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segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

"Guerra de narrativas " // Murillo de Aragão




Guerra de narrativas 

MURILLO DE ARAGÃO

REVISTA ÉPOCA
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Sair do País por um tempo, ainda que breve, sempre é bom. Em especial para nos desintoxicarmos das narrativas que circulam intensamente no Brasil. O Brasil de hoje vive uma guerra de narrativas. Membros do Ministério Público anunciam, a cada instante, que a Operação Lava Jato pode acabar por isso e por aquilo. Outros dizem que as eleições presidenciais só serão legítimas com a participação do ex-presidente Lula na disputa. Ou que a democracia brasileira caminha para o abismo porque o 4º Tribunal Regional Federal confirmou a condenação de Lula e ainda aumentou a pena estipulada na primeira instância. Pelo seu lado, o juiz Sérgio Moro justifica receber auxílio-moradia dizendo que o benefício compensa a falta de reajuste salarial entre a classe, mesmo sendo dono de apartamento na cidade em que vive.

Adversários da Reforma da Previdência afirmam que não existem privilégios a serem combatidos no sistema previdenciário brasileiro. Outros apregoam a impossibilidade de votá-la, embora o tema esteja na pauta. O que será que vai acontecer? Apesar do alarmismo de alguns, a Lava-Jato não morreu nem vai morrer sem antes causar mais estragos na política nacional.

Lula será ficha-suja e nem por isso a democracia brasileira irá para o abismo. Com ou sem Lula, as eleições serão legítimas. Aliás, mais legítimas do que as últimas, turbinadas pelo doping ilegal e imoral das doações por dentro e por fora (via caixa dois). A reforma da Previdência, apesar de ir contra os interesses das corporações, será aprovada, nem que seja aos poucos e em fatias. Moro e os demais juízes continuarão a receber auxílios diversificados mesmo obtendo reajustes salariais.

A guerra de narrativas sempre fez parte da realidade humana. A questão atual é a sua intensidade, por conta dos avanços tecnológicos. Qualquer um pode se inserir no mundo midiático com suas narrativas pessoais. Daí surgirem, do nada, blogueiros e youtubers a caminho da consagração. Em sendo uma guerra, quem é a vítima? Basicamente, a verdade. O que fazer?

Ter uma postura cética acerca de tudo o que é dito é uma boa decisão. Sabemos que a verdade está contaminada. Aliás, sempre esteve. É preciso filtrar o que é dito. Devemos também desenvolver mecanismos de validação sobre quem diz o quê e como. Afinal, não podemos duvidar de tudo e de todos a todo o momento. Paradoxalmente, duvidar e ter confiança são os melhores caminhos para bem viver no mundo de hoje. A questão é saber como. A saída é a reflexão. Como disse Virginia Wolf, o único conselho que uma pessoa pode dar para outra sobre ler notícias “é não seguir conselho de ninguém, seguir seus instintos, usar sua razão e chegar às suas próprias conclusões”.

Vale para a guerra de narrativas dos tempos atuais.

sábado, 3 de fevereiro de 2018

"O Brasil é réu confesso "/ Guilherme Fiuza

O Brasil é réu confesso 

 GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA

Se o povo disse “vai fundo companheiro”, você não vai ficar remoendo a culpa com esse jardim das delícias entregue generosamente ao seu desfrute


Num certo dia tenebroso do ano da graça de 2005, Luiz Inácio da Silva olhou-se no espelho e viu refletida a expressão universal para o momento em que a vaca toma o rumo do brejo: “Ferrou” – com uma palavrinha um pouco diferente, claro, também com F. O Brasil tinha descoberto o escândalo do mensalão, um duto nunca visto de dinheiro do contribuinte para o partido do presidente, com a formação de um caixa milionário para a compra de deputados, partidos e outros agentes públicos. Fim da linha – era só uma questão de tentar sobreviver ao cataclisma.

Que nada. O espelho mentiu para Lula. Não era o fim coisa nenhuma, era só o começo. O filho do Brasil tinha subestimado a catatonia de papai. Ele ainda chegou a ir a público pedir desculpas – se arrependimento matasse... –, mal sabendo que o país não só passaria a mão na cabeça do seu vigarista predileto, como o reelegeria um ano depois.

Claro que o felizardo voltou para diante do espelho cheio de moral(sic), querendo saber então qual era o limite daquele maravilhoso cheque em branco: espelho, espelho meu, se eu meti a mão no mensalão e me disseram para ir em frente, o céu é o limite? O espelho rosnou uma resposta mal-humorada: para de falar em limite, otário, vai ser feliz.

E aí Lula não teve medo de ser feliz, como mandava o jingle da sua primeira campanha presidencial. Chega a ser comovente cruzar as datas do mensalão e do petrolão e constatar que, em meio ao dramático e desnecessário pedido de desculpas em 2005, o grande chefe estava em plenas tratativas para a execução da negociata da Refinaria de Pasadena. Desinibição é tudo.

Inibido você não rouba nem um pirulito de uma criança. Muito menos a maior empresa pública do país, que você passou a vida jurando defender porque é do povo, e menos ainda depois de já ter sido flagrado roubando o maior banco público do país, que você também passou a vida jurando defender porque é do povo. Mas, se o povo disse “Vai fundo, companheiro”, aí já não é mais problema seu. E você não vai ficar por aí remoendo culpa, com esse jardim das delícias entregue generosamente ao seu desfrute.

Então não perca a conta. Se depois dessa epopeia mágica de mais de década Lula é heptarréu, o Brasil é no mínimo tetra. O primeiro processo criminal contra esse país conivente e fanfarrão se refere ao mensalão, lavado e enxaguado nas urnas com a reeleição triunfal do chefe do escândalo. O segundo crime foi cometido na eleição seguinte, quando o bandido bom ofereceu ao país uma sucessora, por assim dizer, inacreditável – com flagrantes dificuldades cognitivas, para dizer o mínimo.

Mas, se o mínimo parecer pouco, acrescente-se: em plena campanha presidencial, a tal candidata inacreditável teve sua principal aliada e futura ministra flagrada transformando a chefia da Casa Civil num bazar de tráfico de influência. Tudo isso esfregado com detalhes sórdidos na cara do Brasil, que foi lá e avalizou a nova trampolinagem de Lula.

Aí esse Brasil ficha suja não teve medo de ser desgraçado e cometeu mais um crime – esse, sem dúvida, hediondo: com quase um ano de operação Lava Jato expondo as tripas do maior assalto governamental da história, regido por Lula e por sua inacreditável sucessora, o país foi lá e renovou a licença para roubar, reelegendo a quadrilha para seu quarto mandato. Contando ninguém acredita.

Alguém pode ponderar que, afinal, foi um resultado dividido... Ponderação recusada. Um país que queira ser chamado de país, com o nível de informação que já tinha sobre a longa e profunda rapinagem, tinha de ter escorraçado a gangue sem margem de erro. Pois espere que vem aí o quarto crime.

Depois do impeachment da inacreditável governanta, o Brasil deu corda a uma conspiração montada por um procurador-geral picareta e um açougueiro biônico do PT, com a cumplicidade dos supremos companheiros. O golpe de Estado só não vingou porque era muito vagabundo, mas evitou a morte da lenda (coitada) – embaralhando a percepção da opinião pública (pobrezinha) sobre os 13 anos de estupro.

Foi assim que Lula pôde chegar para acompanhar seu julgamento de jatinho e fazendo coraçãozinho com as mãos – essas que já estariam há muito algemadas se não fossem os crimes em série do Brasil, réu confesso.


sexta-feira, 17 de novembro de 2017

"A proclamação da vadiagem" / Ruth de Aquino

RUTH DE AQUINO

A proclamação da vadiagem

Senadores, deputados e vereadores costumam enforcar o orçamento e o cidadão comum

RUTH DE AQUINO
17/11/2017 - 17h24 - Atualizado 17/11/2017 17h24
Só no Brasil um feriado na quarta-feira, a Proclamação da República, enseja o enforcamento de dois dias úteis, quinta-feira e sexta-feira, numa vadiagem emendada com o feriado de segunda-feira, o Dia da Consciência Negra, e muito sol, calor, feijoada, churrasco e caipirinha, para só voltar a trabalhar na terça-feira, como se navegássemos numa economia abundante, com alta produtividade e pleno emprego.
Temos feriados para todo gosto, de nacionais a municipais, datas comemorativas, homenagens a minorias e categorias, carnavais oficiais e facultativos, revoluções, celebrações religiosas, tudo para endeusar o ócio. Neste ano, “emendamos” nove feriados. Em 2018, serão dez. A classe que mais folga é, claro, a classe política, que também desfruta os recessos. Quando não estão em férias, os senadores, deputados e vereadores costumam enforcar o orçamento, o contribuinte e o cidadão comum.
Esta última sexta-feira viu, no entanto, um movimento inédito e espontâneo de suspensão de lazer na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a Alerj. Deputados decidiram sacrificar a folga para tentar se unir e livrar da prisão o presidente da Assembleia, Jorge Picciani, e os colegas Paulo Melo, ex-presidente da Alerj, e Edson Albertassi, todos do PMDB. 
A enorme pressão popular para que a decisão da Justiça seja respeitada não sensibiliza, porém, quem já vive em águas turvas. São aliados e afilhados da turma que asfixiou o Rio sem pena nas últimas décadas. O governador Pezão é um exemplo dessa lealdade canina: fez tudo nos últimos dias para empossar Edson Albertassi no Tribunal de Contas do Estado, até demitiu seu procurador-geral, que era contra a nomeação. E agora, Pezão?
O “trio dos corruptos” foi preso na Operação Cadeia Velha. Os três também foram afastados de seus mandatos, por decisão unânime do Tribunal Regional Federal da 2a Região (TRF-2) no Rio. Picciani teria recebido R$ 77 milhões em propina só da Fetranspor – empresas de ônibus. Paulo Melo teria recebido R$ 54 milhões. E Edson Albertassi só uma “gorjeta” de até R$ 4 milhões. 
Os valores variam e perdemos a noção da fronteira entre realidade e ficção. Por que motivo alguém faz tudo para ganhar ilegalmente, em propina, um dinheiro que jamais conseguirá gastar, nem nas próximas gerações? Eles não perdem o sono?
Sabemos que o que normalmente vem à tona deve ser apenas um pedaço da fortuna desviada dos cofres públicos e das obras públicas. Os juízes decidiram que era necessário “afastá-los do convívio da sociedade” para impedir que continuassem a praticar crimes de lavagem de dinheiro. Foram passar a noite com o capo Sérgio Cabral,  no presídio de Benfica, num verão precoce de 40 graus. Faz um ano exatamente que Cabral está preso. O ex-governador já foi condenado em três dos 16 processos contra ele. Ao todo, as penas contra Cabral somam 72 anos de prisão.
O dia 17 de novembro é uma data comemorativa na Lava Jato carioca. O juiz Marcelo Bretas, que comanda a operação no Rio, expressou, em entrevista ao jornal O Globo, o sentimento de estupor da sociedade: “O que me assustou foi a extensão e a capilaridade (no Rio de Janeiro). Parece que tem mais gente envolvida do que não envolvida. É uma metástase”.
Jorge Picciani começou a mexer os pauzinhos da política do Rio pouco depois de ser eleito deputado estadual há 27 anos.  Sua carreira foi meteórica. Foi secretário de Esporte de Leonel Brizola, sucessor de Cabral como presidente da Alerj no governo Rosinha Garotinho, não conseguiu tornar-se senador pelas mãos de Cabral, mas voltou à Alerj em 2014. Tornou-se presidente da Assembleia pela quinta vez, em 2015, com o voto de 65 dos 70 deputados. Com esse poder todo, enfiou no governo Temer seu filho Leonardo Picciani no Ministério do Esporte. Leonardo também foi denunciado agora pelo marqueteiro Renato Pereira por pedido de propina. Seu irmão, o empresário Felipe Picciani, foi preso, acusado de lavar dinheiro sujo. Formam apenas mais um clã familiar na política nacional.
Cadeia Velha é um nome adequado para velhos bandidos, velhas práticas, velha política, velha vadiagem. A Alerj foi obrigada a convocar sessão extraordinária, em um dia que deveria ser útil e ordinário. Com o objetivo claro de limpar a barra do “padrinho”, o maior amigo da insaciável Fetranspor, que o populacho apelidou (por que será?) de “máfia dos ônibus”.
Que venham tempos novos, mais éticos, mais produtivos, não só no Rio, mas no resto do país, para voltarmos a crescer e a acreditar. E que o Supremo Tribunal Federal, alô Cármen Lúcia, se dê conta de que o Legislativo no Brasil não tem a menor condição de julgar seus pares e dar a última palavra.
Esta última sexta-feira viu, no entanto, um movimento inédito e espontâneo de suspensão de lazer na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a Alerj. Deputados decidiram sacrificar a folga para tentar se unir e livrar da prisão o presidente da Assembleia, Jorge Picciani, e os colegas Paulo Melo, ex-presidente da Alerj, e Edson Albertassi, todos do PMDB. 

O “trio dos corruptos” foi preso na Operação Cadeia Velha. Os três também foram afastados de seus mandatos, por decisão unânime do Tribunal Regional Federal da 2a Região (TRF-2) no Rio. Picciani teria recebido R$ 77 milhões em propina só da Fetranspor – empresas de ônibus. Paulo Melo teria recebido R$ 54 milhões. E Edson Albertassi só uma “gorjeta” de até R$ 4 milhões. 
Os valores variam e perdemos a noção da fronteira entre realidade e ficção. Por que motivo alguém faz tudo para ganhar ilegalmente, em propina, um dinheiro que jamais conseguirá gastar, nem nas próximas gerações? Eles não perdem o sono?
Sabemos que o que normalmente vem à tona deve ser apenas um pedaço da fortuna desviada dos cofres públicos e das obras públicas. Os juízes decidiram que era necessário “afastá-los do convívio da sociedade” para impedir que continuassem a praticar crimes de lavagem de dinheiro. Foram passar a noite com o capo Sérgio Cabral,  no presídio de Benfica, num verão precoce de 40 graus. Faz um ano exatamente que Cabral está preso. O ex-governador já foi condenado em três dos 16 processos contra ele. Ao todo, as penas contra Cabral somam 72 anos de prisão.
O dia 17 de novembro é uma data comemorativa na Lava Jato carioca. O juiz Marcelo Bretas, que comanda a operação no Rio, expressou, em entrevista ao jornal O Globo, o sentimento de estupor da sociedade: “O que me assustou foi a extensão e a capilaridade (no Rio de Janeiro). Parece que tem mais gente envolvida do que não envolvida. É uma metástase”.
Jorge Picciani começou a mexer os pauzinhos da política do Rio pouco depois de ser eleito deputado estadual há 27 anos.  Sua carreira foi meteórica. Foi secretário de Esporte de Leonel Brizola, sucessor de Cabral como presidente da Alerj no governo Rosinha Garotinho, não conseguiu tornar-se senador pelas mãos de Cabral, mas voltou à Alerj em 2014. Tornou-se presidente da Assembleia pela quinta vez, em 2015, com o voto de 65 dos 70 deputados. Com esse poder todo, enfiou no governo Temer seu filho Leonardo Picciani no Ministério do Esporte. Leonardo também foi denunciado agora pelo marqueteiro Renato Pereira por pedido de propina. Seu irmão, o empresário Felipe Picciani, foi preso, acusado de lavar dinheiro sujo. Formam apenas mais um clã familiar na política nacional.
Cadeia Velha é um nome adequado para velhos bandidos, velhas práticas, velha política, velha vadiagem. A Alerj foi obrigada a convocar sessão extraordinária, em um dia que deveria ser útil e ordinário. Com o objetivo claro de limpar a barra do “padrinho”, o maior amigo da insaciável Fetranspor, que o populacho apelidou (por que será?) de “máfia dos ônibus”.
Que venham tempos novos, mais éticos, mais produtivos, não só no Rio, mas no resto do país, para voltarmos a crescer e a acreditar. E que o Supremo Tribunal Federal, alô Cármen Lúcia, se dê conta de que o Legislativo no Brasil não tem a menor condição de julgar seus pares e dar a última palavra.
Esta última sexta-feira viu, no entanto, um movimento inédito e espontâneo de suspensão de lazer na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a Alerj. Deputados decidiram sacrificar a folga para tentar se unir e livrar da prisão o presidente da Assembleia, Jorge Picciani, e os colegas Paulo Melo, ex-presidente da Alerj, e Edson Albertassi, todos do PMDB. 
A enorme pressão popular para que a decisão da Justiça seja respeitada não sensibiliza, porém, quem já vive em águas turvas. São aliados e afilhados da turma que asfixiou o Rio sem pena nas últimas décadas. O governador Pezão é um exemplo dessa lealdade canina: fez tudo nos últimos dias para empossar Edson Albertassi no Tribunal de Contas do Estado, até demitiu seu procurador-geral, que era contra a nomeação. E agora, Pezão?
O “trio dos corruptos” foi preso na Operação Cadeia Velha. Os três também foram afastados de seus mandatos, por decisão unânime do Tribunal Regional Federal da 2a Região (TRF-2) no Rio. Picciani teria recebido R$ 77 milhões em propina só da Fetranspor – empresas de ônibus. Paulo Melo teria recebido R$ 54 milhões. E Edson Albertassi só uma “gorjeta” de até R$ 4 milhões. 
Os valores variam e perdemos a noção da fronteira entre realidade e ficção. Por que motivo alguém faz tudo para ganhar ilegalmente, em propina, um dinheiro que jamais conseguirá gastar, nem nas próximas gerações? Eles não perdem o sono?
Sabemos que o que normalmente vem à tona deve ser apenas um pedaço da fortuna desviada dos cofres públicos e das obras públicas. Os juízes decidiram que era necessário “afastá-los do convívio da sociedade” para impedir que continuassem a praticar crimes de lavagem de dinheiro. Foram passar a noite com o capo Sérgio Cabral,  no presídio de Benfica, num verão precoce de 40 graus. Faz um ano exatamente que Cabral está preso. O ex-governador já foi condenado em três dos 16 processos contra ele. Ao todo, as penas contra Cabral somam 72 anos de prisão.
O dia 17 de novembro é uma data comemorativa na Lava Jato carioca. O juiz Marcelo Bretas, que comanda a operação no Rio, expressou, em entrevista ao jornal O Globo, o sentimento de estupor da sociedade: “O que me assustou foi a extensão e a capilaridade (no Rio de Janeiro). Parece que tem mais gente envolvida do que não envolvida. É uma metástase”.
Jorge Picciani começou a mexer os pauzinhos da política do Rio pouco depois de ser eleito deputado estadual há 27 anos.  Sua carreira foi meteórica. Foi secretário de Esporte de Leonel Brizola, sucessor de Cabral como presidente da Alerj no governo Rosinha Garotinho, não conseguiu tornar-se senador pelas mãos de Cabral, mas voltou à Alerj em 2014. Tornou-se presidente da Assembleia pela quinta vez, em 2015, com o voto de 65 dos 70 deputados. Com esse poder todo, enfiou no governo Temer seu filho Leonardo Picciani no Ministério do Esporte. Leonardo também foi denunciado agora pelo marqueteiro Renato Pereira por pedido de propina. Seu irmão, o empresário Felipe Picciani, foi preso, acusado de lavar dinheiro sujo. Formam apenas mais um clã familiar na política nacional.
Cadeia Velha é um nome adequado para velhos bandidos, velhas práticas, velha política, velha vadiagem. A Alerj foi obrigada a convocar sessão extraordinária, em um dia que deveria ser útil e ordinário. Com o objetivo claro de limpar a barra do “padrinho”, o maior amigo da insaciável Fetranspor, que o populacho apelidou (por que será?) de “máfia dos ônibus”.
Que venham tempos novos, mais éticos, mais produtivos, não só no Rio, mas no resto do país, para voltarmos a crescer e a acreditar. E que o Supremo Tribunal Federal, alô Cármen Lúcia, se dê conta de que o Legislativo no Brasil não tem a menor condição de julgar seus pares e dar a última palavra.












domingo, 5 de novembro de 2017

"A volta da DisneyLula" / Guilherme Fiuza

GUILHERME FIUZA

A volta da DisneyLula

Não era a Rádio Sucupira, mas nem Odorico Paraguaçu sonhou com uma cobertura tão bonita

GUILHERME FIUZA
02/11/2017 - 08h01 - Atualizado 02/11/2017 09h00
Finalmente as coisas estão voltando ao normal no Brasil. Que bom que foi só um pesadelo. Lula saiu em caravana por Minas Gerais, prometendo salvar o país da elite branca e gananciosa. Que alegria voltar a ouvir isso. Por um tempo (de trevas), os brasileiros chegaram a achar que tinha sido o próprio Lula, com sua quadrilha de cupins do Estado nacional, o autor do maior assalto da história da República. Ufa... Não foi nada disso. Olha ele aí flanando livre e falando pelos cotovelos contra tudo e contra todos. Os cotovelos mais honestos do Brasil estão de volta.
Foi emocionante ouvir no rádio, na partida da caravana, a notícia de quantas cidades Lula iria percorrer, a expectativa sobre a presença de Dilma (haja coração!) e outros detalhes do grande evento – tudo comentado por um dirigente do PT, o partido mais injustiçado do presépio progressista. O grã-petista falava sozinho, sem ninguém de fora da igreja para quebrar o clima, nem para lembrar que Lula foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Estão vendo? Só pode ter sido um mal-entendido.
Não era a Rádio Sucupira, mas nem Odorico Paraguaçu sonhou com uma cobertura tão bonita (talvez só comparável à de São Bernardo ou à de Guarujá). Foi muito legal ouvir o dirigente do PT anunciando solene que o governador de Minas, Fernando Pimentel, estava animado com a caravana e marcharia lado a lado com Lula. Viva a revolução!
Coincidências da vida: naquele mesmo dia, o companheiro Pimentel fora apontado pela Polícia Federal como coordenador de uma quadrilha de lavagem de dinheiro em campanhas eleitorais. Troço chato, que pode acontecer com qualquer bandoleiro patriótico. Mas vejam o que é a verdadeira solidariedade: o noticiário sobre a caravana não fez nenhuma referência aos problemas do governador com a polícia. Certíssimo! Roubo é questão de foro íntimo, ninguém tem nada com isso.
E assim vai o Brasil, no embalo da caravana purificadora de Lula, acordando daquele pesadelo terrível. Felizmente essa opinião pública atenta e determinada contra a corrupção (Lula ainda vai salvar a Lava Jato) nem se lembra mais quem foi Mônica Moura. É claro que não vamos estragar esse estado sublime. Quem quiser que vá ao Google. Falando francamente, talvez João Santana nem tenha existido. Pode ter sido só mais uma invenção de João Santana. E aquelas confissões todas sobre os formidáveis assaltos ao contribuinte via empreiteiras, você sonhou. O departamento de propinas da Odebrecht foi uma criação de seu inconsciente obsceno. Aliás, quem garante que a Odebrecht existe? Onde estão as provas? Os cães passam e a caravana ladra.
Enquanto isso, os verdadeiros guardiões da democracia se desdobram. Depois de defender com unhas, dentes e flechas o mandato da companheira Dilma, a mais honesta das delinquentes, Rodrigo Janot foi o primeiro a investir contra o terrível pesadelo elitista, agindo com o açougueiro biônico para derrubar o governo do sucessor. Foi uma ação vadia, mas não se podem exigir virtuosismos numa hora dessas. O herói bilionário inventado pelo PT com dinheiro do BNDES (seu) acabou preso, e Janot desmoralizado (embora ainda solto), mas a narrativa criada foi genial: o país não foi depenado por 13 anos de PT, mas por 13 meses do Conde Drácula.
Para qualquer plateia de circo, ainda mais num jardim de infância como o Brasil, não é difícil espalhar que a culpa é do mordomo. Afinal, o que é a vida senão um grande clichê cinematográfico? Foi o mordomo quem deixou entrar os que arrancaram a Petrobras da gangue do Dirceu. Imperdoável. Como ousa extinguir o pixuleco, maior conquista trabalhista deste século? Foi também o mordomo quem abriu a porta para a equipe econômica que tirou o país da vala em menos de um ano. Pau nele!
E lá vai a caravana da DisneyLula contra a corrupção, incluindo atrações internacionais como Bono Vox – cuja vox não foi ouvida nos 13 anos de ternura do bando, período em que o papa fofo (estrela da companhia) também não mandou recadinhos policiais a Nossa Senhora Aparecida. Tem ainda Dartagnol Foratemer caçando votos com seu nojo aos políticos e a ira santa de Gabriel Predador, que só não mata presidente petista.

domingo, 29 de outubro de 2017

Coisas do Brasil... Somem 120 peças do Alvorada durante mudança de Dilma



MP apura denúncia de sumiço de peças do Alvorada durante mudança de Dilma


De acordo com o Ministério Público, 120 itens simplesmente desapareceram

MARCELO ROCHA
29/10/2017 - 15h00 - Atualizado 29/10/2017 15h00


O Ministério Público Federal em Brasília abriu investigação para apurar denúncia contra a empresa que fez a mudança da ex-presidente Dilma Rousseff do Palácio da Alvorada para Porto Alegre em setembro de 2015. De acordo com a denúncia, 120 peças pertencentes ao Alvorada desapareceram.

sábado, 30 de setembro de 2017

Jucá ficou bravo depois de sua família tornar-se suspeita de diversas ilicitudes no estado de Roraima

Com filhos na Polícia Federal, Romero Jucá parte para o ataque

Em entrevista à emissora de rádio da filha, em Roraima, senador critica a imprensa e xinga o ex-procurador Rodrigo Janot, responsável pela Lava Jato

MATEUS COUTINHO
30/09/2017 - 12h30 - Atualizado 30/09/2017 12h37
Um dia após seus dois filhos serem indiciados pela Polícia Federal em Roraima, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), foi à rádio 93FM, que pertence à sua filha, e deu uma longa entrevista na qual chamou o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot de “palhaço”, e “imbecil”. Jucá também criticou a imprensa, a ponto de chamar jornalistas da Rede Globo de “canalhas” por terem divulgado os áudios de conversa entre ele e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Em um dos trechos gravados por Machado, que na ocasião buscava firmar um acordo de delação premiada, ouve-se Jucá dizer que era preciso “estancar a sangria”, em referência ao avanço da Operação Lava Jato.
senador Romero Jucá (Foto:   Pedro Ladeira/Folhapress)
A rádio 93 FM de Roraima está registrada em nome de Marina de Holanda Menezes Jucá. Ela e seu irmão, Rodrigo Jucá, ex-deputado estadual, foram indiciados pela PF pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no caso da venda superfaturada de uma fazenda cujo terreno, mais tarde, foi usado para construir um empreendimento do programa Minha Casa Minha Vida. Duas enteadas de Jucá foram conduzidas coercitivamente. Em resposta, Jucá dedicou quase 40 minutos à entrevista para defender os filhos e enteadas e rebater as acusações feitas pela Polícia Federal.  Em seguida, Jucá lembrou do episódio com Sérgio Machado, no ano passado. “Um ano eu fui atacado, o Jornal Nacional, todo dia aqueles canalhas da Globo bateram em mim", disse Jucá ao locutor. "A imprensa toda, falando de “sangria”, quando eu falava que a sangria era o governo da Dilma que estava matando o povo brasileiro, tirando o sangue do País”. 
A partir daí, Jucá passou a atacar o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, que apresentou três denúncias contra o senador na véspera de deixar o cargo, no dia 17. “Pois bem: esse palhaço desse Janot, um mês antes, quinze dias antes de sair, ele teve dar um despacho se dobrando ao relatório da PF, dizendo que não tinha nada de errado que eu tinha feito, nem tinha falado nada que tinha que ‘parar a Lava Jato’”, atacou. “Ao contrario, eu ajudei a aprovar aquele imbecil na recondução dele do Senado, mas não sabia que ele era tão imbecil a esse ponto”. Jucá é um dos parlamentares campeões de inquéritos na Lava Jato. 
Na conversa grampeada, o senador afirmava que era necessário “mudar o governo para estancar a sangria”  e mencionava como ‘solução’, o então vice-presidente Michel Temer. À época, a então presidente Dilma Rousseff estava à beira do processo de impeachment e Nachaod e Jucá falavam sobre as investigações. Jucá, inclusive, sugeria um “pacto nacional” com o Supremo para que a Lava Jato não avançasse sobre outros alvos além dos que já estavam sob investigação. O áudio levou à abertura de um inquérito contra Jucá, Renan Calheiros e o ex-presidente José Sarney por suspeita de tentativa de obstrução de Justiça e que foi arquivado por Janot em seus últimos dias à frente da Procuradoria já que, apesar dos áudios, nem a polícia nem a Procuradoria encontraram provas de como os parlamentares agiram para prejudicar a investigação.
Ao final, Jucá ainda aproveita o recente escândalo envolvendo a negociação da delação dos executivos da J&F para atacar Janot e toda sua equipe que esteve à frente da Lava Jato.
“E o que aconteceu hoje? Estão aparecendo os áudios da JBS, hoje apareceu um dizendo que ele (Janot) queria acabar com o PMDB, que eles montaram um esquema, uma facção uma organização criminosa de delação premiada. Ele, o Marcelo Miller (ex-procurador suspeito de fazer jogo duplo na negociação da delação), o Pelella (Eduardo Pelella, ex-chefe de gabinete de Janot) o Sérgio Bruno (promotor que estava no Grupo da Lava Jato na PGR),  com a doutora Fernanda (Tórtima, advogada da JBS que atuou na negociação da delação) o Sérgio Machado, esse povo todo aí, os filhos do Cerveró. Tudo no pacote, isso será investigado, isso será apurado a sociedade brasileira vai saber de toda essa história”.
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quarta-feira, 27 de setembro de 2017

"Uma década perdida" / Ruth de Aquino


RUTH DE AQUINO

Uma década perdida

O Rio esquece tudo o que foi estudado e tentado para comunidades como a Rocinha e volta a enxugar gelo

RUTH DE AQUINO
22/09/2017 - 18h12 - Atualizado 22/09/2017 22h48
Enquanto escrevo, sexta-feira de manhã (22), recebo áudios desesperados e vídeos de pessoas carbonizadas, agonizando, compartilhados por moradores da Rocinha. “Leva seu filho daí. Se tranque com sua filha na casa da avó. Balearam o filho da vizinha. Tá tudo dominado.” Fecharam o túnel entre Gávea e São Conrado. O tiroteio é intenso. A Escola Parque, onde minha neta estuda, na Gávea, não vai abrir.
Há dez anos, em agosto de 2007, escrevi para ÉPOCA uma reportagem especial, “A nova cara da Rocinha” (leia a reportagem: parte 1parte 2parte 3, e os pontos do projeto). Foi antes da UPP. Com o conhecimento do tráfico, então comandado por Antonio Bonfim Lopes, o Nem, para não arriscar minha vida, eu morei na Rua 2, na Rocinha, que fica a dez minutos de minha casa, no Leblon. Eu era e continuo a ser uma pessoa “de fora”, para eles. Tão estrangeira quanto uma americana ou europeia. 
Foram dias vertiginosos. Vi rapazes com uma metralhadora cromada numa das mãos e uma sacola de legumes na outra, para contrabalançar o peso, vida e morte lado a lado, na saída do supermercado, a caminho do “trabalho na boca”. Noites sem dormir, com o barulho dos bailes funk até as 6 horas. Participei de churrasco na laje, em companhia de famílias modestas, trabalhadoras e mais bem-educadas do que muitos ricos do asfalto.

A reportagem nada tinha a ver com narcotráfico. Era sobre um projeto inovador de urbanização, com participação do Estado, sob a batuta do arquiteto Luiz Carlos Toledo, que fincou escritório ali, perto da curva do S, e mapeava cada rua com a ajuda de universitários. O projeto incluía remoção de áreas de risco. Custaria R$ 580 milhões e duraria de dez a 15 anos para ser concluído. A Rocinha, segunda maior favela da América Latina em habitantes, estava destinada a ser um laboratório-modelo de comunidades carentes para o Brasil. Eu escrevi: “O primeiro obstáculo a vencer é a descrença. Será que vai dar certo?”. Já sabemos a resposta.
“O êxito da iniciativa”, escrevi ainda, “depende de uma condição básica: o Estado precisa entrar no morro e não sair mais. Há quem acredite que desta vez a urbanização (da Rocinha) seja para valer. Há quem suspeite que o Estado não tem competência para consertar o caos instalado, fornecer os serviços públicos essenciais, coibir a expansão irregular que ameaça o Parque Nacional da Tijuca e expulsar o crime organizado.” Já sabemos a resposta. Dói. Muito.
Você sabe qual é o maior passatempo na Rocinha? A igreja, para 76% dos moradores. De todos os problemas vividos, o maior, na voz deles, sempre foi a falta de saneamento, que tornava a vida menos digna: 40% queriam acabar com os ratos na porta de casa e diminuir o índice de tuberculose, o maior do estado do Rio de Janeiro.
O que aconteceu de lá para cá? Nada, além da UPP, que, durante um bom tempo, acabou com a ostentação de armas, a briga de gangues e o domínio do território pelo tráfico. Nem foi preso. Está em Rondônia. Rogério o substituiu. Com a falência das UPPs, Rogério, o novo “dono da Rocinha”, passou a agir como milícia e extorquir. Gás, água, a preços exorbitantes. Nem, do presídio, mandou invadir a Rocinha e expulsar o bando de Rogério. Famílias estão sitiadas entre traficantes e policiais. Aterrorizadas.
Não consigo engolir a cobertura da guerra na Rocinha e o leque de soluções inócuas apontadas. A discussão de sempre. Chama ou não chama as Forças Armadas? Não se entendem o secretário de Segurança Roberto Sá, o governador Pezão e o ministro da Defesa Raul Jungmann? Então, ok. A solução para a Rocinha é chamar o Exército. E esquecer tudo o que foi estudado e tentado no Rio de Janeiro, jogado no lixo por governadores ladrões e prefeitos claudicantes e omissos.
Vamos voltar a enxugar gelo. Não há estratégia de urbanização ou pacificação. Não se debate a descriminalização das drogas. Ah, sim. Barra as visitas para o Nem. Mata o Rogério. Prende seu bando. Pega os fuzis e distribui para a polícia mal armada. Toque de recolher. Lei do silêncio. Apaga os vídeos, mano. Tá tudo dominado. Quem domina? Ninguém sabe. A boçalidade domina.
Só a impotência explica que fiquemos de joelhos para o Exército, implorando por uma intervenção que nós, cidadãos, não temos como delimitar às ruas ou às favelas. O que começa como presença física de tropas, aplaudidas pelo efeito imediato de dissuasão da violência, pode se encaminhar para uma intervenção política. Aberta ou disfarçada. Para “preservar a lei e a ordem”.
Diante da corrupção repugnante dos políticos, os “generais-tipo-mourão” botam as manguinhas camufladas de fora. Jair Bolsonaro, nacionalista de extrema-direita, ganha apoio no meio do caos e tenta se candidatar a presidente por um partido intitulado Patriota ou PAB, Pátria Amada Brasil. É o desespero que move muitos brasileiros. E o desespero é péssimo conselheiro.
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sábado, 4 de fevereiro de 2017

"Um país para chamar de meu..." .../ Donald Trump

Vergonha americana


O

 decreto do presidente Donald Trump contra a imigração desrespeita os valores de um país que construiu sua riqueza com o trabalho de imigrantes. A reação de movimentos da sociedade americana mostra que vai haver muita resistência à nova Casa Branca

Revista ÉPOCA - edição 972 - Vergonha americana (Foto: Revista ÉPOCA)
TERESA PEROSA, COM BRUNO FERRARI E NELSON NIERO NETO
03/02/2017 - 22h09 - Atualizado 03/02/2017 22h39
>> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana:
"Deixem eles entrar”, gritava a multidão que tomou o Aeroporto Internacional John Fitzgerald Kennedy de Nova York, um dos maiores dos Estados Unidos, na noite da sexta-feira, dia 27 de janeiro. O motivo do protesto era uma ordem executiva assinada naquele dia pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que barra a entrada de refugiados e de cidadãos de sete países de maioria muçulmana nos Estados Unidos. Os manifestantes queriam a liberação de estrangeiros que estavam a caminho dos Estados Unidos quando Trump assinara o decreto e não sabiam que seu ingresso no país seria negado pelos agentes de imigração. No Aeroporto JFK, dois iraquianos, recém-chegados a Nova York, ficaram horas em um limbo burocrático. Um deles atuara por anos como tradutor do Exército americano durante a ocupação no Iraque. O outro era casado com uma prestadora de serviços dos militares dos Estados Unidos. Ambos entrariam no país como refugiados, já que, por causa de seus serviços prestados ao Exército americano, sofreram ameaças de morte no Iraque. Antes de serem liberados por um habeas corpus concedido pela Justiça, em resposta a uma ação impetrada por uma associação de direitos civis, ficaram duplamente barrados: por serem refugiados e por serem iraquianos.
O decreto de banimento temporário dos cidadãos desses sete países foi a mais polêmica das medidas tomadas pelo governo Trump até o momento. Ele faz parte da cruzada do presidente americano contra o que entende como ameaça estrangeira e, especificamente, muçulmana, contra os Estados Unidos. Durante a campanha eleitoral que o levou à Casa Branca, Trump prometeu acirrar o cerco contra os imigrantes ilegais no país, com mais deportações e mudanças em política de vistos, e banir a entrada de muçulmanos. Na campanha, as ameaças de Trump, tingidas da mais descarada islamofobia e discriminação religiosa, causaram ampla consternação. Por causa da reação negativa e da preocupação que todos os presidentes americanos anteriores a Trump tiveram de dissociar o islamismo do terrorismo, especulou-se que Trump talvez não levasse a cabo sua promessa. Mas ele o fez, ainda que, oficialmente, seus porta-vozes tentassem descaracterizar a medida como um banimento a “muçulmanos”, mas sim como um reforço da segurança nacional contra o terrorismo.
O teor discriminatório do decreto, revelado dias antes pelo jornal The New York Times, porém, é evidente.  A ordem executiva de Trump barra a entrada em solo americano de qualquer cidadão de Irã, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iêmen, países de maioria muçulmana, por 90 dias.  Trump também congelou o programa de refugiados e impediu a entrada nos Estados Unidos, por 120 dias, mesmo daqueles que já haviam sido autorizados a entrar no país. Para os sírios, vítimas do conflito sangrento que se arrasta há seis anos, o banimento é por tempo indeterminado. A cota total de refugiados a ser asilados nos Estados Unidos também foi cortada pela metade.  Também consequência da ordem executiva, 60 mil vistos já emitidos pelos Estados Unidos foram cancelados. Entre os especialistas,  especula-se que as novas medidas (cujo caráter seria, a princípio, temporário) têm como objetivo criar empecilhos definitivos para impedir a entrada nos Estados Unidos de pessoas vistas como “indesejadas” pelo novo governo.
Resistência
Editado sob a justificativa de segurança nacional, o decreto não encontra base numa política coerente e tem a marca da demagogia e do populismo de Trump. Nenhum dos cidadãos dos países listados cometeu atentados em território americano, ao passo que países de origem de responsáveis por ataques ao país, como Arábia Saudita (um tradicional aliado americano no Oriente Médio), ficaram de fora. Além disso, os países atingidos pelo banimento já são submetidos a políticas de visto específicas, mais rigorosas, uma herança do governo Obama. O programa de alocação de refugiados americano, por sua vez, é um dos mais criteriosos do mundo – uma família que pleiteia asilo nos Estados Unidos precisa estar preparada para 18 a 24 meses de árduo escrutínio pelas principais agências de segurança do país – FBI, CIA, Agência de Segurança Nacional entre outras. Até hoje, nenhum refugiado acolhido em solo americano cometeu atentados terroristas no país – que, salvo episódios isolados, tem sido poupado da recente onda de terrorismo vista na Europa.