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sábado, 27 de janeiro de 2018

"Bravatas e realidade " / Merval Pereira

Bravatas e realidade  

MERVAL PEREIRA

O Globo 27/01

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Já entrou para o anedotário da política brasileira a confissão do ex-presidente Lula: “Quando a gente é de oposição, pode fazer bravata porque não vai ter de executar nada mesmo. Agora, quando você é governo, tem de fazer, tem que ser responsável, e aí não cabe a bravata”. Em outra ocasião, ele confessou, entre risos de seus entrevistadores amigos, que quando era oposição viajava o mundo falando mal do Brasil e ganhava muita atenção no estrangeiro citando dados estatísticos que não exprimiam a verdade.

Pois foram as bravatas de Lula e seus seguidores que justificaram a decisão do juiz federal de primeira instância Ricardo Leite, de Brasília, de apreender o passaporte do ex-presidente, medida cautelar prevista no Código de Processo Civil para substituir a prisão preventiva, impedindo-o de viajar à Etiópia, para um evento sobre o combate à fome no mundo, onde certamente voltaria a falar mal do Brasil e a contar bravatas sobre si mesmo e seus governos.

Mas o juiz não estava preocupado com o que Lula faria no exterior, mas sim com os indícios de que poderia não retornar, pedindo asilo a “países simpatizantes”. Essa foi uma das bravatas que os aliados de Lula espalharam nos últimos dias. Ao impedir Lula de deixar o país, o juiz Ricardo Leite explicou: “É do conhecimento público a divulgação de declarações em que aliados políticos do ex-presidente, visando a politização de processos judiciais, cogitam a solicitação (se necessário) de asilo político em seu favor para países simpatizantes”.

Também a reiteração, por Lula e seus aliados, de que não acatariam a decisão do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre (TRF-4), com incitação aos militantes para que resistam a uma eventual prisão de Lula, serviram de base para a decisão do juiz de Brasília.

Um dia depois de ter sido condenado a 12 anos e um mês de prisão, o ex-presidente Lula, em reunião da Executiva Nacional do PT, disse que não respeitaria a decisão da Justiça, e conclamou os militantes a uma ofensiva nas ruas para defendê-lo, pregando o enfrentamento político.

“Esse ser humano simpático que está falando com vocês não tem nenhuma razão para respeitar a decisão de ontem” (...) “Quando as pessoas se comportam como juízes, sempre respeitei, mas quando se comportam como dirigentes de partido político, contando inverdades, realmente não posso respeitar”.

Na mesma reunião, o líder do Movimento dos Sem Terra, João Pedro Stédile, afirmou que os movimentos populares não aceitarão e impedirão a prisão do ex-presidente Lula. Também o líder do PT no Senado, Lindbergh Farias, que, por sua agressividade, subiu no conceito das lideranças petistas, defendeu a “desobediência civil”, com ocupação das ruas, contra a condenação de Lula em segunda instância:

“Não nos peçam passividade nesse momento. Há uma ditadura de toga nesse país. Não podemos mais dizer que vivemos numa democracia, e agora só temos um caminho: a rebelião cidadã e a desobediência civil”, afirmou, para desafiar: “Vão fazer o quê? Prender o Lula? Vão ter de prender milhões de brasileiros antes.”

O líder do PT foi mais cuidadoso nessa frase do que fora sua presidente partidária, senadora Gleisi Hoffmann, que chegou a dizer que para prender Lula teriam que matar “muita gente” antes. As manifestações a favor de Lula não indicam essa disposição de “muita gente” para morrer pelo ex-presidente, e as últimas informações mostram que, principalmente, não estão dispostos a morrer politicamente.

Já começam nos bastidores as negociações para apressar a indicação de um candidato substituto, sob pena de o partido sofrer uma derrota fragorosa nas eleições gerais de 2018. Para os membros do partido, uma candidatura de Lula representava a senha mágica para a recuperação do partido nas eleições de governadores, 2/3 do Senado e a totalidade da Câmara, compensando a derrota que o partido sofreu nas eleições municipais de 2016. Agora, insistir nela pode ser a derrocada final.

Com uma perda de 60% das prefeituras que governava, o PT ficou em 10º lugar entre os partidos que mais elegeram prefeitos, deixando que seus adversários mais fortes, como o PMDB e o PSDB, crescessem e tenham hoje uma máquina partidária espalhada pelo país, que certamente os ajudará na campanha deste ano.

As bravatas de Lula certamente não ajudarão o partido, pois dificilmente ele conseguirá superar a Lei da Ficha Limpa, que torna inelegível os que, como ele, são condenados em segunda instância. Como só acontece com os bravateiros, na hora do enfrentamento da realidade eles se curvam a ela. Lula, que incitava à desobediência civil, levando Lindbergh a acreditar na bravata, entregou seu passaporte e vai lutar por ele dentro das legislação vigente.


quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

"Para não virar Colômbia "/ Merval Pereira

Para não virar Colômbia - 

MERVAL PEREIRA

O Globo - 18/01

As Forças Armadas vão fazer uma operação limpeza nos presídios, utilizando toda a tecnologia mais moderna, e ao lado disso o governo federal vai financiar os estados para a aquisição de bloqueadores, raios-X e scanners. Essas varreduras serão realizadas aleatoriamente, nos 12 meses seguintes à requisição do governador.

Para cada autorização haverá um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que dará amparo legal à operação e transferirá totalmente a responsabilidade das ações para as Forças Armadas. As polícias Militares, a Força Nacional, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e as polícias Civis dos estados participarão das operações, mas sob a coordenação das Forças Armadas.
Os militares não lidarão com os presos diretamente, mas com as instalações. O presidente Michel Temer tomou a decisão baseado em sua experiência, quando foi secretário de Segurança em São Paulo logo depois do massacre do Carandiru. Ele relatou a seus ministros que implantou uma sistemática que deu certo: mensalmente, sem avisar, a PM fazia uma varredura minuciosa nos presídios.

Com base nessa experiência, e também achando que havia necessidade do emprego das Forças Armadas, pelo simbolismo, pela força e prestígio que representam, decidiu que era importante essa resposta porque entendia que a questão se transformou em ameaça à segurança nacional.

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, concorda com a decisão, a partir da análise da atual conjuntura. Embora o artigo 142 da Constituição, de modo geral, atribua aos estados a responsabilidade pela Segurança Pública, ficando para o governo federal uma atribuição complementar, por meio da Polícia Federal — que cuida da questão de drogas, do contrabando de armas nas fronteiras, dos crimes interestaduais de grande repercussão e dos internacionais —, os estados já não dão conta desse combate.
O crime se nacionalizou, e nenhum governador tem mais condições de fazer o enfrentamento de uma questão nacional, analisa. Problema acrescido da situação fiscal dos estados, que repercute de modo desigual sobre os diversos setores. A Segurança Pública exige despesas elevadas, um contingente numeroso, combustível, carros, equipamentos especiais, e é evidente que a crise financeira fragilizou esse sistema de Segurança, que já não era o necessário. E os bandidos sabem disso e se aproveitam da situação, explicita Jungmann.

O elo mais frágil desse esquema de Segurança muito complexo é o sistema penitenciário. Nele, a rigor, diz o ministro Jungmann, não há demanda da sociedade para investimento, existem demandas em outras áreas numa agenda que é o inverso disso. Hoje, fruto do fato de que a sociedade se sente amedrontada, atemorizada e vulnerável perante o crime, ela não vê na Segurança Pública uma defesa compatível com esse sentimento de fragilidade, e em consequência há um salto regressivo, a sociedade começa a apoiar o “olho por olho, dente por dente”, e isso se reflete nas prioridades dos políticos.

Essa situação fez com que esse processo fosse escalando e se nacionalizasse. Nas análises dos órgãos de inteligência, as gangues estruturadas no Sudeste, no Rio e em São Paulo, se nacionalizaram e até se internacionalizaram. Elas já têm o controle da distribuição das drogas e das armas, e agora buscam o controle da produção. Estão procurando, em termos econômicos, integrar e verticalizar. Hoje tem o PCC e seus associados, e o Comando Vermelho e seus associados, em todo o país, e eles começam a afrontar as instituições.
O ministro Raul Jungmann lembra o ocorrido nas eleições municipais no Maranhão e no Rio Grande do Norte — as gangues ameaçaram até mesmo a realização das eleições, queimando ônibus e escolas que seriam postos de votação. O crime, no seu crescimento, começa a transitar para uma afronta ao sistema democrático, o caminho do Cartel de Medellín.

O governo, segundo Jungmann, tomou uma decisão corajosa para cortar esse caminho “para que não cheguemos ao ponto em que a Colômbia chegou, e agora o México vive”.

sábado, 28 de março de 2015

Palavras de Edinho Silva : "As manifestações de rua são coisa de elite golpista" ... "é preciso 'combater a direita' em todo o continente" '

Blog do Coronel
SÁBADO, 28 DE MARÇO DE 2015

Robô vira dono da comunicação da Dilma.

Abaixo a coluna de Merval Pereira, em O Globo, comentando a nomeação de Edinho Silva para a Secretaria de Comunicação Social da Dilma. Um primeiro intitulado " O PT com a verba e o verbo".

Mais importante que a constatação de que a economia brasileira está estagnada desde o ano da eleição, o que foi escondido do povo brasileiro por uma ação publicitária que distorceu números e fatos numa clara agressão ao sistema democrático, é saber que a culpa pelos nossos males é coisa nossa, não de crises internacionais.

Um levantamento do professor Reinaldo Gonçalves mostra que o Brasil em 2014 ficou em 172ª posição num conjunto 188 países, o que quer dizer que nada menos que 91% dos países tiveram melhor desempenho que o nosso.
Em relação ao quadriênio de Dilma Rousseff (2011-14), nossa posição tem uma melhora relativa: ficamos na 126ª posição, sendo superados por 67% dos países.
No plano interno, a presidente Dilma continua na mesma posição constrangedora de ser a presidente com a terceira pior média de crescimento do PIB da República brasileira, ao lado de Venceslau Brás, com 2,1% de crescimento, superando apenas dois presidentes que tiveram média negativa de crescimento em seus mandatos: Fernando Collor -1,3; Floriano Peixoto -7,5.

Se as previsões se confirmarem para este ano, com uma retração do PIB que pode chegar a até 1% segundo alguns economistas, a média para cinco anos cairá abaixo de 2%. Como a situação política é fortemente influenciada pela economia, dificilmente a presidente Dilma encontrará este ano condições de recuperação de sua popularidade, que as pesquisas de opinião mostram estar num momento crucial, provavelmente na casa de um dígito de aprovação se tomarmos a média dos institutos de pesquisa.

Foi sob o impacto da informação de que o nível de aprovação da presidente Dilma estava em 7 pontos num tracking encomendado pelo Palácio do Planalto que o ex-ministro da Comunicação Social Thomas Trauman escreveu aquele já famoso relatório que afinal o derrubou.

Entre as ilegalidades que defendia, destacam-se o uso dos blogs sujos para atacar os adversários do governo. No que via como uma “guerrilha de comunicação”, o documento lamentava que os robôs que atuaram na campanha presidencial para espalhar boatos e elogios a favor de Dilma tivessem sido desativados, e recomendava que o Planalto desse “munição” para “os soldados de fora” dispararem.

Há também a defesa do uso da Voz do Brasil e da televisão oficial para mostrar os feitos do governo, numa confusão clara entre órgãos do governo e do Estado brasileiro. A demissão de Trauman, ao contrário do que se podia supor, não foi devida ao conteúdo do documento, mas ao seu vazamento.

Infere-se isso pela escolha por Dilma de seu tesoureiro de campanha, o petista Edinho Silva, para o cargo, entregando ao PT a verba e o verbo da comunicação do governo. Como nos governos petistas as pessoas importam mais que os cargos que ocupam, Edinho quase foi nomeado para diretor da Autoridade Pública Olímpica, mas a presidente Dilma desistiu ao constatar que ele não seria aprovado pelo Senado.

Como a nomeação para o ministério é de inteira responsabilidade da presidente, lá se vai Edinho Silva tratar da imagem do governo federal. Logo ele, que foi tesoureiro da campanha de 2014 de Dilma e, segundo anotações atribuídas a Ricardo Pessoa, dono da UTC, “está preocupadíssimo”. E segue texto de Pessoa: “Todas as empreiteiras acusadas de esquema criminoso da Operação Lava-Jato doaram para a campanha de Dilma. Será que falarão sobre vinculação campanha x obras da Petrobras?”.

Esse e outros textos encontrados se parecem com chantagem, no momento em que delações premiadas estão sendo negociadas. Mas Edinho Silva pode trazer também mais problemas políticos para Dilma. Ele afirmou recentemente que as manifestações de rua são coisa da elite golpista, e que é preciso “combater a direita” em todo o continente.

Coroando seu pensamento, antes mesmo de assumir a missão palaciana ele já havia dito o que pensava especificamente sobre a área em que vai atuar: “Temos que criar efetivamente condições para que haja uma democratização da comunicação no país. E isso passa pela democratização da propriedade dos veículos”.

Mesmo que tenha salientado que esse debate “deve ser feito com muita tranquilidade, sem partidarismo e em parceria com a sociedade”, Edinho já disse a que veio.

domingo, 3 de junho de 2012

A missão de Lula / Merval Pereira


Enviado por Ricardo Noblat - 
3.6.2012
 | 8h01m
 

POLÍTICA

A missão de Lula, por Merval Pereira

Merval Pereira, O Globo
A proximidade do julgamento do mensalão parece estar desestabilizando emocionalmente o ex-presidente Lula, que se tem esmerado nos últimos dias em explicitar uma truculência política que antes era dissimulada em público, ou maquiada.
Nessa fase em que trabalha em dois projetos que se cruzam e parecem vitais para seu futuro, tamanha a intensidade com que se dedica a eles, Lula não tem tido cuidados com as aparências, e arrisca-se além do que sua experiência recomendaria.
A pressão sobre ministros do STF, a convocação da CPI do Cachoeira, com direito a cartilha de procedimentos com os alvos preferenciais identificados (STF, imprensa, oposição) e as atitudes messiânicas, sempre colocando-se como o centro do universo político, revelam a alma autoritária deste ex-presidente ansioso pela ribalta política.
A eleição de Fernando Haddad para a Prefeitura de São Paulo e a obsessão em desmoralizar o julgamento do mensalão (já que não conseguiu adiá-lo para que seus resultados não interferissem na eleição municipal e, além disso, a prescrição das penas resolvesse grande parte dos problemas judiciais do PT) pareciam as duas grandes tarefas do ex-presidente Lula neste momento.
Mas ele, de voz própria, revelou seu verdadeiro objetivo político no programa do Ratinho: não permitir que um tucano volte a governar o país.
Nunca antes nesse país viu-se um político assumir tão abertamente uma postura despótica, quase ditatorial, quanto a de Lula nessa cruzada nacional contra os tucanos, que tem na disputa pela capital paulista seu ponto decisivo.
O PT, aliás, tem seguido a mesma batida de Lula, e se revela a cada instante um partido que não tem como objetivo programas de governo ou projetos nacionais para o país. A luta política pelo poder escancara posturas ditatoriais em todos os níveis, e para mantê-lo vale tudo. Desde rasgar a legislação eleitoral e fazer propaganda ilegal em emissora de televisão na tentativa de desatolar uma candidatura que até agora não demonstra capacidade de competição, até intervenções em diretórios que não obedecem à orientação nacional, como aconteceu agora mesmo em Recife.
Vale também mobilizar um esquema policial de uma prefeitura petista, como a de Mauá em São Paulo, para apreender uma revista que apresenta reportagens contrárias aos interesses do PT.
A truculência com que foi impedida a distribuição gratuita da revista “Free São Paulo”, que trazia uma reportagem de capa sobre o assassinato do prefeito petista de Santo André Celso Daniel, é exemplar do que o PT e seus seguidores consideram “liberdade de imprensa”.
Os petistas acusam a revista de ser financiada pelo PSDB, o que ainda é preciso provar, mas, mesmo que seja, seria no mínimo incoerente criticarem tal estratégia, já que são estatais de diversos calibres e governos petistas que financiam uma verdadeira rede de blogs chapas-brancas e revistas para defenderem as ações governistas e demonizar seus adversários, em qualquer nível.
Da mesma forma, parece ironia que líderes petistas se mostrem indignados com financiamentos eleitorais de caixa 2 de políticos tucanos, como se esse crime fosse uma afronta ao Estado de Direito e não, como disse o ex-presidente Lula tentando minimizar o caso do mensalão, coisa corriqueira no sistema eleitoral brasileiro.
O recurso ao caixa 2 e a verbas não contabilizadas é evidentemente uma distorção do nosso sistema eleitoral que tem que ser combatida com rigor, mas o PT há muito perdeu a possibilidade de indignar-se diante deste e de outros malfeitos políticos.