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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Empresas da China escondem dinheiro em paraísos fiscais... Mais do mesmo

O VAZAMENTO DE 2,5 MILHÕES DE ARQUIVOS DE PARAÍSOS FISCAIS

A elite comunista da China oculta empresas em paraísos fiscais

Uma investigação revela a atividade em refúgios opacos de familiares da elite

No banco de dados à que teve acesso O PAIS figuram magnatas e companhias estatais

O cuñado do presidente e filhos de exprimeros ministros e outros altos dirigentes, implicados


Sessão plenária da Assembleia Popular Nacional em março do ano passado/passo em Pequim. /LINTAO ZHANG (GETTY)
China vive a maior e mais veloz transformação experimentada por um país nas últimas décadas. O processo de abertura e reforma tirou centenas de milhões de pessoas da pobreza, mas a disparidade social alcançou um nível perigoso. O enriquecimento acelerado das elites corroeu a credibilidade dos mandatários comunistas, cujas promessas de acabar com a desigualdade e a corrupção são agora contrapostas a um novo escândalo: o uso maciço de paraísos fiscais por parte de seus familiares diretos. O EL PAÍS, junto com outros veículos internacionais, como The Guardian, BBC, Le MondeSüddeutsche Zeitung e Asahi Shimbun, teve acesso a uma base documental obtida pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) que revela que pelo menos 13 parentes de dirigentes graduados do regime – incluindo o atual presidente, Xi Jinping, e os ex-primeiros-ministros Wen Jiabao e Li Peng –, bem como 15 grandes empresários e grandes companhias estatais, mantiveram grande atividade em refúgios fiscais.
Os registros dessas sociedades opacas, analisados em colaboração com o referido consórcio, procedem do vazamento de mais de 2 milhões de arquivos de duas gestoras de capitais (Portcullis TrustNet e Commonwealth Trust) que operam nas Ilhas Virgens Britânicas. A escolha desse arquipélago do Caribe por parte da elite chinesa não é estranha: o território ultramarino britânico foi o segundo maior investidor direto na China em 2010 – último ano abrangido pelos registros da base de dados vazada –, atrás apenas de Hong Kong. Com apenas 27.000 habitantes, as ilhas têm mais de 1 milhão de sociedades inscritas, sendo 40% com origem na China, Hong Kong e Cingapura.

Os registros de duas gestoras de capitais revelam pelo menos 25 sociedades opacas criadas pela elite comunista
O exame dos dados evidencia como numerosos integrantes da elite comunista vêm abrindo sociedadesoffshore depois de terem acumulado enormes fortunas à sombra do regime. Essa prática corrobora uma das debilidades sistêmicas da China: o fato de, nas três décadas transcorridas desde que Deng Xiaoping abandonou a economia central planejada e promoveu o salto para o capitalismo sob o governo único do Partido Comunista da China (PCC), um setor privilegiado da população ter enriquecido graças à sua proximidade com o poder.
Os documentos, que chegam até o começo de 2010, permitem constatar como essas tramas familiares, pertencentes às mais altas linhagens comunistas, aproveitaram-se da opacidade das Ilhas Virgens Britânicas para movimentar dinheiro fora dos circuitos habituais, por intermédio de empresas criadas por eles mesmos ou de sua participação em outras já constituídas. Isto facilita ocultar bens e capitais do controle oficial (a China limita o movimento de capital para o exterior a 50.000 dólares anuais por habitante) e inclusive se beneficiar dos privilégios fiscais de Pequim a investidores estrangeiros.
Nos dados analisados figuram pelo menos 13 membros da denominada “nobreza vermelha”, ou seja, parentes dos dirigentes da cúpula comunista na ativa, aposentados ou falecidos. Entre eles se destacam o cunhado de Xi Jinping; o filho e o genro do ex-primeiro-ministro Wen Jiabao; a filha de seu antecessor, Li Peng; um genro do falecido Deng Xiaoping; e o neto do lendário comandante revolucionário Su Yu. Essas 13 pessoas aparecem vinculadas a pelo menos 25 sociedades, na qualidade de acionistas ou diretores.
O caso do Deng Jiagui, marido de Qi Qiaoqiao, irmã mais velha do atual presidente chinês, é emblemático da nova China: junto com a mulher, em apenas 20 anos ele construiu um império imobiliário em Hong Kong e Shenzhen. Wen Yunsong, filho do ex-primeiro-ministro Wen Jiabao, criou em um paraíso fiscal a empresa Trend Gold Consultants. Uma investigação do The New York Times publicada em 2012 estima em 2,7 bilhões de dólares a fortuna da família de Wen Jiabao.
Outra aristocrata que opera em paraísos fiscais é Li Xiaolin, filha do ex-primeiro-ministro Li Peng, responsável pela sangrenta repressão às manifestações pró-democracia de 1989 na praça Tiananmen. A filha é conhecida em seu país como Power Queen (Rainha da Energia), porque controla um dos monopólios elétricos chineses e porque ostenta sua riqueza e influência sem nenhum pudor.

O EL PAÍS publica as novas revelações em conjunto com outros meios internacionais, como The Guardian e Le Monde
Grande parte da atividade offshoredesenvolvida pela nobreza vermelha corresponde à época em que sua parentela exercia o poder. Assim ocorre, por exemplo, com o filho e o genro do ex-primeiro-ministro Wen Jiabao, fundadores de uma empresa nas Ilhas Virgens Britânicas em pleno mandato do pai (2003-2013). No caso do atual presidente, Xi Jinping – ele mesmo um príncipe, nome pelo qual são conhecidos os descendentes dos altos líderes e ex-líderes do PCC –, a constituição da sociedade offshore coincide com sua etapa como vice-presidente (2008-2013), embora a criação da sociedade imobiliária do seu cunhado Deng Jiagui seja anterior à sua chegada à presidência, em março do ano passado. Na base de dados não figuram diretamente nem o presidente nem o ex-primeiro-ministro.