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quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Cinco séculos de história destinados ao lixo...

terça-feira, setembro 26, 2017

Como destruir uma estatal

JOSÉ CASADO

O GLOBO - 26/09

Com cinco séculos de história, receita de R$ 20 bilhões por ano garantida por monopólio constitucional e 120 mil empregados, os Correios naufragam de forma espetacular
É um naufrágio espetacular: está à beira da falência um serviço com cinco séculos de história, receita de R$ 20 bilhões por ano garantida por monopólio constitucional, 120 mil empregados na folha de pagamentos e escritórios em 88% das cidades brasileiras.


Com sucessivos prejuízos, os Correios ficaram virtualmente inviabilizados porque foram transformados em mercadoria no balcão de governos, partidos e sindicatos.

A insatisfação dos clientes cresce de forma exponencial. Em São Paulo, por exemplo, o volume de reclamações já é 607% maior que cinco anos atrás e 120% acima do recorde do ano passado, segundo os registros do Procon paulistano até o último dia 15 de setembro.

Esta semana começou com a terceira greve dos últimos 11 meses. Serviços postais em 20 estados amanheceram ontem prejudicados por causa de uma antiga disputa entre a Central Única de Trabalhadores, braço sindical do PT, e entidades emergentes no sindicalismo.

A empresa foi estatizada há 220 anos. Seu processo de destruição é recente e coincide com a deterioração dos padrões da política doméstica. Evidências da anarquia, com múltiplos episódios de corrupção, clientelismo político e sindical, começaram a ser expostas quando o governo Lula chancelou nomeados do PT, PCdoB, PTB, PDT e PMDB, entre outros, para o comando dos Correios e do Postalis, o fundo de pensão dos carteiros.

Em meados de agosto de 2005, Lula recebeu um relatório de auditoria sobre sete em cada dez contratos assinados em 40 departamentos dos Correios, durante os seus 19 meses de governo. Em valor, correspondiam a dois terços do faturamento anual. O documento descrevia 525 tipos de irregularidades, a maior parte classificada como de “alto risco” para a empresa.

No desgoverno, gastaram-se R$ 13 bilhões (corrigidos pelo IGP-M) em equipamentos e tecnologia sem análise de viabilidade técnica, de custos e de condições jurídicas, alguns com pagamentos antecipados e sem comprovação. Num deles, pagou-se R$ 178 milhões por uma “avaliação da gestão”. O resultado? “Insuficiente”, ironizaram os auditores.

Nessa mesma época, o fundo de pensão dos Correios passou grande parte dos seus recursos à gestão da Atlântica Administradora de Recursos, em parceria com o banco Mellon, dos EUA. Mais tarde, o Postalis descobriu que o dinheiro havia evaporado na compra de títulos sem valor da Venezuela e da Argentina. O prejuízo estimado em R$ 5 bilhões.

Enquanto isso, o caixa da empresa era drenado em mais R$ 5 bilhões para socorrer o governo Dilma Rousseff, sob a forma de pagamento de dividendos à União.

Com Michel Temer, tudo mudou para continuar onde está, inclusive a inapetência para enfrentar a crise.

O quadro lembra o samba de Bezerra da Silva:

“Antigamente governavam decente, sem sacrilégio

Hoje são indecentes, cheios de privilégio

É só caô, caô pra cima do povo

Promessa de um Brasil novo

E uma política moderna

Para tirar o Brasil dessa baderna

Só quando o morcego doar sangue

E o saci cruzar as pernas.”

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

A Política em ambiente de cassino ou jogatina...

S. Excia, a grana

José Casado

Michel Temer, Eduardo Cunha e Henrique Alves foram identificados como beneficiários de propinas de US$ 8,2 milhões (R$ 26,2 milhões) pagas pela Odebrecht fora do Brasil

Sua Excelência, o fato: o presidente da República, Michel Temer, e os ex-presidentes da Câmara Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves foram identificados como beneficiários de pagamentos de US$ 8,2 milhões (ou R$ 26,2 milhões) realizados pelo grupo Odebrecht fora do Brasil. Os ex-deputados Cunha e Alves estão presos.

O dinheiro para os “pagamentos a Eduardo Cunha, Michel Temer e Henrique Eduardo Alves”, como definem o Ministério Público e a Polícia Federal, saiu das contas (nº 244006, 244001, 244035, 244003) no Meinl Bank Antigua, no Caribe, mantidas pelas empresas Klienfeld, Trident, Innovation e Magna.

terça-feira, 28 de março de 2017

"Compram-se leis e governos" ... / José Casado

José Casado: 

Compram-se leis e governos

Marcelo Odebrecht pagou R$ 50 milhões pelo ‘Refis da Crise’, obra de Lula. Quatro anos depois, repassou a propina à campanha da chapa Dilma-Temer

Publicado no Globo
Na manhã de segunda-feira 31 de março de 2014, o empresário Marcelo Odebrecht recebeu uma planilha financeira organizada por Hilberto da Silva, chefe do Departamento de Operações Estruturadas da empreiteira.
Calvo, dono de um sorriso que lhe repuxa o olho direito, Hilberto era o terceiro a comandar um dos mais antigos núcleos operacionais da construtora, o de pagamento de propinas. Norberto, fundador e avô de Marcelo, tivera a assessoria de Benedito da Luz. Emílio, o pai, nomeara Antonio Ferreira. Marcelo, o herdeiro, assumiu em 2006, escolheu Hilberto e pôs a unidade no organograma do grupo, disfarçada como “Operações Estruturadas”. Conferiu a planilha: restavam R$ 50 milhões na conta, desde 2010. Só ele sabia a origem e o destino daquele dinheiro. Depois de quatro anos adormecido no caixa paralelo, chegara a hora de repassá-lo à campanha de reeleição da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer.
“O que eu acho que contamina a campanha de 2014 é esse dinheiro do Refis”, ele disse em depoimento no Tribunal Superior Eleitoral, no último 1º de março. “Esse, sim, foi uma contrapartida específica”, acrescentou.
Por trás da propina de R$ 50 milhões à campanha Dilma-Temer, segundo Marcelo, está a história da compra de uma medida provisória (nº 470, ou “Refis da Crise”) no fim do governo Lula.
Era 2009. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, negociava com empresas devedoras da Receita e da Previdência Social. “Eu sei que, no meio dessa discussão de 2009, aí, sim, nesse caso específico, o Guido me fez uma solicitação, de que tinha uma expectativa de 50 milhões para a campanha de 2010 dela, tá?” — relatou Marcelo, em juízo. “Foi o único pedido, digamos assim, de contrapartida específica que o Guido me fez, no contexto de uma negociação, tá?” A MP chegou ao Congresso com 61 artigos. De lá saiu com 140. O juiz quis saber se a expectativa fora atendida já na medida provisória ou, depois, no Congresso. Marcelo explicou: “As coisas nunca são atendidas prontamente. Na verdade, uma parte se consegue via governo. Depois você tenta incluir algumas emendas, aí, a Fazenda acaba vetando algumas, então, é o que se consegue. A gente conseguiu algo que era pelo menos razoável para a gente”. Lula sancionou o “Refis da Crise” em janeiro de 2010. Reduziu em até 75% nas dívidas acumuladas com a Receita e o INSS, deu 15 anos para pagamento do saldo e anistiou as multas. Premiou os devedores, tradicionais financiadores de campanhas. Puniu quem pagava em dia seus tributos.
A “contrapartida específica” de R$ 50 milhões não foi usada na eleição de 2010. Ficou na “conta-corrente do governo” — definições do próprio Marcelo —, no setor de propinas. Em março de 2014, quando acabava o mensalão, e começava a Lava Jato, ele resolveu aumentar a aposta: aos R$ 50 milhões pelo “Refis da Crise”, acrescentou R$ 100 milhões. Megalômano, passou a se achar “o inventor” da reeleição de Dilma-Temer, como disse em juízo.
Habituara-se a comprar leis e governantes, transferindo os custos aos contratos da Odebrecht com o setor público — os brasileiros pagaram várias vezes a mesma conta. Até hoje, ninguém se preocupou em construir mecanismos institucionais para impedir a captura do Executivo e do Legislativo pela iniciativa privada, como Marcelo e outros fizeram.

sábado, 21 de janeiro de 2017

Tudo é muito difícil no Brasil por causa das leis frouxas, fluidas...

José Casado: Nas mãos de Cármen Lúcia

Em qualquer decisão, porém, o regimento terá de ser aplicado em fina sintonia com uma realidade política, na qual o Supremo tende a zelar por sua imagem

Publicado no Globo
Com a ausência do juiz Teori Zavascki abre-se um novo ciclo para 364 pessoas e empresas investigadas por corrupção na Petrobras e outras empresas estatais.
É a presidente do tribunal, Cármen Lúcia, quem vai decidir o destino das oito dezenas de inquéritos, nos quais se destacam 48 políticos acusados e com processos em andamento. Será uma determinação solitária — e, talvez, a mais relevante — a ser tomada por essa mulher de 62 anos, disciplinada nos hábitos espartanos de uma família de portugueses pobres que migraram para Montes Claros, Minas Gerais.
Ela possui alternativas dentro do regimento do tribunal. Qualquer que seja, porém, terá o traço característico de uma Corte onde os 11 juízes são políticos de toga — nos últimos anos alguns deles têm feito questão de acentuar essa peculiaridade, até correndo o risco de carbonização das próprias biografias.
Uma das possibilidades é a presidente do Supremo alegar excepcionalidade e até avocar os casos, acumulando a tarefa de relatoria que estava com Teori com a presidência do STF. Outra é aguardar a substituição de Zavascki, iniciativa que a Constituição reserva ao presidente Michel Temer.
Uma terceira opção, que em Brasília era considerada a mais provável, é a redistribuição da relatoria dos casos por sorteio eletrônico entre os integrantes da segunda turma de julgamento do tribunal, onde estavam Zavascki, os inquéritos e processos sobre corrupção nas empresas estatais. Cármen Lúcia seria provocada por um requerimento do procurador-geral Rodrigo Janot. A segunda turma está hoje composta pelos ministros Gilmar Mendes, que a preside, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.
Para a vaga aberta seria deslocado um dos ministros da primeira turma — possivelmente, Edson Fachin. A lógica da escolha seria a de que a segunda turma do STF já tem o conhecimento, a jurisdição e já tomou uma série de decisões nos inquéritos e processos (no jargão jurídico, está “preventa”).
Em qualquer decisão, porém, o regimento terá de ser aplicado em fina sintonia com uma realidade política, na qual o Supremo tende a zelar por sua imagem. Tudo indica que haverá uma inflexão no caso Lava Jato. Por enquanto, é impossível determinar o rumo.
Por isso, as apostas feitas ontem por líderes políticos interessados no desfecho dos inquéritos e processos contêm dose de sapiência similar à da compra de um bilhete de loteria.
A única certeza está estabelecida na Constituição: Michel Temer estava destinado a cumprir o mandato sem indicar um só ministro para compor o STF, mas desde a tragédia de ontem está em busca de um substituto para Teori Albino Zavascki, 68 anos, o juiz que saiu de Faxinal dos Guedes (SC) para a Praça dos Três Poderes, onde se destacou pela técnica e sobriedade.

sábado, 26 de novembro de 2016

"Esta é uma crise que tem dono"... / José Casado

Esta é uma crise que tem dono

Na gênese do problema está um presidente avesso a conflitos, cujo maior problema são os amigos. Eles são muitos, especialmente no Congresso
José Casado, O Globo
O nome dele é Michel Temer. Ela não começou e nem deve terminar na demissão do sexto ministro, em seis meses. Sua origem está na aversão do presidente ao conflito. Aos 75 anos, Temer já viu quase tudo na política contemporânea: golpes, contragolpes, ditadura, eleições diretas, indiretas e dois impedimentos presidenciais.
Multidão (Foto: Arquivo Google)
Sobreviveu, preservando-se no limite da equidistância. A exceção foi no último impeachment. Com apoio de amigos como Geddel Vieira Lima, Eliseu Padilha, Moreira Franco e Eduardo Cunha, comandou o roteiro da cerimônia de adeus de Dilma Rousseff, tornando-se usufrutuário da cadeira presidencial.
Anteontem, ao revisar a nota oficial do governo sobre a demissão e o depoimento à polícia do ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, Temer fez questão de destacar uma frase: “O presidente buscou arbitrar conflitos entre os ministros e órgãos da Cultura.”
Nessa dúzia de palavras transparece algum apreço pela taramelaria, porque, no caso, não havia resquício de conflito de interesse público “entre os ministros e órgãos” a exigir arbitragem do presidente da República. Existia, sim, um confronto entre as prioridades pecuniárias de um incorporador imobiliário privado — ocasionalmente, com o botão de ministro da Secretaria de Governo na lapela — e as de um organismo federal que há 80 anos é responsável por uma política de Estado, a preservação do patrimônio cultural.
A demissão do ministro pode encerrar o episódio e o inquérito policial decorrente. Durante seis meses, o ex-deputado baiano, com o sorriso pleno das gordas bochechas que distendiam a vasta papada branca sobre o colarinho, predominou nas fotografias e nos bastidores do governo do “querido amigo”, como qualificou na carta ao presidente.
A despedida de Geddel, porém, não liquida a crise, porque o nome dela é Temer. Na gênese está um presidente avesso a conflitos, cujo maior problema são os amigos. Eles são muitos, especialmente no Congresso, onde alguns reivindicam seu discreto apoio em causa própria — como demonstram as opacas negociações conduzidas pelo presidente da Câmara sobre a anistia ao caixa dois, simultâneas às dirigidas pelo presidente do Senado sobre a permissão à repatriação de dinheiro de origem questionável pelos parentes de políticos.
O caso Geddel sugere que a Temer muito custará conservar os amigos, porque governa com eles — e o poder do “querido amigo” presidente nem sempre será suficiente para contentá-los.
José Casado é jornalista
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quinta-feira, 10 de novembro de 2016

"O estado perdeu o controle das suas contas. Não sabe sequer o valor das renúncias fiscais que concedeu nas últimas três décadas " / José Casado


terça-feira, novembro 08, 2016

 JOSÉ CASADOQuando a gente acha que chegou no fundo do poço, sempre descobre que pode ir ainda mais fundo. Que escrotidão. (Charles Bukowski)

Estado de anarquia-

O GLOBO - 08/11
Rio tem aposentado de R$ 75,5 mil e servidor ativo de R$ 48,7 mil. Estado aumenta imposto, mas não sabe o valor dos incentivos que deu nos últimos anos

Governantes não sofrem de estresse, eles provocam nos governados. No Rio, como em outros 11 estados, a má gerência pública ameaça o humor e os bolsos de 16,4 milhões de habitantes.

Para tapar parte do buraco cavado nas contas estaduais durante décadas, o governo decidiu aumentar o principal imposto local (ICMS), que é cobrado em cascata da fabricação até o consumo de produtos e serviços.
Por isso, viver no Rio vai custar mais na energia, na gasolina, na cerveja, no chope, na telefonia e na internet. Exemplo: se o estado arrecadava R$ 57 numa conta de luz de R$ 200, a partir de janeiro tomará R$ 64 do consumidor.

Os chefes do Executivo, Legislativo e Judiciário fluminenses são incapazes de garantir que em 2017 não haverá novos aumentos na carga tributária. Mostram-se impotentes, também, para assegurar pagamento dos 470,4 mil inscritos na folha de pessoal. Ano passado eles custaram R$ 1.914,27 a cada habitante — 12,5% acima da média per capita nacional.
O Estado do Rio tem mais servidores inativos (246,7 mil) do que em atividade (223,6 mil). Sua folha salarial espelha a devastação administrativa executada por sucessivos governos, por interesses políticos e corporativos.

Há aposentadorias de até R$ 75,5 mil no antigo Departamento de Estradas de Rodagem e de R$ 53,4 mil na Fazenda estadual — mostram dados da Secretaria de Planejamento.

Entre servidores ativos, existem remunerações de até R$ 48,7 mil na Defensoria Pública; de R$ 47,2 mil na Fazenda; de R$ 41,9 mil no Detran; de R$ 39 mil na Procuradoria-Geral, e, de R$ 38,2 mil no Corpo de Bombeiros.
Em setembro, o sistema de pagamentos do funcionalismo registrou nada menos que 312 tipos de vantagens, gratificações, auxílios, adicionais e abonos à margem da remuneração convencional. Contam-se, por exemplo, 188 variedades de gratificações e 42 auxílios.

Premia-se por “assiduidade” quem comparece ao trabalho. Gratifica-se por “produtividade”, “desempenho”, “aproveitamento”, “responsabilidade técnica”, “qualificação”, “habilitação”, “titulação” e “conhecimento”. Paga-se por “produção”, “resultados” e até por “quebra de caixa” — aparentemente, quando o saldo é positivo. Tem até uma gratificação “extraordinária de Natal”.

Cargos de confiança no governo, na Assembleia ou no Tribunal de Justiça têm adicionais por anuênios, triênios e quinquênios, além de “verba de representação”. Participantes de conselhos ganham “gratificação de órgão de deliberação coletiva”, “jeton” e “honorários”.

Em paralelo, pagam-se adicionais por “titularidade”, por “atribuição” e até por ocupação de cargo de “difícil provimento”. Existem também “retribuições”, como a de “licenciamento de veículos” e a de “exame de direção”.
O estado perdeu o controle das suas contas. Não sabe sequer o valor das renúncias fiscais que concedeu nas últimas três décadas — o TCE estima entre R$ 47 bilhões e R$ 185 bilhões. Há casos de incentivos a só um beneficiário, alguns por tempo indeterminado, e vários decididos sem o aval da Fazenda.

O orçamento estadual é um clássico de conta feita para indicar como será aplicado o dinheiro que já foi gasto. Numa insólita rubrica da folha de pessoal prevê até um bálsamo para dificuldades financeiras: “Adiantamento funeral”.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Onde estão os 4.564 bens que desapareceram da Presidência da República ?

José Casado: O público e o privado

Há dois meses o governo tenta localizar 4.564 bens que desapareceram

 da Presidência — de forma “absolutamente inexplicável” na avaliação

 de auditores do TCU

Por: Augusto Nunes  Resultado de imagem para foto de bens guardados no BB
Publicado no Globo
Michel Temer vai informar a Lula e Dilma que todo o acervo presidencial levado quando deixaram o poder está embargado, pelo menos até a conclusão do inquérito para identificação, origem, natureza (se os bens são públicos ou privados) e eventual incorporação ao patrimônio da União.
O aviso para que se “abstenham de vendê-los ou doá-los” deverá ser encaminhado pelo gabinete pessoal de Temer — informou o Tribunal de Contas em correspondência enviada na tarde de sexta-feira passada ao Palácio do Planalto, ao responder um pedido de “esclarecimentos” da Secretaria de Governo.
Há dois meses o governo tenta localizar 4.564 bens que desapareceram da Presidência — de forma “absolutamente inexplicável” na avaliação de auditores do TCU. Entre 2010 e 2016, a cada 24 horas sumiram dois bens do registro do patrimônio presidencial.
Estavam sob a guarda e responsabilidade dos gestores de 24 unidades e órgãos, entre eles, os palácios do Planalto e da Alvorada, a residência oficial da Granja do Torto, ministérios e secretarias como Casa Civil, Assuntos Estratégicos, Portos, Aviação, Imprensa, Mulheres, Igualdade Racial.
Não se conhece a listagem do que sumiu. Auxiliares de Temer resolveram mantê-la sob sigilo, apesar da posição contrária do tribunal. Sabe-se que dela constam seis obras de arte da Presidência e uma do Museu de Belas Artes (Rio).
Sabe-se, também, que Lula e Dilma guardam 697 peças classificadas como “acervos de natureza museológica e bibliográfica”, recebidas como presentes em reuniões com chefes de Estado e de governo. Lula ficou com 80%, como “mero guardião”, alegam seus advogados, ciente de que o proprietário é “o povo” e sua conservação e preservação “cabe ao poder público”.
Em março passado, ele disse à polícia não saber o valor e a exata localização dos bens:
— Acho que (está) no sindicato nosso, dos metalúrgicos (de São Bernardo-SP). Tem coisa de valor que deve estar guardada em banco… Eu já tomei uma decisão, terminada essa porra desse processo, eu vou entregar isso para o Ministério Público. Vou levar lá e vou falar: “Janot, está aqui, olha, isso aqui te incomodou? Um picareta de Manaus entrou com um processo pra você investigar as coisas que eu ganhei, então você toma conta”.
O delegado insistiu:
— O senhor disse que no sítio (de Atibaia-SP) foi colocada parte dos bens que foram retirados no fim do mandato…
— Eu falei tralhas, que eu nem sei o que é, mas é tralha — retrucou Lula.
— O senhor disse que tem coisa valiosa.
— Eu não sei onde está, mas tem muita coisa valiosa. Tem muita coisa valiosa…
Parte do acervo mantido por Lula já foi mapeado pela polícia. Duas semanas atrás, o juiz Sérgio Moro autorizou uma comissão governamental a catalogar as peças encontradas num cofre do Banco do Brasil, em São Paulo.
O roteiro escrito no Planalto prevê que até janeiro se conclua a “minuciosa identificação dos bens” no cofre do banco. Idêntico procedimento seria adotado sobre o acervo mantido pela ex-presidente Dilma.
Permanecem desaparecidas outras 3.868 peças do patrimônio da Presidência. Ajudam a compor o retrato da resiliência de costumes arcaicos na política, cuja melhor síntese foi feita pelo Barão de Itararé, nos anos 40: “No Brasil, a vida pública é, muitas vezes, a continuação da privada”.

domingo, 16 de outubro de 2016

É sacanagem de todos os lados... e nós aqui esperando a punição !

Investigação do TSE expõe submundo das finanças eleitorais

Inspeção em campanha da chapa Dilma-Temer mostra gasto de R$ 416 mil com caminhada de 1 quilômetro
Dilma Rousseff e Michel Temer (Foto: Orlando Brito)
José Casado, O Globo
Na mesa havia uma montanha de dinheiro: R$ 14 bilhões em contratos, 80% financiados pelo banco estatal BNDES, para a construção da Usina de Belo Monte, no Pará, uma das maiores hidrelétricas do mundo.
O governo Lula decidira obrigar as empreiteiras concorrentes a se juntar num consórcio liderado pelos grupos Andrade Gutierrez, Odebrecht e Camargo Correa. Otávio de Azevedo Marques, então presidente do grupo Andrade Gutierrez, não esquece daquele outono de 2010: “Eu fui chamado pelo deputado, ex-ministro Antonio Palocci, para uma reunião. Na época ele não era ministro, né? Trabalhava na arrecadação de fundos da presidente Dilma, futura presidente, candidata.”

A conversa foi objetiva, contou dias atrás a Herman Benjamin, juiz-corregedor do Tribunal Superior Eleitoral: “Ele me disse que aquela escolha, feita pela ministra Erenice (Guerra, chefe da Casa Civil na época), precisaria ter um entendimento de que havia um projeto político para ser apoiado. E que nós deveríamos recolher 1% do valor dos nossos faturamentos naquele consórcio: 0,5% para o PT e 0,5% para o PMDB.”
As empresas privadas pagaram na proporção da sua participação no negócio, relatou o executivo. À Andrade coube uma fatura de R$ 20 milhões. “Também pagaram nos outros projetos federais?”, quis saber o juiz-auxiliar Bruno Cesar Lorencini, referindo-se às obras em rodovias, ferrovias e aeroportos. “Também houve contribuições”, confirmou o executivo.
O dinheiro de empresas investigadas por corrupção em contratos públicos irrigou o caixa das campanhas da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer (PT-PMDB) nas eleições de 2010 e 2014. Algumas usaram métodos convencionais de lavagem. Outras, como a Andrade, preferiram disfarçar pagamentos como doações eleitorais.
Recursos fartos levaram a um recorde de gastos. Nunca uma campanha presidencial foi tão cara quanto a de 2014. A chapa Dilma-Temer liderou nos votos e na gastança: declarou despesas equivalentes a R$ 514,2 milhões (valor atualizado pelo índice IGPM/FGV). A oposição achou que a derrota foi provocada pelo “abuso de poder econômico” do governo e pediu uma devassa nas contas.
Há 21 meses a Justiça investiga a origem e o destino desses recursos. Financiamento eleitoral ilícito é punível com a cassação dos eleitos. Desde o impedimento de Dilma, em maio, o processo avança no TSE com um único alvo: o antigo vice-presidente. Numa ironia da história, Temer, o sucessor de Dilma, hoje é um presidente “sub judice” — por iniciativa do seu principal avalista político, o PSDB. O inquérito sobre o caixa da campanha presidencial de 2014 está expondo em detalhes, pela primeira vez, como funciona o submundo dos negócios e das finanças eleitorais.
Na quinta-feira, por exemplo, o TSE resolveu decretar a quebra do sigilo de três gráficas (Red Seg, Focal e VTPB). Juntas, teriam sido responsáveis por 15% dos gastos totais declarados pela chapa DilmaTemer na eleição de 2014. A documentação coletada mostra o seguinte: do total de despesa declarada pela chapa PT-PMDB com serviços dessas empresas (R$ 77 milhões, em valores corrigidos), o tribunal só conseguiu comprovar regularidade sobre 21% (R$ 16,1 milhões).
Significa que só existem comprovantes fiscais para R$ 16 de cada R$ 100 gastos pela chapa Dilma-Temer nessas gráficas. Dois terços desses gastos da chapa Dilma-Temer foram concentrados em gráficas (Focal e VTPB) que não dispunham de empregados ou maquinário suficiente e multiplicaram por dez seu movimento de caixa com “serviços” ao PT e PMDB nas eleições presidenciais de 2010 e 2014.
Criada como empresa de “banca de jornais e revistas”, a VTPB se transformou em “impressora de material publicitário” em julho de 2014, às vésperas da campanha eleitoral. É controlada por Beckembauer Rivelino de Alencar Braga, filiado ao PT paulista, segundo o TSE. Já a Focal tem como controlador Carlos Alberto Cortegoso, militante do PT mineiro com histórico em inquéritos sobre lavagem de dinheiro na política.
Foi personagem no caso do mensalão, delatado pelo publicitário Marcos Valério Fernandes, que repassou-lhe R$ 1 milhão (valor atualizado). Cortegoso também aparece em dois processos sobre corrupção em curso na Justiça Federal, em Curitiba. Num deles figura como receptor de sete imóveis do pecuarista José Carlos Bumlai, que se confessou à Justiça como o “trouxa perfeito do PT” em negócios ilícitos com a Petrobras.
Em outro foi delatado como intermediário da empresa Consist na lavagem de R$ 67 milhões para o PT (80% obtidos na cobrança de taxas ilegais sobre empréstimos consignados tomados por servidores do Ministério do Planejamento). Ao conferir as despesas declaradas pela chapa Dilma-Temer em 2014, peritos judiciais estranharam pagamentos elevados por alguns “serviços” em eventos de campanha.
À Focal, por exemplo, pagou-se R$ 204 mil pela “organização” de um “comício de Michel Temer na quadra da Portela”, no Rio. E R$ 431 mil pela “organização” de uma “coletiva de imprensa no Hotel Royal Tulip Brasília” para Dilma. Os documentos apresentados para justificar gastos de R$ 77 milhões com as gráficas são sugestivos. A “organização” de carreatas custou R$ 390 mil em Aracaju, R$ 204 mil em Campinas e R$ 138 mil em Padre Miguel, no Rio.
Gastou-se R$ 322 mil para “organizar” uma caminhada de Dilma em Canoas (RS). Outros R$ 416 mil num percurso de 1,3 mil metros no Centro do Recife, e R$ 127 mil em 500 metros da rua Barão de Itapetininga, em São Paulo. Cobrou-se R$ 404 mil pela “organização” de um encontro de Dilma com estudantes em Maceió. E R$ 314 mil pela reunião com artistas no Leblon, Rio. E um “ato pela Igualdade Racial”, em Nova Lima (MG), custou R$ 302 mil.
Os preços da “organização” de comícios oscilaram entre R$ 433 mil (Guaianases, SP), R$ 639 mil (Goiânia) e R$ 719 mil (Ceilândia, DF). Nesses eventos, supostamente, foi consumida parte dos 693 milhões de santinhos da chapa Dilma-Temer que teriam sido impressos por uma das gráficas sob investigação. Volume suficiente para distribuir três panfletos a cada brasileiro, com ou sem título de eleitor.
Dilma Rousseff e Michel Temer (Foto: Orlando Brito)

terça-feira, 16 de agosto de 2016

"O 'trouxa e a 'inocenta'" / José Casado

O "trouxa" e a "inocenta" - 

JOSÉ CASADO

O GLOBO - 16/08

Dilma e Bumlai, o amigo de Lula, culpam o PT por suas dores. Ela se acha traída. Ele se vê como o otário usado para pagar a conta de uma suposta chantagem contra Lula



Ela se considera vítima do próprio partido e da oposição, traída pelos aliados e até hoje perseguida pelos assassinos e torturadores da ditadura acabada 31 anos atrás. Ele se acha “trouxa”, otário, simplório, fácil de ser enganado.

Foi dessa forma que a ex-presidente Dilma Rousseff e o pecuarista José Carlos Bumlai se apresentaram nos últimos dias.

Dilma, em defesa prévia, culpou o PT por “responsabilidade” no pagamento ilícito de US$ 4,5 milhões aos publicitários João Santana e Mônica Moura para saldar dívidas da sua campanha presidencial de 2010.

O dinheiro teve origem em propinas cobradas pelo ex-secretário de Finanças do PT João Vaccari sobre os contratos da Petrobras com o um estaleiro de Cingapura, Keppel Fels — contou no tribunal o engenheiro Zwi Skornicki, intermediário de repasses mensais de US$ 500 mil para Santana, via Suíça, entre setembro de 2013 e outubro de 2014, quando Dilma foi reeleita.

Era um segredo das campanhas presidenciais de 2010 e 2014: “Achava que isso poderia prejudicar profundamente a presidente Dilma”, disse Santana, em juízo, ao explicar por que não contara antes. “Eu que ajudei, de certa maneira, a eleição dela, não seria a pessoa que iria destruir a presidente. Nessa época (da sua prisão, em fevereiro deste ano), já se iniciava um processo de impeachment”.

Há mais coisas ocultas. Envolvem o fluxo de dinheiro da Odebrecht para campanhas de Dilma, Lula e outros do PT. Ficaram reservadas à colaboração premiada cujo desfecho talvez coincida com o impeachment no Senado.

Nesse outro processo, a “presidenta inocenta” — segundo o golpismo gramatical da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) — apresentou sexta-feira uma defesa de 675 páginas. Nela se definiu como vítima de uma “farsa” marcada pelo “desvio de poder, pela traição, pela desonestidade e pela ilegalidade”. Amaldiçoou quem discorda: “Nunca poderão afastar das suas mentes a lembrança dos que morreram e foram torturados.”
Se confirmado o epílogo, Dilma estará fora do baralho, inelegível aos 68 anos de idade. E, sem imunidade, passa ao centro das investigações sobre corrupção na Petrobras. Isso porque os publicitários confirmaram seu aval para operações ilegais com fornecedores da estatal.

Como Dilma, o pecuarista Bumlai também culpa o PT por suas dores. Apresentou uma defesa em 70 páginas na sexta-feira. Delas emerge como o “amigo de Lula” que aos 72 anos coleciona doenças, carros (23) e imóveis (23) — entre eles, uma fazenda de R$ 90,4 milhões. Bumlai se define, literalmente, como “um trouxa usado pelo PT e pelo Banco Schahin” na lavagem de R$ 12 milhões.
Esse dinheiro teria sido usado, em parte, para pagamento de uma suposta chantagem sobre Lula, quando era presidente da República. O objetivo era evitar revelações sobre o sequestro, a tortura e o assassinato do prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel, no ano eleitoral de 2002. A vítima teria descoberto desvio dos cofres municipais para o caixa do PT.

O caso permaneceu à sombra por 14 anos. Ressurgiu no juízo de Curitiba pela voz de Bumlai, agora no improvável papel de “trouxa” — confissão que lhe abriu o caminho para um acordo de delação premiada.


quarta-feira, 3 de agosto de 2016

"A questão central é outra: a criatura Dilma, tal qual o criador Lula, habituou-se a não aceitar qualquer decisão que não seja sua..." José Casado

O epílogo

Sem dinheiro para viagens, Dilma rascunha carta com proposta ao Senado para comandar um inédito suicídio político coletivo
José Casado, O Globo
Acabou o dinheiro. Sem novas fontes de financiamento, Dilma Rousseff se vê obrigada a atropelar o plano feito antes do afastamento da Presidência, interrompendo sua agenda de campanha contra o impeachment.
A presidente Dilma Rousseff durante cerimônia da tocha olímpica (Foto: Dida Sampaio / Estadão)
Agora, atravessa os dias no Palácio da Alvorada entretendo-se com poucos senadores aliados na escrita de uma “Carta aos brasileiros”. Nela pretende repisar a denúncia do “golpe” e a promessa de enviar ao Congresso propostas para convocação de plebiscito e “eleições gerais antecipadas”. Ou seja, afastada e às vésperas da provável deposição, planeja apelar pela salvação aos 81 senadores, propondo-lhes a renúncia coletiva.
Sendo possível, comandaria, então, um inédito suicídio político coletivo (um terço dos senadores, por exemplo, abandonaria os próximos cinco anos de legislatura garantidos em 2014).
Lideraria, também, um autêntico golpe, porque a proposta embute redução à metade — sem consulta prévia — dos mandatos de 513 deputados federais, de 27 governadores e de 1.030 deputados estaduais (desconhece-se o que planeja fazer com os suplentes).
A divulgação da carta está prevista para quarta-feira, 24. Por coincidência, nesse dia completam-se 62 anos do suicídio de Getúlio Vargas, o “pai dos pobres”, como era biblicamente qualificado por sua seção de propaganda, em tentativa de recauchutar-lhe a imagem de ditador.
Se confirmadas as previsões, quando setembro chegar Dilma estará destituída do cargo de presidente. Numa ironia da história, vai à galeria presidencial ladeando Fernando Collor, cujo processo de impedimento (por corrupção) começou numa primavera de 24 anos atrás, embalado pelo PT de Lula que então se apresentava como único partido ético do país.
Há meses, ela alimenta a ilusão de que não poderia ser ser punida com o impeachment. Propaga a honestidade, em contraste, repetindo por onde passa: “Eu não recebi dinheiro de propina, eu não recebo dinheiro de corrupção”. Até agora, ninguém apresentou prova contrária.
A questão central é outra: a criatura Dilma, tal qual o criador Lula, habituou-se a não aceitar qualquer decisão que não seja sua — foi dessa forma que o líder a impôs como sucessora. Por isso, entende o impeachment como “golpe”.
A legislação sob a qual está sendo julgada foi promulgada em abril de 1950, dois anos e quatro meses depois que Dilma saiu da Maternidade São Lucas, em Belo Horizonte. Ela prevê submissão de governantes a processo por crimes de responsabilidade — “ainda quando simplesmente tentados”, define —, em atos contra a Constituição “e especialmente contra (...) a lei orçamentária, a probidade na administração, a guarda e o legal emprego dos dinheiro públicos”.
Pode-se argumentar juridicamente sobre conceitos de orçamento, probidade e zelo pelo Erário, como fez na sua legítima defesa de mais de 500 páginas, que hoje devem ser refutadas pelo relator do processo no Senado.
O problema de Dilma continua sendo o fato de que, impondo-se na vida privada uma disciplina quase militar, só admite a hierarquia das próprias decisões. Aparentemente, escapou-lhe a compreensão de que no setor público só é permitido aos servidores fazer aquilo que a Constituição e as leis permitem expressamente.
No epílogo, seria carta fora do baralho até completar 73 anos, em 2022.
Dilma Rousseff (Foto: Dida Sampaio / Estadão)