Cinco razões para descrer da intervenção no Rio
Josias de Souza
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Claro que a ideia de uma intervenção capaz de pacificar o Rio de Janeiro é sedutora. Mas a versão segundo a qual as Forças Armadas travarão contra a bandidagem aquilo que Michel Temer chamou de “batalha em que nosso único caminho só pode ser o sucesso” transforma a iniciativa numa espécie de teatro de bonecos —do tipo em que o boneco é manipulado por pessoas vestidas de preto dos pés à cabeça.
Na coreografia do Rio, os manipuladores de Brasília querem que você acredite que o boneco-interventor (pode me chamar de general Walter Souza Braga Netto), levando a virtude no coldre e distribuindo rajadas de civilização, vai estraçalhar o crime organizado em dez meses. E Temer, em Brasília, vibrando. Reconquistando por procuração, sem sair do Jaburu, o território que separa as praias dos morros cariocas. Vão abaixo cinco razões para você não fazer papel de bobo.
1. Faltou planejamento: Decidida na terça-feira de Carnaval, a intervenção foi sacramentada na madrugada de sexta-feira. O decreto foi redigido a toque de caixa. O interventor Braga Netto, recém-chegado das férias, desconhecia a intervenção até 5 horas antes de sua efetivação. A absoluta ausência de planejamento revela que Michel Temer encontrou na astrologia, na quiromancia ou no tarô o otimismo que o levou a prometer que ''o governo dará respostas duras, firmes e adotará todas as providências necessárias para derrotar o crime organizado e as quadrilhas”, devolvendo a paz ao Rio até 31 de dezembro de 2018.
2. Falta Dinheiro: A União está endividada até a raiz dos seus cabelos, caro contribuinte. E a penúria, ninguém ignora, é o caminho mais longo entre um projejo e sua realização. Pois bem. Até o momento, o governo federal não disse uma mísera palavra sobre o custo financeiro da intervenção no Rio. Ao blog, um integrante do staff do ministro Henrique Meirelles (Fazenda) disse que é impossível estimar quanto será aplicado no Rio. Por quê? Ora, muito simples: não havendo planejamento, não há como fazer as contas. De antemão, o auxiliar de Meirelles reitera o óvio: “O cobertor do Tesouro Nacional é curto.”
3. Falta sintonia: Para Temer, o crime organizado do Rio é “uma metástase que se espalha pelo país”. Perguntou-se ao general-interventor se a coisa é mesmo tão grave. E Braga Netto, fazendo sinal de negativo com o dedo: “Muita mídia.” Quer dizer: como um médico que prefere culpar a radiografia a tratar a doença, o general parece responsabilizar o noticiário pela proliferação do sangue, dos assaltos e da violência. O primeiro passo para resolver um problema é falar a mesma língua. Mas Temer e seu preposto conseguem se desentender falando o mesmo idioma.
4. Sobra desconfiança: Na analogia construída pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a intervenção federal no Rio é comparável a um “salto triplo sem rede”. O deputado acrescentou: “Não dá para errar”. A metáfora circense é muito apropriada, pois os personagens envolvidos no trapézio da intervenção precisariam confiar um no outro de olhos fechados. Contudo, o próprio Maia, em privado, manifesta dúvidas quanto aos objetivos de Temer. E membros do alto comando do Exército suspeitam que a iniciativa tenha propósitos meramente eleitoreiros.
5. Falta nexo: em outubro de 2017, o ministro Torquato Jardim (Justiça) fez um diagnóstico aterrador da segurança pública no Rio. Conforme noticiado aqui, Torquato declarou que o governador Luiz Fernando Pezão e o secretário de Segurança do Estado, Roberto Sá, agora demissionário, não controlam a Polícia Militar. Pior: o comando da PM no Rio decorre de “acerto com deputado estadual e o crime organizado.” Muito pior: “Comandantes de batalhão são sócios do crime organizado no Rio.”
As declarações de Torquato abriram uma crise entre os palácios do Planalto e da Guanabara. Contudo, autoridades de Brasília admitiam longe dos refletores que o quadro era, já naquela época, de intervenção. Alegava-se que faltava a Brasília, além de dinheiro, autoridade moral para combater a corrupção alheia.
Cabe perguntar: com que autoridade o general Braga Netto, sendo um ''boneco'' de Temer, vai expurgar os corruptos da polícia? Ora, o presidente da República, ele próprio um colecionador de denúncias criminais, não demite auxiliares denunciados por ladroagem. Tampouco se importa de conviver com o correligionário Luiz Fernando Pezão, ex-secretário de Obras e ex-vice na gestão cleptocrata do presidiário Sergio Cabral.
É contra esse pano de fundo, tão impregnado de cinismo e hipocrisia, que a intervenção no Rio fica parecida com o teatro de bonecos. A diferença é que, no teatro original, a presença dos manipulares de preto no palco é enfatizada. O fingimento da plateia é parte do espetáculo. No palco organizado por Brasília, os manipuladores pedem que você acredite que eles não estão lá e que o general Braga Netto tem ampla autonomia e meios ilimitados para alcançar seus objetivos. . Ou seja: há mais verdade no teatro de mentirinha do que na pantomima da intervenção..