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quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

"O aiatolula...." blog do Nêumanne

quarta-feira, dezembro 27, 2017

O eterno retorno  

JOSÉ NÊUMANNE


ESTADÃO - 27/12


Para o PT, o voto é o sucedâneo da guilhotina e da metralhadora das revoluções de antanho


Sabe aquele truque do punguista que bate a carteira do transeunte incauto e, antes que ele reaja, sai correndo e gritando “pega ladrão” pela rua acima? Pois é esse exatamente o golpe com que o Partido dos Trabalhadores (PT) enfrenta a pendenga judicial protagonizada pelo seu primeiro, único e eterno candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, aiatolula para seus devotos, Lulinha paz e amor para os que por ele se deixam enganar. Primeiro, eles gritam “golpe!”, como gritaram quando Dilma Tatibitate Rousseff foi derrubada pelas próprias peraltices, anunciando que disputar voto sem ele na cédula não é eleição, é perseguição. Depois saem correndo atrás do prejuízo... dos outros.

A narrativa desse golpe, que eles tratam como se fosse um contragolpe, é a de que seu plano A a Z de poder tem sido acusado, denunciado e condenado e está agora à espera de uma provável, embora ainda eventual, confirmação da condenação em segunda instância. No caso, a Polícia Federal atuaria como se fosse um bate-pau de coronéis da política, que não querem ver o chefão de volta ao poder para desgraçar o Brasil de vez, depois do desastre que produziu a distribuição igualitária do desemprego dos trabalhadores e da quebradeira dos empresários, esta nossa isonomia cruel. O Ministério Público Federal seria um valhacouto de pistoleiros dos donos do poder. E os juízes que condenam, meros paus-mandados de imperialistas e entreguistas. Quem vai com a farinha da lógica volta com o pirão da mistificação: é tudo perseguição.

Talvez seja o caso, então, de lembrar que nem isso é original. Aqui mais uma vez o PT pavloviano que baba quando o padim fala recorre à filosofia pré-socrática do velho Heráclito de Éfeso proclamando o eterno retorno. Não queriam refundar o PT depois do assalto geral aos cofres da República? Pois muito bem, lá vão voltando os petistas às suas origens nos estertores da ditadura. Naquele tempo, os grupos fundidos hesitavam entre a revolução armada e a urna. Optaram pela paz e prosperaram.

Os guerrilheiros desarmados à custa de sangue, tortura e lágrimas voltaram do exílio convencidos de que só venceriam se assumissem o comando de um partido de massas. E o ideal para isso seria empregar o charme dos operários do moderno enclave metalúrgico do ABC. Lula, que desprezava os filhinhos de papai do estudantado e os clérigos progressistas, aceitou o papel que lhe cabia de chefe dos desunidos e então reagrupados. Afinal, sua resistência à volta dos ex-armados era só uma: queria dar ordens, nunca seguir instruções. E deixou isso claro a Cláudio Lembo, presidente do PDS paulista e emissário do general Golbery do Couto e Silva enviado a São Bernardo para convencê-lo a apoiar a anistia.

A conquista da máquina pública não derramou sangue dos militantes, que avançaram com sofreguidão sobre os cofres da viúva e os dilapidaram sem dó. Viraram pregoeiros do melhor e mais seguro negócio do mundo: ganhar bilhões sem arriscar a vida, como os traficantes do morro, demandando apenas os sufrágios dos iludidos. A desprezada e velha democracia burguesa virou um pregão de ocasião: só o voto vale. A eleição é a única fonte legítima do poder. Os outros pressupostos do Estado democrático – igualdade de direitos, equilíbrio e autonomia dos Poderes, impessoalidade das instituições – foram esmagados sob o neopragmatismo dos curandeiros de palanque.

A polícia, o Ministério Público e a Justiça tornaram-se meros (e nada míseros!) coadjuvantes da sociedade da imunidade que virou impunidade. A lei – ora, a lei... – é só pretexto. Agora, por exemplo, a Lei da Ficha Limpa, de iniciativa popular, é um obstáculo que, se condenado na segunda instância, Lula espera ultrapassar sem recorrer mais apenas às chicanas de hábito, mas também à guerrilha dos recursos. Estes abundam, garantem Joaquim Falcão e Luiz Flávio Gomes, respeitáveis especialistas.

Não importa que a alimária claudique, eles almejam mesmo é acicatá-la. Formados no desprezo à democracia dos barões sem terra e dos comerciantes sem títulos dos séculos 12 e 18, os lulistas contemporâneos consideram o voto, que apregoam como condão, apenas um instrumento da chegada ao poder e de sua manutenção – como a guilhotina e a Kalashnikov. José Dirceu, que não foi perdoado por ter delinquido cumprindo pena pelo mensalão, ganhou o direito de sambar de tornozeleira na mansão, conquistada com o suor de seus dedos, por três votos misericordiosos. Dias Toffoli fora seu subordinado. Ricardo Lewandowski criou a personagem Dilma Merendeira. E Gilmar Mendes entrou nessa associação de petistas juramentados como J. Pinto Fernandes, o fecho inesperado do poema Quadrilha, que não se perca pelo título, de Carlos Drummond de Andrade. Celso de Mello e Edson Fachin foram vencidos.

Na semana passada, o ex-guerrilheiro, ex-deputado e ex-ministro estreou coluna semanal no site Nocaute, pertencente ao escritor Fernando Moraes, conhecido beija-dólmã do comandante Castro. Na primeira colaboração, Dirceu convocou uma mobilização nacional no próximo dia 24 de janeiro, em defesa dos direitos do ex-presidente Lula, “seja diante do TRF-4, em Porto Alegre, seja nas sedes regionais do Tribunal Regional Federal” (sic). O post, com o perdão pelo anglicismo insubstituível, é a síntese da campanha que atropela o Código Penal e a Lei da Ficha Limpa, apelando para disparos retóricos e balbúrdia nas ruas, à falta de argumentos jurídicos respeitáveis. Nada que surpreenda no PT, cujo passado revolucionário sempre espreitou para ser usado na hora que lhe conviesse. E a hora é esta.

O voto é apenas lorota de acalentar bovino. Estamos com a lei e o voto, que já lhes faltou no ano passado e dificilmente será pródigo no ano que vem. Mas não podemos vivenciar a fábula A Revolução dos Bichos, de Orwell. Pois o papel de ruminantes é o que nos destinaram. Só nos resta recusá-lo.

*JORNALISTA, POETA E ESCRITOR

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

No fim destes últimos anos / blog do Nêumanne



No Blog do Nêumanne: No fim destes últimos anos

No Blog do Nêumanne: No fim destes últimos anos
Com Odebrecht e Adriana em casa e Maluf se entregando à polícia, finda uma era
Definitivamente, é uma lástima irreparável que Eugène Ionesco e Franz Kafka tenham morrido. Eles deveriam ter sobrevivido para terem a oportunosa ensancha de testemunhar que o que era absurdo no seu banal século 20 virou literatura infantil no Brasil do século 21. No fim destes últimos anos aconteceram coisas que os autores de A Cantora Careca e O Processo não foram capazes de imaginar em seus delírios de ficção mais improváveis. Antes de o peru morrer de véspera, como de hábito, a 12 dias do término deste inesperado, mas nunca insuperável ano da desgraça de 2017, o Brasil testemunhou a última instância da Justiça mandar a Polícia Federal (PF) prender o ex-governador paulista Paulo Maluf e isso não ser feito porque ele se entregou antes à mesma repartição. E também mandar soltar a ex-primeira-dama do Rio Adriana Ancelmo no dia em que a primeira instância a condenou a mais nove anos de reclusão. Com mil e seiscentos diabos! – diria meu avô materno, Francisco Ferreira da Silva, que pode ter sido parente de Lampião, já que tinha os mesmos sobrenomes do capitão Virgolino.
Não se apresse em achar que, ao contrário do que está escrito no parágrafo anterior, estes últimos anos não findaram em 19 de dezembro de 2017 por terem sido poucos os absurdos que foram descritos. Antes espere um pouco. Enquanto o dr. Paulo se entregava à PF, esse órgão do Estado entregou o condenado Marcelo Odebrecht, da fina-flor da altíssima burguesia nacional, aos confortos de uma mansão no Morumbi para cumprir o resto de sua pena de delator premiado, agora aos cuidados amorosos da mulher e das filhas, as quais não perdoaria serem dedos duros, embora tenha apontado os dez à mão a sócios e beneficiários do maior escândalo de corrupção da História. E essa também foi a data em que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, não deixou pedra sobre pedra dos processos que resultaram em prisões de réus confessos em celas que antes só eram ocupadas por pretos, pobres e prostitutas pelo crime inafiançável de não produzirem inquéritos policiais e investigações judiciais à altura de seus rigorosos códigos de conduta.
E teve ele, por isso, de ouvir dura, embora calma reprimenda de um colega de Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, que contou ter visto na televisão o ex-assessor do presidente da República Rodrigo da Rocha Loures, usado por um delinquente como código secreto para ter acesso aos aposentos presidenciais no Jaburu, correndo com uma mala de dinheiro à saída da Pizzaria Camelo, mais uma no reino das piadas prontas. E lido as copiosas confissões premiadas dos bandidos juramentados Alberto Yousseff e Lúcio Funaro, membros da nova confraria da religião do momento: a dos transformadores de propinas em doações legais e “expectativas de direito” em bancos no exterior. Sabe-se lá por que mistérios, não revelados nem a Freud no divã, este ministro omitiu os R$ 51 milhões em dinheiro vivo guardados no closet da mãe (não a menininha do Gantois de Amado e Caymmi) de Geddel, outro ex-assessor de Temer (mas que coincidência!), e Lúcio Vieira Lima, da bancada fiel ao governo do dito cujo presidente (mas que coincidência!).
O mundo gira, a Lusitana roda e a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) presidida pelo senador Ataídes Oliveira, militante de um partido chamado da Social-Democracia Brasileira e soit-disant de oposição, produziu uma pérola em que os meliantes flagrados seriam perdoados e os agentes que os flagraram responderiam por sua supina impropriedade. Ora, direis, o relatório, da lavra do “gigante” (no dizer de Temer, mas que coincidência!) Carlos Marun, previa tudo isso, sim, mas ainda não era tempo de inovações tão radicais e, aí, foi atenuado. Tudo indica que, mesmo reescrito, o documento será destinado ao lixo e ao oblívio. E daí? Chegou a ser noticiado na véspera da posse de seu autor ser empossado na Secretaria de Governo de Temer (mas que coincidência!), com bênçãos e louvações do chefe testemunhadas pelos bajuladores de sempre e comemoradas na cela de Curitiba pelo ex-presidente da Câmara e ex-deputado Eduardo Cunha, que emprestou seu valet de chambre (criado de quarto) favorito ao poderoso chefão de todos eles, Michel Temer (mas que coincidência!). Marun, não se esqueçam, terá muito tempo ao longo de 2018 para embrulhar de novo o mimo para troiano que preparou às vésperas das festas do fim deste ano, que não mais fazem parte destes últimos anos que terminaram 12 dias antes do réveillon. Greta Garbo, quem diria, acabou no Irajá. E o Irajá, como sabemos, nem fica tão longe assim.
Há quem espere 2018 como o ano da redenção do cidadão, agora aliviado daquelas tais conduções coercitivas que juízes, procuradores e federais reservavam para os amigos do dr. Mendes, que as proibiu liminarmente a fim de lhes garantir o direito constitucional de ir e vir. Que importa se os cidadãos comuns, que pagam impostos e cumprem as leis do País, não podem circular por onde quiserem – seja porque há lugares perigosos e outros controlados pelo crime organizado propriamente dito?
Os esperançosos confiam que a eleição direta do presidente devolverá o poder à sociedade, usurpada por aqueles que se consideram seus representantes oficiais no tal do Estado de Direito. Ledo e Ivo engano! As opções na disputa presidencial se limitam aos ungidos pelos chefões dos mesmos partidos que decidiram que os caciques de sempre terão dinheiro e legenda, aos quais o acesso dos novatos e noviços será negado por çábia decisão preventiva, tomada no apagar das luzes deste ano de Maruns e Darcísios, com efeitos irremediáveis para outubro e novembro que evêm.
Nunca será demasiado agregar a este alerta outro ainda mais inquietante: o presidente a ser ungido pelo voto popular não se verá livre da ação do Legislativo apenas pelo fato de ter sido eleito pelo voto popular. Foi a tentativa de escapar dele que levou Jânio Quadros a renunciar em 1961. Foi a negativa de Collor, o primeiro presidente eleito depois de finda a treva do regime tecnocrático-militar de 1964/68, que o levou a pegar o boné e puxar o conversível, por decisão congressual. Essa prerrogativa foi que impôs a desastrada Dilma voltar à condição de aspirante a merendeira de escola pública. E o substituto dela, Temer (mas que coincidência!), dançar o xote miudinho seis meses antes do São João para impedir que as contas públicas nunca mais fechem, esmagadas pelo déficit previdenciário.
Duas novidades relevantes assomaram ao cenário na longa noite que foi o derradeiro dia destes anos recentes. A esperança do centro pagão, Geraldo Alckmin, do PSDB (ele mesmo!), vai passar o ano inteiro explicando como é que caiu naquela história de tudo está como dantes no “cartel” de Abrantes, repetindo a ladainha de que ele (leia-se o Estado de São Paulo) foi vítima dos “encartelados”. Será sempre um estorvo a superar e não faltará quem, como Chico Buarque, lembre que a falta de documentos comprobatórios em nada o absolve, já que não foram improváveis recibos de aluguel não pago suficientes para inocentar Lula. E aqui está o próprio para voltar a ser o vilão favorito que o mercado teme, mas bajula, quando não tem mais jeito, para assombrar. O Estado publicou na primeira página de sua edição de quarta-feira 20 de dezembro: Imagem de Lula melhora, diz pesquisa. E cito a chamada: “A aprovação do ex-presidente Lula chega a 45%, mas ele ainda é desaprovado por 54% dos entrevistados, segundo o Barômetro Político Estadão/Ipsos”. Hã, hã! Ei, espere aí: sabia que a desaprovação dos queridinhos do chamado centro-direita é muito maior? Pois é. Jair Bolsonaro, com 62% e o dito picolé de chuchu, com 72%. E agora, José? Agora não é nada nesta situação de farinha pouca, meu pirão primeiro. Serão 12 longos meses de Lula chorando pitangas na campanha antecipada que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a partir de fevereiro, “sobre” (apud Fernando “por qué no te callas” Segóvia) a égide de Luiz Fux, não vai reprimir mesmo. Quem aceita apostar? E mais: já pensou na banda de música da esquerda tocando a fanfarra do cartel das empreiteiras cada vez aumenta mais?
Agora em dezembro, quando o peru condenado será executado sem conhecer o seu destino, a Pátria amada, idolatrada, salve, salve, talvez não tenha muito a festejar no ano em que já estarão encerrados estes últimos anos, que, felizmente, não serão os anos finais da vida de muitos de nós.
  • Jornalista, poeta e escritor
(Publicado no Blog do Nêumanne, Política, Estadão, da segunda-feira 25 de dezembro de 2017)
Para ler no Blog do Nêumanne, Política, Estadão, clique no link abaixo

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Um assunto que vai além de ser paulistano... Ele é nacional !



Pretextos petistas

JOSENEUMANNE
27 Junho 2016 | 17:49

Em meio ano, o paulistano decidirá se entregará o próprio destino às fantasias de Haddad ou o devolverá à ficção escolar

Haddad, o prestidigitador
Haddad, o prestidigitador
Dizer que o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, saiu pela tangente na entrevista exclusiva que deu à Rádio Estadão na manhã da segunda-feira 27 de junho de 2016 é ser muito condescendente e generoso com ele. E que tergiversou é ter pela inteligência e capacidade de conhecer e raciocinar do leitor e ouvinte idêntico desprezo ao que ele manifestou. De qualquer maneira, comentar é preciso, de vez que algumas de suas respostas dão bem a ideia do que ele acha dos cidadãos de São Paulo, que o elegeram há quatro anos, e do eleitorado ao qual ele está pedindo votos para se reeleger. Deixando de lado as questões especificamente municipais e comentando a vertigem moral, a crise econômica e o caos político em que o desgoverno de seu partido afundou o País em 13 anos, quatro meses e 12 dias, convém esclarecer mentiras que o Partido dos Trabalhadores (PT) insiste em repetir. O problema ético, por exemplo.
Questionado sobre o impacto do maior assalto já empreendido na História da humanidade em qualquer lugar do planeta, com apoio na apuração da investigação mais ampla e com maior número de crimes desvendados de todos os tempos, Haddad abusou do eufemismo para defender o indefensável, explicar o inexplicável e justificar o injustificável. Para analisar por que o PT, em que milita e pelo qual foi eleito em 2014, jogou no lixo da História as promessas de combater a roubalheira generalizada dos políticos, ele tentou socorrer-se de um pretexto que é mais antigo do que a Operação Lava Jato. Tal lorota foi usada não apenas como justificativa, mas também como truque para fazer do limão podre uma limonada curativa, pela presidente Dilma Rousseff quando as manifestações de rua em todo o País contra a desgovernança ampla, geral e irrestrita puseram os governos, partidos e políticos em geral contra a parede. A culpa, insistiu o PT e agora Haddad repete, cabe única e exclusivamente ao financiamento privado das campanhas eleitorais partidárias – um vício que contaminou toda a política brasileira e do qual não escapou seu partido, embora esteja agora se esforçando para encontrar a melhor maneira de dele escapar. E a redenção é proibir doações privadas para eleições. A forma de alcançar essa virtude suprema seria convocar uma Constituinte exclusiva para a reforma política e virar de cabeça para baixo o sistema de financiamento eleitoral. Isso tudo ocorreu um ano antes de Dilma se reeleger, o mesmo em que a Lava Jato foi iniciada.
De então para cá, recebemos informações colhidas pelo atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, na leitura de processos que tem de julgar exatamente pela copiosa papelada que diz respeito aos julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF). E estas indicam, se não a principal motivação, no mínimo a mais esperta: o PT sabe muito bem que seus adversários viverão a pão e água, se o trigo não aumentar tanto por culpa da inflação e das oscilações cambiais e se uma nova crise hídrica não transformar as reservas da Cantareira numa extensão geográfica do Semiárido. Nesse ínterim, contudo, o partido de Dilma e de Haddad nadará de braçada, pois, de acordo com os cálculos de Gilmar, terá como bancar com saldos nababescos suas próprias campanhas até o ano de 2030 – por mera coincidência, imagino, ano fixado como limite temporal para que seja concluído seu projeto de ciclovias, a única evidência pedalável da indigestão que ele impôs a seus conterrâneos paulistanos. Pois saiba o preclaro leitor destas linhas que nosso alcaide assegurou que os escândalos de corrupção de seu partido, adequadamente apelidados por aumentativos – mensalão, petrolão, etc. – se devem à única e exclusiva razão de que o PT, digamos, se amalgamou ao sistema capitalista da doação privada das campanhas, adotado pelos adversários direitistas. Este autor pede licença para abrir parêntesis e afirmar que não vê nenhuma razão para permitir doações de empresas a partidos políticos. A explicação é simples: pessoas jurídicas não votam.
Fechados os parêntesis, permito-me esclarecer que foge à minha fantasia mais tresloucada que relação poderia ter havido entre a roubalheira que levou a Petrobrás à sua atual situação pré-falimentar e doações privadas a campanhas políticas. Ao contrário, pelo que ficou claro nas investigações da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) sob a égide do juiz federal paranaense Sergio Moro, um dos métodos mais criativas e calhordas de lavagem do dinheiro sujo usado por partidos, seus dirigentes e burocratas das estatais roubadas foi exatamente limpar a contabilidade criminosa com doações generosas. E legais. Ou seja, a organização criminosa que o PT e seus aliados PMDB, PP, PDT, PCdoB, PSB e tutti quanti montaram para descarnar e desossar a vaca republicana simplesmente praticou o delito de lavagem de dinheiro usando a Justiça Eleitoral como lavanderia do crime.
Então, a profissão de fé do candidato à reeleição na Prefeitura de São Paulo é duplamente cínica: ela investe na própria crença de que todo eventual eleitor dele é um idiota de marca e na incapacidade que este cidadão tem de encontrar num argumento falso algo de perfeito, lógico e útil. Ao prefeito Haddad não se deve dar, portanto, o benefício da dúvida, mas o beneplácito do plágio induzido. Graduado em Direito, mestre em Economia e doutor em Filosofia por uma das mais acreditadas instituições de ensino superior do mundo, a USP, atualmente lecionando política e economia na cidade nos cursos de pós-graduação da própria, Haddad não deve ser cobrado, pois, por haver repetido ou imitado algo ou alguém em sua carreira profissional. Tendo sido assessor especial do ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão e secretário executivo do Ministério da Educação, no qual ocupou o principal posto, contudo, ele deve explicações ao distinto público, que o elegeu prefeito e ao qual agora recorre para repetir a dose. Não consta que enganar e iludir estejam entre seus deveres de homem público. O teor de sua fantasia desvairada e descabida na vida pública terá efeito reduzido no agoniado cotidiano do cidadão atolado na crise e desiludido com a política se, na eleição de outubro/novembro, o eleitor o devolver definitivamente à prática de prestidigitador de pretextos petistas. Um improvável, mas não impossível, insucesso eleitoral, contudo, prolongará a longa agonia à condição de insuportável. É esperar pra ver. E, em qualquer hipótese, nunca crer.
Jornalista, poeta e escritor.