Antiga forma
09 de abril de 2014 | 2h 08
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
Falar de assuntos espinhosos de maneira direta e transparente não é com ele.
Portanto, não seria de esperar mesmo que o ex-presidente Luiz Inácio da Silva abordasse o tema Petrobrás da perspectiva dos negócios nebulosos feitos pela estatal no governo dele e que agora estão sob a mira do Ministério Público, Polícia Federal, Tribunal de Contas e Congresso Nacional, na entrevista dada ontem a um grupo de blogueiros.
Lula passou ao largo das dificuldades objetivas que o governo enfrenta para se concentrar na exposição dos detalhes de uma agenda que permita ao PT e ao Planalto sair pela tangente na superação dos obstáculos.
Falou basicamente para a militância, ressuscitando teses caras ao partido, como o controle social dos meios de comunicação, vocalizando o discurso da altivez petista - "não podemos baixar a cabeça" - seguindo o lema "nós" contra "eles".
Inspirado na própria experiência de 2005/2006, quando saiu da defensiva em que seu governo foi jogado devido ao escândalo do mensalão e partiu para a ofensiva que o levou à reeleição, Lula aconselhou o PT a "ir pra cima" dos adversários para evitar a CPI da Petrobrás.
Sabe como são essas coisas. Lembrou ao partido que a CPI do Mensalão começou com uma investigação sobre "pagamento de propina de R$ 3 mil (nos Correios) e acabou no PT". Quer dizer, o problema foi que os petistas não abafaram o caso a tempo e a hora.
O presidente anunciou que não será candidato. Isso na abertura da entrevista. No fim, já não apresentava a mesma convicção, afirmando que só o "futuro" pode responder a perguntas hipotéticas. Lula atende, assim, a três objetivos: de um lado aparentemente reforça a presidente Dilma Rousseff, de outro não mata de todo as esperanças dos que o querem de volta na disputa agora e ainda mantém a oposição tensa.
Inclusive porque deu um aviso aos navegantes: pôs fim à sua fase de silêncio e vai começar a dar palpites em público até para a presidente ("acho que assim posso ajudar na eleição"), vai viajar com Dilma e vai voltar a falar sem parar.
Evidentemente, sempre dentro de uma ótica própria que não necessariamente guarda relação com a realidade. Como a versão apresentada ontem para o aumento da percepção negativa sobre o governo Dilma.
Não tendo como negar os números das pesquisas, depoimentos de gente que recebe no Instituto Lula e reclamações de petistas, o ex-presidente elegeu um responsável pelo mau humor generalizado: o mensageiro.
Segundo ele, "a massa feroz de informação deformada" produzida pelos meios de comunicação é responsável pelas agruras em série que assolam o governo. Para isso, recomenda dois remédios.
De imediato, "uma política agressiva de comunicação, com a ocupação de todos os espaços". Como se o governo ocupasse poucos. Mais adiante, a retomada do debate sobre o marco regulatório, também conhecido como controle social da mídia, em português claro traduzido como fiscalização governamental do conteúdo produzido por jornais, revistas, rádios e televisões.
Esses temas, Dilma como presidente não pode defender, mas Lula como cabo eleitoral, comandante em chefe do PT, pode.
Da mesma forma, ela não poderia - sem gerar uma crise com o Congresso - voltar a defender a Constituinte exclusiva. Mas Lula pode. Como fez na entrevista, ao defender as teses caras ao PT na reforma política, a começar pelo financiamento público de campanha.
Mensalão tampouco é assunto que interesse à presidente abordar. Mas Lula o faz na maior sem cerimônia dizendo que a "verdadeira história" ainda está para ser contada, sem dar pista sobre o tom da nova narrativa.
O ex-presidente esquivou-se de críticas mais pesadas ao Supremo Tribunal Federal. Limitou-se a trafegar no terreno do politicamente incorreto ao dizer a razão pela qual indicou o ministro Joaquim Barbosa: "Eu queria um advogado negro e o currículo dele era o melhor".
Corre o risco de Joaquim achar que é racismo.