Postagem em destaque

Uma crônica que tem perdão, indulto, desafio, crítica, poder...

Mostrando postagens com marcador Misery Index. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Misery Index. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 4 de maio de 2016

"O Índice de Mal-Estar, ou Misery Index'' mede a qualidade de vida do cidadão médio...

Malaise -

 MONICA DE BOLLE

O ESTADÃO - 04/05

Malaise, martírio, padecimento, mal-estar. Sensação profunda de desconforto, de desilusão, suor frio de angústia no corpo, gelado pelo desespero que procura os limites do intervalo entre duas felicidades. Enquanto o Brasil discute as coisas da política e a insensatez de nossa governante, o sofrimento da população é desnudado pelos indicadores econômicos, dados que expõem com frieza exata histórias de desalento e amargura, histórias de um cotidiano de desvarios.

Economistas valem-se de artifícios diversos para medir o bem-estar de diferentes sociedades: do PIB à distribuição de renda, dos subjetivos “índices de felicidade” ao concreto índice de desenvolvimento humano. Mas este não é um artigo sobre o bem-estar. Este artigo é sobre o mal-estar, a malaise que assola toda a população brasileira, sobretudo a classe média vulnerável, a classe C, aquela que desaparece depois de tanto furor.
O Índice de Mal-Estar, ou Misery Index, foi criado pelo economista americano Arthur Okun com o intuito de medir a qualidade de vida do cidadão médio de um país. Trata-se de indicador simples, da soma entre a taxa média de inflação de determinado período com a taxa de desemprego do mesmo período. O Índice de Mal-Estar dos EUA, depois de atingir 11,2 em 2010, caiu mais da metade, para 5,3 no ano passado. Em 2015, o Índice de Mal-Estar da China era de 7,2, do México, 6,9; da Colômbia, 13,8. O Índice de Mal-Estar do Brasil, usando os dados da Pnad Contínua trimestral do IBGE, foi de 19,7 em 2015, ou quase o dobro do ano anterior. Ou seja, a aguda acentuação da malaise é inequívoca. Interpelada dia desses aqui nos EUA sobre o porquê de não estarmos vendo tantos defensores de Dilma nas ruas, estridências golpistas à parte, respondi em números. Meu interlocutor preferiu não brigar com os dados, um sábio.

A tragédia brasileira vai ainda mais longe do que expus. O Índice de Mal-Estar brasileiro tal qual calculado dá uma ideia do que acontece com a economia como um todo. Mas e as classes mais desfavorecidas? E a classe média vulnerável? Afinal, o que tem ocorrido com a classe C? Ainda usando os dados abertos da Pnad Contínua do IBGE e utilizando o IPC-C1 compilado pela Fundação Getúlio Vargas, isto é, a chamada “inflação da baixa renda” frequentemente citada nos jornais, constata-se o seguinte: 16,2% da camada da população brasileira com ensino médio incompleto ou equivalente estava desempregada no último trimestre de 2015 - no mesmo período de 2014, a taxa de desemprego para essa faixa da sociedade era de 11,6%. Se tomarmos essa camada da população como proxy para a chamada classe C, e levarmos em conta que a inflação medida pelo IPC-C1 da FGV em 2015 foi de 11,5%, ou seja, cerca de 1 ponto porcentual maior do que a inflação para o ano medida pelo IPCA, chegamos a um Índice de Mal-Estar de 27,7 para esse estrato da população brasileira.

Tal constatação merece destaque. Enquanto o Índice de Mal-Estar Nacional subiu espantosamente entre 2014 e 2015, apenas em 2015 o Mal-Estar, o sofrimento, a malaise da classe C foi cerca de 40% maior do que se viu em todo o País. Trocando em miúdos, a classe C, aquela que surgiu gloriosa nos anos do lulopetismo em razão de políticas que claramente não tinham sustentação de longo prazo é, hoje, a que mais sofre as consequências do desastre econômico brasileiro, conforme muitos de nós alertamos.

Dilma insiste em vender a quem ainda lhe der ouvidos a ideia de que os problemas do desemprego no Brasil são fruto da crise externa. Contudo, a classe C sofrida, essa cujo mal-estar clama pela trégua, pelo fim da desgraça, não perdeu empregos por causa da crise internacional. A classe C perdeu empregos, sobretudo, nos setores de serviços e comércio, estrangulados pela recessão. Eis, portanto, mais um desafio para o governo que vier: o resgate urgente de uma classe C reduzida a pó pela grande mentira do lulopetismo.

Deixo-os, leitores, com duas reflexões:

“O sofrimento é o intervalo entre duas felicidades.” (Vinicius de Moraes)

“Suporta-se com paciência a cólica dos outros.” (Machado de Assis)

Escolham a sua preferida.



*Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Johns Hopkins University