desejam qualquer mudança de fundo na legislação. Esporadicamente fazem alguma declaração criticando a proliferação dos recursos simplesmente para “cumprir tabela”, pois sabem que, neste ponto, contam com a simpatia da opinião pública.
Da forma como vigoram no Brasil, os recursos e a impunidade caminham juntos. E cabe ao Congresso Nacional aprovar novos códigos que permitam uma tramitação mais rápida dos processos e o efetivo cumprimento das penas. Caso contrário, continuaremos com a Justiça de mentirinha que temos — e que desmoraliza a democracia.
O STF ao longo da sua história, infelizmente, não foi um exemplo de defesa do Estado Democrático de Direito. Basta recordar o silêncio frente à violência estatal na República Velha, no Estado Novo ou na ditadura militar. Daí a importância do julgamento do mensalão. Pode ser uma ruptura com o passado. Demonstrar que o tribunal não é suscetível às pressões políticas, especialmente aquelas advindas do Executivo. Que julga de acordo com os autos e não pela importância política dos réus. Quem repudia a impunidade e a chicana. Que não tem compromisso com os marginais do poder. Que, enfim, cumpre suas atribuições constitucionais.
Todas estas observações só foram possíveis graças à transmissão das sessões pela televisão. Foi uma sábia medida. Ver como funciona a Suprema Corte, acompanhar os debates, as altercações, polêmicas, pilhérias. A transmissão tem ajudado a explicar o funcionamento do STF, suas mazelas, seus momentos de encontro com a cidadania, suas qualidades e fraquezas. É um ensinamento do papel e da importância do Judiciário.


Marco Antonio Villa é historiador.