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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

"Em nome do pai" / Winston Churchill /


24/01/2015
 às 11:23 \ História

Em nome do pai

WSCemnodopaiO filho seria um fracasso. Era a aposta do pai. A profecia quase se concretizou. Por pouco ela teria sido compartilhada de forma mais ampla. Pelos ingleses e curiosos de pequenos detalhes e tramas no imenso tecido do Império Britânico. Por exemplo, a trajetória de um impulsivo político visionário cujos erros de julgamento eram hereditária reincidência. Mas houve herr Hitler. O patrono da mais insidiosa tirania da humanidade fez uma contribuição por via indireta. Talvez a melhor do psicopata austríaco: criou a oportunidade para o filho Winston demonstrar o engano do pai, o lorde Randolph Churchill (1849-95).
O destino, o que se crê trivial fatalidade, não é na prática, completamente imune ou blindado. Por mais das vezes, está sujeito a dribles improváveis. Thomas Edward Lawrence avança no livroSete Pilares da Sabedoria que nada é antecipadamente gravado na pedra. “Nada está escrito”, lança desafiador o jovem tenente do exercito inglês (Peter O’Toole) quando Ali (Omar Sharif), chefe tribal dos Harith, preveniu em cena de Lawrence da Arábia, filme épico de sir David Lean, que a travessia do inóspito Deserto de Nefud até a cidade costeira de Aqaba, sob domínio otomano, equivalia ao suicídio.
Se um homem decide, apesar de suas fraquezas e adversidades impostas pelas circunstâncias colocar a seu favor os recursos disponíveis e os acumulados durante a sua trajetória, pode sim, reverter o curso da história. Isso Winston Leonard Spencer Churchill fez com estilo sobranceiro e, registre-se, uma vez mais, de forma original que se emparelhada a outras, empalidece as demais. O ex-primeiro-ministro britânico mudou para melhor a história pessoal, a dos seus contemporâneos e deixou legado inspirador para os que vieram após sua morte, 50 anos atrás, dia por dia.
Winston conta ter crescido como uma moedinha de cobre, perdida no bolso do colete de Randolph. Candura de filho com pai, uma figura febril do Partido Conservador britânico cuja carreira foi mais de promessas do que, efetivamente, promissora. Menos atraente que a prosa de Churchill, Nobel de Literatura, justiça se faça, o menino era quase invisível no ponto de vista paterno. Detestado nos internatos dos descendentes da nobreza e herdeiros das fortunas inglesas, em Ascot, Brighton e Harrow, Winston suplicava ao pai para ir buscá-lo nas férias de Natal. Suas cartas ficavam sem resposta.
No entanto, até o fim e de modo recorrente, Winston Churchill — The Last Lion, na trilogia de William Manchester, o mais lúcido e escrupuloso da legião de biógrafos — foi visitado pela visão quimérica do pai. “Hoje é 24 de janeiro, dia da morte de meu pai, data que morrerei também.” Exatos 12 depois, a predição foi consumada — e sucedida por funeral cujas honrarias o Reino Unido só dedicou a Isaac Newton, William Gladstone e aos vencedores do “ogre” Napoleão, no mar (Trafalgar) e na terra (Waterloo), o Almirante Horatio Nelson e o Duque de Wellington.
Corroído pelo sífilis, depois de lenta agonia, permeada por crises de paranóia e alucinações, Randolf Churchill morreu com apenas 46 anos de idade no ostracismo. Winston tinha só 20. Talvez não tenha sido o maior drama. O pai não viu o filho contornar o Eduardo VI e a jovem Elizabeth II para achegar-se ao parapeito central do Palácio de Buckingham e acenar com os dedos em forma de “V” na direção da multidão que, numa troca simbiótica, o aplaudia de modo efusivo.
O pai tampouco acompanhou a reviravolta espetacular para culminar na apoteose. O coturno nazista ocupava praticamente toda a Europa. Onde não subjulgou com a esteira dos Panzer, contava com colaboradores entusiasmados e a resistência contida pelo terror da Gestapo. Hitler tinha como aliados Mussolini e Stalin. Roosevelt, de costas para a guerra na outra margem do Atlântico, parecia mais preocupado com a reeleição. Churchill era um solitário pilar de determinação. No inicio, seu melhor armamento era um arsenal de palavras que entrelaçadas formavam formidável eloquência para mobilizar os povos de língua inglesa contra a tirania. Só palavras? Bem, ele confidenciou a um amigo possuir último recurso na eventualidade do invasor desembarcar nas regiões costeiras das Ilhas Britânicas. “Lutaremos com garrafas quebradas”.
Stefan Zweig explorou com habilidade aspectos secretos dos seus biografados a ponto deles tornarem-se a força motivadora e explicativa de atos e fatos. Trata-se de um percurso perigoso para historiadores rigorosos. O risco de cair no psicologismo é permanente. Mas no caso de Churchill há um consenso até agora sem contraposição satisfatória. A relação com o pai Randolph foi determinante.
Fréderic Ferney acaba de lançar na França um ensaio histórico — e quase literário — inteiramente dedicado à questão, Tu serás un raté, mon fils! (Você será um malogro, meu filho!, em tradução livre). A leitura é desaconselhada para quem procura relato frio e seco de eventos na tábua cronológica. O livro tem mais sabor para quem já foi iniciado, ao menos, por uma biografia de Churchill — há dezenas. Ferney parte do princípio de que uma ferida profunda pode influenciar a formação da personalidade, mas é a sua superação, uma espécie de cura, que tem capacidade de forjar grandes homens. Churchill foi um deles, em nome do pai.
Assista em seguida um ótimo documentário sobre Winston Churchill:
Por Antonio Ribeiro