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quarta-feira, 1 de junho de 2016

Ensaio > Os intestinos da República / José Nêumane

José Nêumanne: Constituição, a 

primeira vítima do oportunismo

Eleição direta para presidente agora é golpe à vista do oportunismo 

que governa o Brasil

Por: Augusto Nunes  
Publicado no Estadão
Na teoria, o sistema de governo no Brasil é presidencialista. Na prática, vige um semipresidencialismo de coalizão. Neste, o presidente manda e os parlamentares o chantageiam permanentemente, sem terem condições de mandar sequer no Orçamento da União, a principal lei da República. Mas, com capacidade para arrancar do Poder Mandante (muito mais do que Executivo) todos os privilégios para seus membros, o Legislativo não se responsabiliza por praticamente nada. E o Judiciário protela mais do que julga. No fundo, vige sempre, agora mais, o oportunismo, que, na crise, prospera, mas também fica nu.
Essa radiografia dos intestinos da República como ela é não resulta exclusivamente da alta tecnologia e da falta de decoro, que permitem o grampo de telefones, a revelação de e-mails e a publicação de gravações de conversas privadas. Mas também da hipocrisia generalizada, que põe à venda na feira das ilusões o despudor mais descarado em nome dos conceitos mais nobres. É o caso da antecipação em dois anos da eleição presidencial de 2018 como forma mais “democrática” de resolver o impasse causado pelo processo de impedimento da presidente da República. Afastada do poder por um prazo de até seis meses para responder a um processo, ela poderá ser alijada de vez do cargo e substituída pelo vice-presidente, momentaneamente no exercício deste.
Não se trata só de uma quimera, um projeto ou um lance de esperteza. É um golpe, para usar a palavra posta na moda pelos asseclas e vassalos do Partido dos Trabalhadores (PT), que quebrou a Petrobras, desempregou milhões de assalariados, fechou centenas de milhares de empresas, depauperou a economia e paralisou a gestão do Estado Democrático de Direito. Não é um pronunciamento militar clássico que joga a Constituição no lixo, rasga-a à força de baionetas ou a torna periódica, como os que derrubaram o Império, a República Velha e a democracia liberal de 1946. Mas apenas uma cusparada nela.
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Luiz Inácio da Silva recorreu à sua lábia incomum para ascender à Presidência da República duas vezes e pôr no lugar quem bem ele quis. Mas terminou por fazer um mal enorme à própria biografia e à sobrevivência de 200 milhões de patrícios. Agora esse ex-líder sindical planejou e tenta construir uma boia de saliva para emergir vivo do tsunami pelo qual ele é o maior responsável. Desmascarado, se não por ter chefiado a organização criminosa composta por dirigentes dos partidos com que mandou e desmandou no país nestes 13 anos, 4 meses e 12 dias para praticarem a maior rapina da História, por no mínimo ter dela participado, apela de novo para a capacidade de iludir para ficar de pé neste instante.
Para isso, Lula dispõe-se a desmentir Tancredo Neves, que avisava às raposas felpudas do PSD mineiro que a esperteza é um bicho que, quando cresce demais, engole o dono. Para ser mais esperto do que a maior esperteza o for, ele sabe que precisa contar com o oportunismo de próceres políticos que podem pegar uma carona em sua balsa de saliva.
Já aderiu a essa cantiga de sereia a ex-senadora petista Marina Silva. Ministra do Ambiente no primeiro mandato dele e sobrevivente à luta pela redenção dos povos da floresta, que tem em Chico Mendes um mártir de fama internacional, ela tem um partido pra chamar de seu, a Rede Sustentabilidade, e a fisionomia identificada com as de pobres e oprimidos que todo colega de ofício gostaria de ter. Essa era uma vantagem de Miguel Arraes, que, oriundo da mais antiga e próspera oligarquia rural nacional, representou como ninguém com os traços marcados de suas rugas o rosto do sertanejo miserável, vítima da seca e do coronelismo. Agora Marina hasteou a bandeira popular do “nem Dilma nem Temer”, na certa porque pesquisas de intenção de voto a dão como favorita, mas quem garante agora que em 2018 ela ainda será?
Na condição de um dos 81 senadores que decidirão se o provisório Temer fica ou a afastada Dilma cai, o senador Cristovam Buarque joga sua reputação ilibada numa candidatura presidencial que o fez mudar do PT, de que saiu após ter sido demitido do Ministério da Educação por Lula numa chamada telefônica internacional, para o PDT. Agora está no PPS, pois o chefão de seu ex-partido, Carlos Luppi, prefere um governo em extinção à mão a uma disputa sedutora, mas improvável.
À espreita completa o Trio Esperança outro senador, Aécio Neves, presidente do PSDB. Ele comunga os mesmos interesses dos adversários, mas prefere esperar, pois deve ter percebido que abusou ao alimentar o monstro da esperteza e o viu devorar porção significativa dos 51 milhões de votos que teve em 2014 e dificilmente voltará a ter agora. Talvez seja mais cauteloso esperar para observar até que ponto chegarão seus correligionários que se oporão ao seu voo do ninho tucano de Minas direto para a rampa palaciana.
Talvez seja mais sensato para o presidente do que se acha, embora na prática não comprove sê-lo, o maior partido da oposição esperar que seus desafiantes naufraguem, cada qual na sua tempestade. O governador Geraldo Alckmin arrisca-se a perder o controle do PSDB em São Paulo se ocorrer a anunciada derrota de seu candidato à Prefeitura da Capital, João Dória. E o senador José Serra pode afundar se a nau capitaneada por Michel Temer naufragar no Mar das Tormentas de um ministério, com os arautos da esperança Serra e Henrique Meirelles e vários parlamentares com dívidas a pagar à implacável “república de Curitiba”, à prova de queda.
A História mostra que, nesse quadro, pode vencer um inesperado, como Jânio e Collor. Joaquim Barbosa, por exemplo. Desmentem suas juras de que não quer concorrer suas manifestações públicas contra o impeachment, et pour cause, contra a Constituição, que ele deveria conhecer bem. Seja como for, esta será a primeira vítima do eventual vencedor.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Em vez de bacalhau, mentiras...! O programa de Chacrinha era melhor !


Desgoverno já acaba quando mal começou

Por JOSÉ NÊUMANNE
O ESTADO DE S.PAULO - 11/03/2015

Dilma perdeu uma oportunidade, se não boa, no mínimo razoável, de se levantar do banquinho no córner, onde está acuada pela crise política e pelo péssimo desempenho da economia, e, pelo menos, voltar ao ringue, no pronunciamento à Nação por TV e rádio no Dia Internacional da Mulher, domingo. Seu discurso inócuo, boboca e incompreensível teve o que merecia: panelaço, vaias e xingamentos pelo País inteiro. Só não se decepcionou com ela quem não viu.

De fato, não havia muito espaço para manobra. Mas pedir paciência a uma plateia que dela só tem ouvido mentiras autoindulgentes não poderia deixar de soar tolo, inútil, arrogante e alienado. Poderia ter começado com um pedido de desculpas por tudo quanto prometeu na campanha e começou a descumprir quando foi divulgada a vitória na reeleição. A continuação inevitável poderia ser uma demonstração de que a paciência exigida dos cidadãos, que ela trata como súditos, seria compensada por algum sacrifício: redução de ministérios, cujo número é absurdo, por exemplo. Nem fez a velha proposta de pacto. Talvez porque padim Lula se tenha recusado a apertar as mãos estendidas na eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral, no apoio à Constituição, que o Partido dos Trabalhadores (PT) assinou amargamente constrangido, e no governo de união nacional de Itamar Franco, depois da queda de Fernando Collor.

Em vez disso, preferiu adotar a tática stalinista de reescrever o passado para garantir as boquinhas por um tempo longe de ser promissor para ela, seu governo e, sobretudo, para o País. Atribuiu a conjuntura "à maior crise econômica desde a recessão de 1929", a de 2008, que, para Lula, passaria por aqui feito uma "marolinha" e ela jura que paira sobre nós há sete anos, como nos sonhos das vacas magras de José do Egito. E à seca, desgraça perene do Nordeste, que, ela esquece, faz parte do Brasil, apesar de ter-lhe garantido, com milhões de votos, a permanência no trono. Lá se sabe que a chuva é incerta e caprichosa.

Os tomates imaginários jogados pelos "podres burgueses golpistas" partem do pressuposto de que a piada do barítono que anuncia um tenor pior à plateia que o apupa nem sequer servirão de metáfora para a crônica de seu desgoverno abortado: este, ao contrário do Cassino do Chacrinha, já acaba quando mal começou. Tudo indica que a militância armada contra a ditadura a impediu de frequentar aulas de História do Brasil, cujo aprendizado lhe faz falta. E mais ainda ao populacho, que verga sob sua inépcia. O desastrado discurso em que a mulher, festejada domingo no mundo todo, foi aqui celebrada às avessas evidencia que nossa experiência da dona da casa no poder será apenas um "duela a quién duela" coletivo.

Reconheça-se que os citados episódios históricos têm algumas diferenças em relação aos eventos destes idos de março em que o cego Tirésias teria a bendizer os temporais eventuais, prenunciados pelo cheiro. Nestes 61 anos foram aplicadas três soluções pessoais para resolver crises políticas. Em 1954, Getúlio Vargas disparou contra o próprio peito para não morrer afogado no "mar de lama" de uma corrupção de aprendiz, comparada com o caso Celso Daniel, o mensalão e as petrorroubalheiras - o crime continuado que ora corrói as bases da republiqueta sob os petralhas. Sabe-se que Getúlio era um suicida vocacional. O tiro foi o único jeito que teve para abortar o golpe dos militares da geração dos tenentes de 1930. Ao "sair da vida para entrar na História" adiou o golpe, sim, mas por apenas dez anos.

Contra o manhoso estancieiro de São Borja havia também a oratória inflamada e eficiente da UDN de Affonso Arinos de Mello Franco e de Carlos Frederico Werneck de Lacerda. A retórica, a ação parlamentar e a capacidade de construir caminhos para desviar o País da crise a que foi levado pela insana gula petista passam longe do perfil da oposição de hoje, indigna até dessa denominação.

Seis anos após o suicídio no Catete, um presidente popular, eleito acima dos partidos, com a vassoura feita símbolo e a faxina como missão, renunciou para livrar-se das dificuldades impostas por um Congresso dominado por partidos que desprezava. A renúncia de Jânio Quadros foi um autogolpe que falhou por conta da fé cega em si mesmo. "Renuncia, Dilma", prega quem lhe atribui idêntico defeito. Mas ela não tem a persistência suicida revelada nos Diários de Getúlio, nem o perfil nobre de quem renuncia para facilitar a saída pela qual um governo de união nacional possa impedir a tragédia que se prenuncia com as fraturas da Nação, expostas na disputa eleitoral e agravadas com a determinação do grupo no poder de se agarrar ao que restar de bife no osso descarnado.

Fala-se ainda mais em deposição, repetindo a solução dada em 1992, 31 anos após os nove meses de Jânio, com 20 anos de ditadura militar no meio. Lá se vão apenas 23 anos, mas urge lembrar que o impedimento inevitável cedeu lugar à renúncia consentida do presidente, que, como Jânio, tentou em vão pôr de joelhos o Congresso (de 300 "picaretas" de Lula e 400 "achacadores" de El Cid Gomes?). Ao contrário de Dilma, a cujos propósitos ele serve, o ex-presidente tentou o lance do "Ministério ético". Mas foi defenestrado sem dó.

Sábado O Globo informou que, conforme delação premiada, Mário Negromonte foi trocado no Ministério das Cidades por Aguinaldo Ribeiro por pressão de seus correligionários acusados de se abastecerem no propinoduto da Petrobrás. Foi Dilma quem assinou nomeações e demissão de ambos. Dizer que era assunto interno de aliados e não lhe diz respeito em nada vai ajudar a suspender a queda de sua reputação. Para piorar, a dupla protagoniza a mesma investigação, na qual ela não figura.

Mas, com os militares de 1930 mortos e sepultados e a oposição incapaz de apunhalá-la politicamente, Dilma depende do Imponderável da Silva nas ruas para escapar aos idos de março - chova ou faça sol.