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domingo, 27 de julho de 2014

"Corrupção é um fenômeno cultural... nem financeiro, nem econômico, mas cultural" diz o filósofo João Ricardo Moderno.../ JB

http://www.jb.com.br/pais/noticias/2014/07/26/e-preciso-romper-paradigmas-para-combater-corrupcao-alerta-filosofo/




É preciso romper paradigmas para combater corrupção, alerta filósofo

Auditoria na Cruz Vermelha mostrou que R$ 25 milhões podem ter sido desviados



Prédio da Cruz Vermelha, no Rio de Janeiro
Prédio da Cruz Vermelha, no Rio de Janeiro












                                                                                                                                      O filósofo João Ricardo Moderno, presidente da Academia Brasileira de Filosofia  e 
professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), lembra sobre o caráter da corrupção no Brasil, prática quase inerente à cultura brasileira. “É um fenômeno cultural, não meramente econômico e financeiro nem político, mas cultural". A reflexão surge em meio ao escândalo de desvio de recursos de uma instituição de prestígio, com credibilidade, que recebe contribuições voluntárias em nome de campanhas humanitárias, a Cruz Vermelha no Brasil. 
Desvios milionários de recursos da Cruz Vermelha no Brasil vieram à tona em 2012. Em resposta às denúncias, a instituição, como explica em seu site, “deu o exemplo e teve coragem de cortar a própria carne". Encomendou uma auditoria internacional e independente para "passar um pente fino" nas filiais e nas próprias contas. O resultado foi divulgado nesta semana. O trabalho conduzido pela inglesa Moore Stephens demonstrou que, no total, foram R$ 25 milhões em gastos sem comprovação e movimentações suspeitas, de recursos públicos e doações que deveriam ter sido empregados entre 2010 e 2012.   


Romper com práticas culturais, no entanto, não é uma tarefa fácil. "Para combater a corrupção é preciso combater na parte objetiva, mas também fazer uma campanha moral, de ruptura de paradigma. Para isso é necessário um esforço cultural e filosófico no sentido de dar mais condições espirituais de resistência, uma moralidade mais bem construída socialmente, para que a pessoa possa resistir”, sugere o filósofo.

Moderno explica que a corrupção tem a ver com a moral e a ética e ele acredita que o homem não é um ser imoral por natureza. “A corrupção é uma tentação, até na religião a gente estuda isso. Há uma tendência natural do homem para o que, na religião, chamamos de pecado, na parte política e social podemos ver como corrupção. A corrupção é um pecado, no plano ético, político, cultural. Ao mesmo tempo que todo pecado é uma corrupção. Agora, o que se diz é que o ser humano é um ser moral por natureza, mas que tende para a transgressão da moralidade”, comenta.
Assim, a sociedade implica nas regras, que podem “controlar” essa transgressão. “Essa tendência para o mal, para a corrupção, pode ser freada de fora para dentro e de dentro para fora. É uma dialética da corrupção, um verdadeiro combate. De fora para dentro, temos as instituições, regras, leis e que você tem que seguir. E de dentro para fora a questão de aceitar as leis, dar uma resposta civilizada à sociedade”, completa.
Para ele, desviar dinheiro de pessoas que estão em necessidade, demonstra uma “crise de bondade”. "É inominável, nada muito diferente do bandido que mata uma criança, alguém indefeso. Há uma crise da bondade, dos valores dos sentimentos”, completa. Para ele, a sociedade brasileira debocha da moral, tratando como algo engessado e retrógrado, e até mesmo embutindo viés político.
“Vemos um deboche da questão moral. ‘Isso é moralismo’, ‘você quer dar lição de moral’. Essas expressões tão comuns são termos são pejorativos, algo ridicularizado por aqueles que acham que tudo tem que continuar do jeito que está. Uma das coisas que eu lembro é que muitos intelectuais eram contra que as escolas tivessem aula de ética moral e cívica. Achavam que era ridículo. Mas vejo como necessário a transmissão de valores e princípios, pela filosofia, religião e pedagogia”, conclui.   
“Há comprovações de irregularidades e considera-se que alguns desses casos podem ser delitos, enquanto outros se configuram como faltas administrativas, menos graves, mas não menos passíveis de punição”, afirma a entidade. Entre as deficiências e irregularidades identificadas pela consultoria estão a falta de controle interno e a ausência de documentos.
Segundo a assessoria da Cruz Vermelha brasileira, os desvios estão concentrados quase que exclusivamente nas filiais do Maranhão, Petrópolis e Ceará. A instituição afirma que está distribuindo os resultados da auditoria tanto no Ministério Público quanto no Ministério da Justiça.
Os desvios constatados pela auditoria envolvem as três campanhas nacionais de arrecadação que aconteceram em 2011, para vítimas dos deslizamentos na Região Serrana do Rio de Janeiro, após as chuvas, para ajudar os atingidos pela guerra civil na Somália e terremotos no Japão. Foram recolhidos R$ 212 mil para as campanhas da Somália e Japão e R$ 1,6 milhão para a tragédia fluminense. A mãe do vice-presidente da Cruz Vermelha Nacional na época, Anderson Marcelo Choucino, tinha uma ONG que recebeu as doações. As primeiras informações sobre desvio de verbas vieram quando a funcionária Letícia Del Ciampo assumiu o escritório de Petrópolis da entidade e fez denúncias ao Ministério Público (MP). Tanto Chouchino quanto o presidente nacional da instituição à época, Walmir Serra Júnior, foram afastados. Outras irregularidades também foram apuradas. 
Hoje em dia, a Cruz Vermelha Brasileira é presidida por Rosely Sampaio. Segundo a assessoria, a direção pedirá punição aos gestores envolvido com os desvios. A Cruz Vermelha também estuda medidas judiciais que visem reparação pelos danos causados à imagem da instituição perante a opinião pública.
Além de apontar o suposto desvio financeiro, a consultoria contratada apresentou um plano de recuperação das contas da entidade – que confirmou que vai colocar em prática todas as recomendações do relatório. A Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (FICV), à qual a organização brasileira é filiada, determinou que uma comissão especial acompanhe a implementação das recomendações.
Outras entidades filantrópicas enfrentam a questão da corrupção. Em agosto do ano passado, o provedor da Santa Casa do Rio, o advogado Dahas Chade Zarur, foi afastado do cargo pela Justiça, e está sendo investigado pelo Ministério Público por desvio de verbas.