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sábado, 5 de maio de 2012

Cabeças a prêmio -- Estadão

Cabeças a prêmio

O crime por encomenda ganha nova roupagem, mas a intolerância e a impunidade continuam lá

05 de maio de 2012 | 16h 03
Mônica Manir, de O Estado de S. Paulo
Diz que foi por R$ 50 mil que sete perderam a vida em Doverlândia. O planejado – suspeita-se – era matar um só, Lázaro de Oliveira Costa, proprietário de terra e ex-presidente do Sindicato Rural da cidade goiana. Mas a degola sobrou para seu filho Leopoldo, para um vaqueiro e para dois casais que estavam na fazenda errada e na hora errada, nesse crime de pistolagem que aterrorizou o noticiário desde sábado retrasado, 28 de abri l.
Aparecido Souza Alves, acusado de participar da chacina de sete pessoas em Doverlândia, é algemado - Sebastiano Nogueira/O Popular
Sebastiano Nogueira/O Popular
Aparecido Souza Alves, acusado de participar da chacina de sete pessoas em Doverlândia, é algemado
Até agora apenas um assumiu o assassinato: Aparecido Souza Alves, moço de 22 anos, pego em flagrante no dia seguinte com um celular e uma carabina que pertenciam a Lázaro, mais roupas e um par de tênis tingidos de sangue. Aparecido dedou Alcides do Supermercado, futuro sogro de Leopoldo, como mandante da chacina e apontou um sobrinho do fazendeiro e um pistoleiro como seus comparsas. Alcides e o sobrinho foram presos, mas negam qualquer centavo de participação  
Se o assassinato tem mandante, mandado, vítima e dinheiro envolvidos, eis um crime de pistolagem, diz César Barreira. Estudioso dos crimes por encomenda, nome inclusive de um livro seu, ele explica que um é sinônimo do outro, mas que ambos estão tomando forma difusa nos últimos tempos. “A pistolagem era típica de disputas por terra e voto, porém hoje também serve para resolver conflitos com vizinhos ou para cobrar pequenas dívidas.”
O pistoleiro mudou de perfil – “qualquer pirangueiro pode ser um” –, o cavalo foi trocado pela moto, o meio rural foi engolido pelo urbano e surgiu até um corretor na história. No entanto, a impunidade, a intolerância e a banalização da vida continuam presentes nesse tipo de crime que vigora no Brasil desde o século 19 e que César Barreira, sociólogo cearense, professor da Universidade Federal do Ceará e coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da mesma universidade, reconstitui a seguir.
Quão comum é o crime de pistolagem no Brasil?
Mais que falar da frequência com que acontece, acho importante definir crime de pistolagem. Do ponto de vista sociológico, o crime de pistolagem tem personagens bem definidos: um deles é o mandante ou autor intelectual; o outro é o pistoleiro ou autor material do crime. A vítima também não é qualquer vítima. Ela sempre faz parte de alguma disputa. Esse crime tem, então, esses três vértices.
Crime de pistolagem é o mesmo que crime por encomenda?
São a mesma coisa. Todo crime de pistolagem é fruto de um acordo entre uma pessoa que paga a ação e outro que a executa.
Temos visto mais de um mandante e mais de um pistoleiro. A pistolagem está mudando de feição?
Sim, sua natureza mudou bastante ao longo do tempo. No Brasil, esse crime ocorria com certa frequência até o final do século 19, e no início do século passado também era mais ou menos importante. Mas ele volta com força na década de 80, quando começam a ser conhecidos casos de crimes por encomenda ligados à liderança no campo. Dois deles se tornaram nacional e internacionalmente famosos, e são paradigmáticos para definir esse tipo de assassinato: o do Chico Mendes, líder no Acre, morto em 1988, e o da camponesa Margarida Alves, da Paraíba, baleada em 1983. Margarida comandava todo um trabalho nos sindicatos no interior do Estado, principalmente na região de Guarabira. Lutava pelo direito dos trabalhadores rurais. Ficou muito conhecida e foi muito perseguida pelos proprietários de terra. Um deles contratou um pistoleiro para matá-la.
Nessa época políticos também eram muito visados, não?
Sim, teve um caso conhecido no Estado de Alagoas em que uma pessoa que ficou em primeiro lugar na suplência mandou matar um deputado para que pudesse assumir o cargo. Isso ainda acontece, mas o fato é que na década de 80 o crime por encomenda se vinculou basicamente a duas grandes questões: a terra e o voto. As pessoas foram percebendo claramente quem eram os mandantes. E os pistoleiros ganharam fama, de certa forma se valorizaram, para executar esses crimes.