Cientistas identificam pela primeira vez orca capaz de imitar palavras
Helen Briggs
BBC News
31 janeiro 2018
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Uma orca capaz de pronunciar "hello" e "bye"- "oi" e "tchau", em inglês - pode ser o primeiro bicho da espécie a imitar palavras humanas já identificado.
A fêmea Wikie, que mora em um parque marinho na França, foi ensinada a pronunciar pelo menos cinco palavras em inglês, imitando uma treinadora.
O repertório do animal inclui também o nome "Amy", a contagem de um a três e até "raspberries"- framboesas em inglês.
O treinamento da orca Wikie integra uma pesquisa da Universidade de St. Andrews, na Escócia, sobre a capacidade de comunicação de animais entre si.
Ouça abaixo:
As orcas estão entre os poucos animais, além dos humanos, que conseguem aprender a reproduzir novos sons só de ouvir outros bichos.
"Em mamíferos, isso é muito raro", diz Josep Call, um dos pesquisadores responsáveis pelo experimento.
"Humanos obviamente são bons nisso. Curiosamente, os outros mamíferos que fazem isso bem são marinhos."
Wikie foi ensinada a imitar palavras ao controlar a pressão no orifício que as orcas usam para expelir água e respirar.
Direito de imagemGETTY IMAGESImage captionOrcas selvagens vivem em grupos e compartilham um dialeto próprio. Cientistas acreditam que elas são capazes de aprender os dialetos usados por orcas de outros "clãs"
'Dialetos' das orcas
Orcas são conhecidas por viver em grupos que compartilham sons ou "dialetos" próprios. Mas podem copiar outros bichos da mesma espécie quando vivem livres no oceano.
O estudo feito pela Universidade de St. Andrews com a baleia Wikie ajuda a explicar essa capacidade de comunicação desses animais.
"A orca que estudamos em cativeiro foi capaz de aprender a vocalização de outras orcas e também sons humanos, ao imitá-los", diz Call.
"Portanto, esse resultado sugere que é plausível a explicação de por que orcas aprendem, no ambiente selvagem, os sons feitos por outras orcas e como desenvolvem dialetos."
Direito de imagemGETTY IMAGESImage captionPesquisadores também dizem que as orcas imitam sons de animais de outras espécies de golfinhos e de leões marinhos
A imitação de palavras e sons é uma característica marcante da espécie humana, mas é extremamente rara em outros animais.
Os golfinhos e as baleias belugas estão entre os poucos mamíferos capazes de copiar sons de outras espécies e uns dos outros. Alguns pássaros conseguem imitar palavras humanas, como papagaios e algumas espécies de corvo.
Jose Abramson, da Universidade Complutense de Madrid, na Espanha, que também participou da pesquisa, "conversas" entre humanos e a orca Wikie podem, um dia, ser possíveis.
"Sim, isso é concebível, se você usar sinais e descrições do que as palavras representam. Isso já foi feito antes como um famoso papagaio cinza e com golfinhos, usando linguagem americana de sinais e frases como: 'Traga-me esse objeto', ou 'Coloque esse objeto em cima ou embaixo deste outro'."
Image captionWikie vive em um parque marinho francês | Foto: Marineland
Predadores poderosos
Wikie reproduziu os sons enquanto estava parcialmente imersa na água, com sua cavidade nasal exposta na superfície. Sons feitos dentro d'água podem ser bem diferentes.
E como isso ocorreu somente com um animal, os pesquisadores não sabem se há outras orcas capazes de copiar palavras assim vivendo no ambiente selvagem.
Embora sejam conhecidas como "baleias assassinas", as orcas são os maiores golfinhos do mundo e um dos mais poderosos predadores dos oceanos.
Image copyrightLORENA VINTURINIImage captionDenice Santiago comanda a Ronda Maria da Penha, unidade da Polícia Militar baiana que acompanha mulheres vítimas de violência doméstica
O celular de trabalho de Denice Santiago tocou em plena tarde de domingo em Salvador. Do outro lado da linha, uma mulher dizendo que o ex-marido, proibido pela Justiça de se aproximar dela, estava a caminho de sua casa.
"Nessas horas não posso simplesmente dizer que estou de folga. Tenho que resolver", diz. A necessidade de solução imediata se explica: na Bahia, 629 mulheres vítimas de violência doméstica estão diretamente sob os cuidados de Denice.
Fardada ou não, ela é a major Denice, de 45 anos, comandante da Ronda Maria da Penha (RMP), unidade da Polícia Militar baiana criada em março de 2015 para acompanhar mulheres sob medida protetiva judicial - brasileiras que enfrentam o machismo e a brutalidade de companheiros, pais, irmãos e vizinhos.
Com pouco mais de um ano e meio de funcionamento, essa operação vem chamando a atenção de pesquisadores e de outras corporações policiais pelos bons resultados - que parecem dever algo ao carisma e à obstinação de sua comandante.
"São famílias que estão em jogo. Como mulher, mãe e policial, não posso falhar. Se nosso sistema for violado, podemos perder uma vida", diz Denice.
No foco desse sistema de proteção estão mulheres como Ana*. Ela passou 18 de seus 45 anos com o pai de suas duas filhas adolescentes. Durante o casamento, afirma, suportou o "sentimento de posse" e a "loucura" do marido.
Image copyrightVICTOR UCHÔAImage captionPoliciais fazem visitas surpresa a mulheres que recorreram à Justiça para manter agressores à distância
"Eu não podia olhar para o lado. Ele puxava meu braço, batia e xingava. Era uma tortura", conta Ana. "Quando ele se aposentou, passava o dia em frente ao meu trabalho, me vigiando. Parecia que ia morrer sufocada."
Acompanhada pela RMP há um ano, ela diz que reencontrou o sossego. "Eu não vivia em paz. Isso é um renascimento."
Modo de operação
A Ronda Maria da Penha na Bahia tem bases em Salvador e nas cidades de Paulo Afonso, Serrinha, Juazeiro e Feira de Santana.
Diariamente, incluindo finais de semana e feriados, 71 policiais se revezam em visitas de surpresa a mulheres que recorreram à Justiça para manter agressores à distância.
A presença policial costuma inibir a aproximação desses homens, mas não em todos os casos. Desde a criação, a ronda já prendeu 59 agressores que ultrapassaram os limites fixados pela Justiça, alguns flagrados em plena visita dos policiais.
Image copyrightARQUIVO PESSOALImage captionUnidade promove visitas a mulheres que recorreram à Justiça para manter agressores à distância; 59 deles foram presos desde 2015
De sua sala na sede da ronda, em Periperi, subúrbio da capital baiana, a comandante repassa planilhas, lê relatórios e monitora o movimento das equipes.
Mesmo não participando mais das visitas residenciais, ela conhece a história de cada mulher assistida. Recebe muitas para conversas que podem se estender por horas. "Essas mulheres precisam confiar na gente. Temos que construir uma relação para que elas nos contem suas verdades."
Números da violência
De olho nas planilhas, a major sabe que precisa de mais estrutura: 71 policiais parece pouco diante do quadro da violência contra a mulher no Estado.
Somente no primeiro semestre de 2016, a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) recebeu 26.674 chamadas na Bahia, com notificações que vão de ofensas verbais a graves agressões físicas.
Image copyrightLORENA VINTURINIImage captionBahia é quarto Estado no ranking de denúncias de violência contra mulher; major diz batalhar por mais recursos para atendimento
Nos registros, contabilizados pela Secretaria de Políticas para as Mulheres do governo federal, a Bahia é o quarto Estado em números absolutos de chamadas, atrás de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Salvador é a quinta capital, com 5.927 chamadas de janeiro a junho.
De acordo com o Tribunal de Justiça da Bahia, tramitam no Estado 26.527 processos de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Ao final de cada um deles, será determinada ou não uma medida protetiva, que, entre outras ações, podem proibir o homem de se aproximar da mulher ou afastá-lo do lar.
Quando a medida é estabelecida, a própria Justiça indica casos urgentes para acompanhamento da RMP.
"Quero qualquer coisa que a Secretaria de Segurança oferecer. Eu vou atrás, encho o saco, mostro os números. Quanto mais mulheres atendermos, melhor", diz major Denice.
Image copyrightLORENA VINTURINIImage captionDenice ingressou nas primeiras turmas femininas de praças e de oficiais da PM da Bahia; hoje é uma das duas mulheres em postos de comando na corporação
Repercussão do trabalho
A iniciativa na Bahia não é a primeira nem a única no Brasil - a Brigada Militar gaúcha, por exemplo, organiza patrulhas semelhantes desde 2012 -, mas repercute entre acadêmicos e instituições policiais.
Em setembro, Denice foi palestrante na abertura, em Brasília, do encontro anual do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), ONG que reúne pesquisadores e profissionais do setor.
O tema do encontro foi violência contra a mulher, e a major dividiu a apresentação com Maria da Penha Fernandes, farmacêutica conhecida por batalhar pela condenação do ex-marido agressor e dar nome à lei de 2006 que aumentou o rigor das punições em casos deste tipo.
Image copyrightDANILO RAMOS/DIVULGAÇÃOImage captionMajor Denice em palestra no encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; experiência vem chamando a atenção de pesquisadores e profissionais do setor
"Mesmo com limitações estruturais, a Ronda Maria da Penha da Bahia é um exemplo hoje para outras iniciativas do país. Não conheço outro trabalho policial que esteja tão próximo das pessoas e já com resultados práticos tão expressivos", afirma a socióloga Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP.
Bueno diz que há muita descontinuidade em políticas de segurança no Brasil, e por isso ações na área ainda são muito dependentes de uma liderança pessoal forte para sucesso e continuidade.
"Neste caso, é preciso valorizar que é uma major, uma mulher, à frente de uma ação que vem dando certo."
Trajetória
Filha de família pobre, Denice Santiago estudou toda a vida em escola pública. Em 1990, após terminar o ensino médio, foi incentivada pelo pai ("Para garantir emprego e salário", conta) a tentar uma vaga na primeira turma feminina de praças da PM da Bahia. Entrou como sargento.
Dois anos depois, ingressou na primeira turma aberta para oficiais mulheres. Hoje é uma das duas únicas oficiais a ocupar posto de comando na PM baiana - mulheres são 13% do efetivo da corporação.
Image copyrightDIVULGAÇÃO/ARQUIVO PESSOALImage captionDenice Santiago com Maria da Penha (na cadeira) em evento em Brasília; com filho adolescente, conversas sobre situação da mulher
A atuação com foco na mulher acompanha o caminho de Denice na Polícia Militar. Em 2006, quando integrava o setor de tecnologia da corporação, ela fundou o Centro Maria Felipa, até hoje o único núcleo direcionado para mulheres em PMs do país.
Batizado com o nome da heroína das batalhas pela independência do Brasil na Bahia, o centro ajudou a criar a norma que determina o deslocamento imediato de policiais gestantes para o trabalho administrativo. Antes, elas ficavam nas ruas até as vésperas do parto.
O CMF também promove cursos e seminários para policiais e oferece auxílio a mulheres da PM vítimas de violência doméstica. O centro motivou até um apelido para a major: até hoje é chamada de Felipa por muitos colegas de farda.
Teoria e prática
Para atuar sob o comando da major Denice na Ronda Maria da Penha, policiais se alistam voluntariamente. Após seleção pelo perfil, passam por uma formação específica, um dos diferenciais do programa na Bahia.
No curso, elaborado pela Secretaria de Políticas para Mulheres do Estado, discutem temas como gênero e patriarcado. E todos entram em contato com os outros órgãos da rede de atendimento: Polícia Civil, Tribunal de Justiça, Ministério Público, Defensoria Pública.
Image copyrightARQUIVO PESSOALImage captionMajor Denice em curso para policiais que atuam na Ronda Maria da Penha; formação é vista como um dos diferenciais da iniciativa
Após a inserção na operação, policiais, homens e mulheres, participam de encontros mensais com atividades lúdicas e de autocuidado. O objetivo é abrir espaço para que possam se expressar artisticamente e aliviar a carga emocional das histórias de crises familiares que acompanham.
Graduada em Psicologia, a própria comandante passa por acompanhamento psicoterapêutico.
"Preciso recorrer ao analista para não levar tudo isso pra casa, mas é impossível", comenta, lembrando o dia do telefonema no domingo de folga. (Naquela ocasião, a major acionou policiais de plantão, mas o agressor desistiu de aparecer quando a mulher disse que já havia ligado para a ronda.)
Outro ponto forte da iniciativa é a interlocução entre os órgãos da rede de atendimento. Representantes do comitê gestor da RMP conversam via WhatsApp para acelerar procedimentos que envolvam a proteção de mulheres assistidas.
Por iniciativa própria, Denice também encabeça uma ação chamada "Mulheres de Coragem" - recebe mulheres assistidas na sede da unidade para palestras, oficinas de arte e teatro, em ações de socialização e empoderamento.
Image copyrightLORENA VINTURINIImage captionMulher Maravilha em destaque na mesa da major e prêmios de reconhecimento: atuação com foco na mulher marca trajetória de PM
Para policiais homens e o público masculino externo, organiza as palestras do "Papo de Homem". "A ideia é fazer com que os homens se percebam no ciclo da violência, porque este (agressão contra a mulher) é um crime cultural", afirma.
A caminho de uma visita da ronda, o soldado Ivan da Silva reconhece que buscou uma vaga na unidade especial apenas para trabalhar no horário administrativo e ter tempo para estudar à noite. "Hoje minha cabeça é outra. Fui aprendendo com as histórias. A realidade das mulheres é muito mais difícil do que se imagina."
Ao seu lado, outro soldado, Arivaldo Souza, afirmou que entendeu que a violência não se manifesta somente em agressões físicas. "Comecei a ver o peso da violência psicológica. Uma mulher me disse uma vez que preferia levar um tapa a ouvir as coisas que o ex-marido dizia."
Minutos depois, os dois PMs, ao lado da soldado Jocinanda Oliveira, chegam à casa de Lúcia*, de 28 anos. Após três anos em um relacionamento violento, ela se afastou do ex-namorado depois de ser agredida com o filho recém-nascido do casal no colo.
"Ele chegou a me ameaçar de morte. Sempre tive muito medo, mas com as visitas dos policiais a gente sente que pode contar com alguém. Eu converso com amigos e falo com orgulho que a ronda veio aqui em casa", afirma.
Image copyrightVICTOR UCHÔAImage caption'Com as visitas dos policiais a gente sente que pode contar com alguém', diz mulher atendida por unidade
Acompanhada pela unidade há cerca de um ano, ela costumava sair de casa apenas para ir ao trabalho.
"Eu fui à praia outro dia. Nem acredito. E só fui porque me senti confiante. Foi ela quem me incentivou", conta Lúcia, lançando um olhar de cumplicidade para a soldado Oliveira. Ela segura o filho e chora.
Cotidiano
No comando da operação, major Denice se diz orgulhosa por histórias como a de Lúcia, mas afirma que não pode baixar a guarda para romper o ciclo do que chama de "violência cultural".
No papel de mãe de um adolescente de 15 anos, procura dialogar com o filho sobre temas que encara no trabalho, apostando que ele levará as informações adiante.
"Eu insisto mesmo. Às vezes ele brinca quando me pede sugestão de tema de redação, dizendo que violência contra a mulher não vale. Mas ele é bem consciente e eu sei que conversa muito com os amigos."
Image copyrightLORENA VINTURINIImage captionMesa de trabalho da major baiana; proteção do candomblé, lembrança da maternidade e Mulher Maravilha
Ao falar da vida familiar, Denice deixa escapar que, até fevereiro de 2015, "sentia que era eterna". Foi quando, em um exame de rotina, descobriu um tumor no estômago - após uma cirurgia que extraiu todo o órgão, atravessou meses de tratamento quimioterápico.
Agora, adapta-se dia a dia. Come menos, evita alimentos pesados, prioriza a comida de casa e, para fugir de eventuais toxinas, cortou frutos do mar. "Só não abro mão de pão. Adoro sanduíche, mas estou comendo metade da metade", diz a major de 1,73 metro, entre risos.
Para o bem da digestão, também precisa mastigar tudo lentamente. Diz não ver problema, pois assim consegue mais tempo para pensar na vida e bolar "mais umas maluquices" para a ação da ronda - uma dessas ideias é fazer uma horta em frente à sede da unidade e convidar as mulheres para cuidar do espaço.
Image copyrightLORENA VINTURINIImage captionOficial teve câncer no estômago e teve que extrair órgão: 'Me fortaleci para ajudar essas mulheres a serem felizes'
"Com o câncer, uma amiga disse que não deveria perguntar por que as coisas acontecem e sim para quê. Depois que superei essa doença, me fortaleci para tocar o trabalho, ajudar essas mulheres a serem felizes. Minha mãe sempre disse que nossa missão é ser feliz."
Para o futuro, a major abre portas no ambiente acadêmico. Hoje cursa mestrado na Universidade Federal da Bahia em que estuda a relação entre a questão racial e o enquadramento de suspeitos por policiais militares.
E vislumbra a felicidade em algum cantinho perto de Salvador, onde possa fazer uma horta própria e viver tranquila ao lado da família, assistindo a seus filmes preferidos: os épicos e os da franquia Marvel, com seus heróis onipotentes e falíveis.
Criada em família com raízes no candomblé (religião de matriz africana), Denice Santiago se apresenta como uma mulher de Iansã. É a deusa dos raios e trovões na mitologia iorubá, guerreira que batalha pelo seu povo e carrega a força do feminino.
Iansã pode ter mil facetas, mas a fragilidade nunca será uma delas.
*Para preservar a identidade das mulheres vítimas de violência, os nomes foram trocados.
Image copyrightLORENA VINTURINIImage caption'Nossa missão é ser feliz', afirma major baiana