‘Uma emergência com falsos atores’, por Antonio Tabet
Um diálogo entre um prefeito e seu assessor
POR ANTONIO TABET*
04/09/2016 4:30
RIO - O prefeito contava uma piada — velha, diga-se de passagem — para fazer média com um mafioso dono de uma empresa de ônibus da Zona Oeste quando Jorge, o esbaforido assessor, abriu de repente a porta do gabinete para espanto geral.
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— Prefeito, com licença...
— Que foi, Jorge? Que cara é essa?
— Desculpe interromper, mas é que... aconteceu uma emergência.
— Putz grila, Jorge. O que desabou agora?
— Não caiu nada, senhor prefeito. Graças a Deus!
— Ufa! Então fala logo de uma vez, que eu vou pra Angra com as crianças ainda hoje.
— Não vai, não.
— Como é que é?
— É que acabaram de invadir a casa do senhor lá, prefeito.
— Quem invadiu?
— Os sem-terra.
— Peraí, Jorge. Os sem-terra invadiram uma casa num condomínio em Angra? O MST não faz isso!
— É que esses não são do MST, prefeito.
— E são de onde?
— Esses são o MSTCT.
— MSTCT?!? Que que é isso?
— Movimento dos Sem Terra Com Terra. É um braço deles, mas menos à esquerda da esquerda. Eles têm mais recursos, senhor.
— Sem Terra Com Terra?!? Pede meu helicóptero que eu vou lá agora acabar com essa palhaçada pessoalmente.
— Não vai, não.
— Como não?
— Bloquearam o heliponto e a saída aqui fora.
— Quem bloqueou?
— Os estudantes.
— Que estudantes?
— Que não estudam. Os estudantes profissionais!
— E desde quando existe esse troço de estudante profissional?
— Desde que enchemos as universidades públicas com essa molecadinha de escola particular.
— Então expulsa todo mundo.
— Não adianta. Tá cheio de imprensa lá fora apoiando o movimento.
— A mídia tá do lado deles?
— Só a independente mesmo. Aquela que dependia de propaganda do governo. Esses jornalistas que não estão em nenhum jornal estão putos. E os intelectuais também.
— Que intelectuais?
— Os que não estão pensando direito, prefeito.
— Cansei. Sabe o que eu vou fazer? Vou ligar pro Major Gouveia tirar geral na marra.
— Não vai, não.
— Ai, minha caceta! Que foi agora?
— A Polícia entrou em greve.
— E quem convocou?
— Os sindicalistas que não trabalham.
— E isso é legal?
— Os legalistas que defendem ilegalidades disseram que é.
— Mas o que aconteceu pra essa gente se mobilizar? O que eles querem?
— Estão pedindo justamente o fim da Polícia Militar. Vê se pode!
— Por que estão pedindo isso?
— Porque um soldado prendeu num ecopacifista que estava atirando rojões na PM e queimando pneus.
— Mas PM nem é assunto do município, pô! Eu sou prefeito. Quem pode fazer alguma coisa é o governador.
— Que governador, prefeito?
— Como qual governador, Jorge?
— O que não governa?