Postagem em destaque

Uma crônica que tem perdão, indulto, desafio, crítica, poder...

Mostrando postagens com marcador Em 2017. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Em 2017. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

"Em 2017, 15 ministérios praticamente só tiveram dinheiro para pagar salários" / BBC

Em 2017, 15 ministérios praticamente só tiveram dinheiro para pagar salários

O presidente Michel Temer durante reunião
Image captionNova reforma ministerial de Temer parece estar a caminho
Nas últimas semanas, a base aliada do governo Michel Temer deu início a uma disputa ferrenha pela titularidade dos ministérios - até o posto de chefe da Fazenda, a cargo de Henrique Meirelles (PSD), tem sido cobiçado. Ser ministro de uma pasta relevante significa ter nas mãos a "caneta" para contratar obras, criar serviços públicos em suas bases eleitorais e beneficiar aliados. O sonho de todo político que tentará a reeleição.
Mas um levantamento feito pela BBC Brasil mostra que essas expectativas podem não se cumprir. Com a crise econômica e a queda na arrecadação, 15 ministérios (das 19 pastas consideradas) tiveram menos de 2% de seus orçamentos revertidos para investimentos (como obras, compra de equipamentos etc.) em 2017.
Na média, os principais ministérios brasileiros usaram 44% do dinheiro de que dispõem com o pagamento de salários. Se fossem incluídos os trabalhadores terceirizados de cada pasta, o valor seria ainda maior. Nos três anos anteriores, de 2014 a 2016, a média ficou em 34%.
As pastas da Defesa e do Meio Ambiente estão entre as que mais gastaram, proporcionalmente, com funcionários. Na última, de R$ 1,9 bilhão gastos, R$ 1,3 bilhão (70%) foi destinado a pessoal. Nesse cenário, o investimento ficou restrito a 0,4% dos recursos.
Questionado, o ministério reconhece as dificuldades orçamentárias e diz que sofreu um forte contingenciamento no começo do ano, com 43% de seus valores bloqueados. O congelamento atualmente está reduzido a 12,4% do orçamento, o que, de acordo com a pasta, demonstra "a importância da temática ambiental para o governo".
Vista aérea da Esplanada dos Ministérios
Image captionEsplanada dos Ministérios: poucas pastas têm dinheiro para investimentos | Geraldo Magela/Ag. Senado
O Ministério da Defesa repassou R$ 56,2 bilhões (85,4%) dos R$ 65 bilhões já empregados pela pasta a funcionários. E só R$ 2,7 bilhões foram destinados a investimentos, segundo o critério do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), usado pela BBC Brasil nesta reportagem. Ainda assim, é um dos melhores desempenhos percentuais da Esplanada (com 4,1% do orçamento investidos).
A Defesa confirmou os dados da reportagem, mas disse que já tem R$ 6,6 bilhões empenhados (isto é, contratados) para serem pagos em investimentos. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, ele "aguarda liberações de limites financeiros até o fim do mês (de novembro)".
A maior parte do gasto com pessoal é obrigatória, e não pode ser alterada ao sabor da vontade do ministro que chefia cada pasta. A queda dos investimentos já vem acontecendo desde 2015, ainda no governo Dilma Rousseff (PT), após atingir um pico em 2014.
Ministérios que mais gastaram com pessoal
Além disso, os ministérios brasileiros não gastam só com investimentos e pessoal. Também precisam arcar com despesas correntes (aluguéis, taxas, contratação de serviços etc.). É por isso que a soma dos investimentos e dos gastos com pessoal não chega a 100%.
"Sempre que a receita vem abaixo da prevista no Orçamento, o governo é obrigado a contingenciar despesa", diz um trecho da resposta enviada pelo Ministério do Planejamento à BBC Brasil.
"Como, hoje, mais de 90% do orçamento federal corresponde a despesas obrigatórias ou não contingenciáveis, resta ao governo a obrigação de contingenciar os outros menos de 10% que corresponde a despesas de custeio e a despesas discricionárias", informa, reconhecendo o ínfimo valor reservado para investimentos públicos.

Onde há investimento

A situação é melhor em ministérios como os de Transportes, Cidades e Integração Nacional. São pastas que têm entre suas atribuições realizar obras de infraestrutura, o que puxa os percentuais de investimento para cima e as torna especialmente atrativas para os políticos.
O Ministério das Cidades, por exemplo, deixou as mãos do PSDB - que está de saída da base do governo - e passou ao comando do PP, com o deputado Alexandre Baldy (GO). O novo ministro é próximo ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e seu partido é dos principais do chamado Centrão - a base do governo Temer.
Ministérios que mais investiram
Ministérios que menos investiram
O alto índice de investimento é que faz com que Cidades, por exemplo, esteja no foco da disputa política - a pasta é considerada parte do "filé mignon" do governo. É por isso que, embora o ministério tenha ficado sob comando de Alexandre Baldy, a bancada do PMDB na Câmara agora pressione o Palácio do Planalto para indicar os principais cargos de segundo escalão.
Só este ano, pasta já investiu R$ 855 milhões, valor maior que os orçamentos de vários ministérios. Outras gastaram ainda mais: no Ministério dos Transportes, os investimentos somam R$ 3,4 bilhões, e na Saúde, são R$ 666 milhões.
Tabela de ministérios que menos investiram
Image captionMinistérios em que os investimentos não chegaram a 2% do total gasto
Em outros ministérios, o nível de investimentos é baixo porque eles gastam grande parte de seus recursos com transferências para os Estados e prefeituras ou pagamentos de benefícios sociais.
É o caso da Integração Nacional, por exemplo, que repassou R$ 8,2 bilhões em financiamentos para prefeituras, e do Ministério do Desenvolvimento Social, que pagou R$ 70,5 bilhões em benefícios este ano. O pagamento de benefícios também pesou no Ministério do Trabalho.

Quando o corte dá prejuízo

Mas como a queda nos investimentos afeta as pessoas comuns? Os moradores de Cachoeiro do Itapemirim (ES) têm um exemplo na porta de casa.
Em 2007, a prefeitura conseguiu um repasse do governo federal de cerca de R$ 2 milhões para a construção de uma Vila Olímpica, com duas quadras poliesportivas, campo de futebol de areia e uma quadra de futevôlei. Mas, em maio deste ano, só metade do projeto estava pronto, de acordo com um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU).
Segundo o órgão federal e a prefeitura, os atrasos que ocorreram após 2015 se devem à lentidão nos repasses de Brasília, justamente quando se intensificou a queda nos investimentos federais. Ao visitar o local, os técnicos da CGU também anotaram que as obras começaram a sofrer com vandalismo e "destruição e roubo das instalações".
Na prática, se for concluída, a obra custará mais do que o previsto, dada a necessidade de corrigir as destruições de instalações iniciadas, mas não concluídas. Além disso, o investimento feito até agora está ocioso, o que representa uma perda de oportunidade para o país - o dinheiro poderia ter ido para outra finalidade.
Reprodução de fotos do relatório da CGU
Image captionImagens de relatório da CGU sobre a vila olímpica da cidade de Cachoeiro (ES), publicado esta semana
O atraso nas obras da vila olímpica de Cachoeiro representa uma opção a menos de lazer para os moradores da cidade natal do escritor Rubem Braga e do cantor Roberto Carlos. Mas o problema é ainda mais dramático quando se trata de investimentos em áreas que interferem na capacidade do país de competir no exterior por recursos e mercado para os nossos produtos.
É o que explica o economista especializado em Administração Pública e professor da Universidade de Brasília (UnB) José Matias-Pereira.
"Como no Brasil o nível de investimento tem ficado abaixo do que se observa em outras economias de perfil parecido com o nosso, vamos perdendo competitividade. Se a produtividade (das empresas) e dos trabalhadores não cresce, isso acaba por minar a capacidade do país de competir", observa.
Áreas como educação, ciência e tecnologia deveriam ser priorizadas em momentos de crise, diz ele. São esses investimentos que poderão criar condições para que o país supere a crise.
No Amazonas, a falta de dinheiro no governo federal paralisou a maior obra educacional do Estado. O que era para ser a nova sede da Universidade Estadual do Amazonas (UEA) é hoje um amontoado de estruturas de concreto e andaimes abandonados, já mostrando sinais de degradação. A primeira etapa da construção, com a reitoria, a biblioteca e o refeitório, deveria ter ficado pronta em 2015, mas a obra foi interrompida por falta de recursos.
Obra inacabadas em Manaus
Image captionObras da Cidade Universitária, na zona metropolitana de Manaus | Foto: Assembleia Legislativa do Amazonas
Essa primeira fase estava orçada em R$ 81 milhões, e até agora apenas 20% das obras foram concluídas. O governo do Estado também já terminou um trecho da rodovia que liga a cidade universitária ao centro de Manaus, mas o trecho permanece vazio durante todo o dia.
Segundo o governador José Melo (Pros), o Estado, responsável por tocar a obra, só terá folga de caixa para concluir a empreitada depois de vender uma parte das ações da companhia estadual de gás, a Cigás.
A BBC Brasil publicou dias atrás reportagem sobre um estudo da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, mostrando que em 2017 o nível de investimento dos governos estaduais voltou aos patamar da década de 1990. E o mesmo deve acontecer com a União, de acordo com um dos autores da pesquisa, o economista Rodrigo Orair.
Segundo Orair, que estuda o tema desde 2009 no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o percentual reservado pelo governo para os investimentos atingiu um pico nos anos 1970, durante o regime militar, e declinou desde aquela época.
O pesquisador diz ainda que o investimento começou a se recuperar a partir de 2004. A boa fase durou até 2015, quando a crise econômica se intensificou.
Serie histórica dos investimentos