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sexta-feira, 25 de março de 2016

ARNALDO JABOR > ""O fracasso é o grande orgulho dos revolucionários masoquistas. Pelo fracasso constrói-se uma espécie de ‘martírio enobrecedor’, já que socialismo hoje é impossível."

A Jararaca

Publicado em 16/03/2016 - 00:05 
Nunca vi o Brasil tão esculhambado como hoje. Não há outra palavra que nos descreva.

Já vi muito caos no país, desde o suicídio de Getúlio até o porre do Jânio Quadros largando o poder, vi a morte de Tancredo na hora de tomar posse, vi o país entregue ao Sarney, amante dos militares, vi o fracasso do plano Cruzado, vi o escândalo do governo Collor, como uma maquete suja de nossos erros tradicionais, já vi a inflação a 80 por cento num só mês, vi coisas que sempre nos deram a sensação fatalista de que a vaca iria docemente para o brejo, de que o Brasil “sempre” seria um pais do futuro. Eu já senti aquele vento mórbido do atraso, o miasma que nos acompanha desde a Colônia, mas nunca vi o país assim.

Por que chegamos a tal ponto, até a explosão das manifestações no país inteiro ante ontem? Tudo foi causado pelas ideias que formaram o imenso rabo de jararaca que nos esmaga hoje e que provavelmente nos levará a esmagar a cabeça da serpente. As catástrofes econômicas e políticas que podem ainda destruir o país foram os mandamentos fiéis de um catecismo comunista boçal que essa gente adotou em 63 e agora repetiu de 2002 em diante. Nos meus vinte anos, era impossível não ser “de esquerda”. Nós queríamos ser como os homens heroicos que conquistaram Cuba, os longos cabelos de Camilo Cienfuegos, o charuto do Guevara, a “pachanga” dançada na chuva linda do dia em que entraram em Havana, exaustos, barbados, com fuzis na mão e embriagados de vitória.

A genialidade de Marx me fascinava. Um companheiro me disse uma vez: “Marx estudou economia, história e filosofia e, um dia, sentou na mesa e escreveu um programa racional para reorganizar a humanidade.” Era a invencível beleza da Razão, o poder das ideias “justas”, que me estimulava a largar qualquer profissão “burguesa”. Entrei para o PCB e nas primeiras reuniões de base, para meu desespero, me decepcionei. O pensamento político e existencial deles era simplista, partindo sempre de uma ideia para depois chegar a ela de novo. Nas reuniões e assembleias, surgia sempre essa voz rombuda da burrice ideológica.

Em vez do charme infinito dos cubanos, comecei a ver o erro, plantado em duas raízes: ou o erro de uma patética estratégia inócua ou a Incompetência, a mais granítica, imaculada incompetência que vi na vida. O ponto de partida da incompetência é se sentir competente. O homem “bom” do partido não precisa estudar nem Marx nem nada, apenas derramar sua “missão” para o povo. Administrar é coisa de burguês, de capitalista. Para eles, o Estado é o pai de tudo. Logo, o dinheiro público é deles, a empresa pública é deles, roubar é “desapropriar” a grana da burguesia.
A incompetência do comuna típico é o despreparo sem dúvidas, é a burrice alçada a condição de certeza absoluta. E’ um ridículo silogismo: “Eu sou a favor do bem, logo não posso errar e, logo, não preciso estudar nem pesquisar” . A verdade é que odeiam o que têm de governar: um pais capitalista. Como pode um comuna administrar o capitalismo? Todos os erros e burrices que eu via nas reuniões do PC eram de arrepiar os cabelos. Eu pensei horrorizado, quando vi o PT no poder: vão fornicar tudo. Fornicaram.

Assim, se organiza a burrice, a adoção só de ideias gerais, o desejo de fazer o mundo caber num ideário superado. Daí a desconfiança no mercado, nos empreendedores, contra todos os que trabalham no centro da sociedade civil, que comunas veem como uma anomalia atrapalhando o Estado. Vivíamos assediados por lugares comuns. O imperialismo era a “contradição principal” de tudo. As discussões intermináveis, os diagnósticos mal lidos da Academia da URSS sempre despencavam, esfarinhavam-se diante do enigma eterno: “o que fazer?” E ninguém sabia. 

O que aconteceu com este governo foi mais um equívoco na história das trapalhadas que a esquerda leninista comete sempre. Erraram com tanta obviedade, com tanto desprezo pelas evidencias de perigo, que a única explicação é o desejo de serem flagrados.
O fracasso é o grande orgulho dos revolucionários masoquistas. Pelo fracasso constrói-se uma espécie de ‘martírio enobrecedor’, já que socialismo hoje é impossível. A história de nossa ´esquerda´ é uma sucessão de derrotas. Derrota em 35, derrota em 64, derrota em 68, derrota na luta armada, derrotas sem fim.

Até que surgiu, nos anos 70, um homem novo: Lula, diante de um mar de metalúrgicos no ABC. Aí, começou a romaria em volta da súbita aparição do messias operário. Tive pavor de que a velha incompetência administrativa e política do ‘janguismo’ se repetisse no Brasil, que fora saneado pelo governo de FHC. Não deu outra. O retrocesso foi terrivel porque estava tudo pronto para a modernização do país; mas o avião foi detido na hora da decolagem. Hoje, vemos mais uma “revolução ” fracassada; não uma revolução com armas ou com o povo, mas uma revolução feita de malas pretas, de dinheiro subtraído de estatais, da desmoralização das instituições republicanas. Hoje, vemos o final dessa epopeia burra, vemos que a estratégia de Dirceu e seus comparsas era a tomada do poder pelo apodrecimento das instituições burguesas, uma espécie de “stalinismo de resultados”. Os quadrilheiros do governo não são de esquerda, não; são de direita, autoritários. O incrível é que os intelectuais catequisados ainda pensam: “o PT desmoralizado ainda é um mal menor que o inimigo principal - os tucanos neoliberais”. O PT ainda é o ópio dos intelectuais. Se continuar assim, o atraso do país será perpetuado em nome da burrice “progressista”. O diabo é que burrice no poder chama-se ‘fascismo”.