>> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana:
"Deixem eles entrar”, gritava a multidão que tomou o Aeroporto Internacional John Fitzgerald Kennedy de Nova York, um dos maiores dos Estados Unidos, na noite da sexta-feira, dia 27 de janeiro. O motivo do protesto era uma ordem executiva assinada naquele dia pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que barra a entrada de refugiados e de cidadãos de sete países de maioria muçulmana nos Estados Unidos. Os manifestantes queriam a liberação de estrangeiros que estavam a caminho dos Estados Unidos quando Trump assinara o decreto e não sabiam que seu ingresso no país seria negado pelos agentes de imigração. No Aeroporto JFK, dois iraquianos, recém-chegados a Nova York, ficaram horas em um limbo burocrático. Um deles atuara por anos como tradutor do Exército americano durante a ocupação no Iraque. O outro era casado com uma prestadora de serviços dos militares dos Estados Unidos. Ambos entrariam no país como refugiados, já que, por causa de seus serviços prestados ao Exército americano, sofreram ameaças de morte no Iraque. Antes de serem liberados por um habeas corpus concedido pela Justiça, em resposta a uma ação impetrada por uma associação de direitos civis, ficaram duplamente barrados: por serem refugiados e por serem iraquianos.
O decreto de banimento temporário dos cidadãos desses sete países foi a mais polêmica das medidas tomadas pelo governo Trump até o momento. Ele faz parte da cruzada do presidente americano contra o que entende como ameaça estrangeira e, especificamente, muçulmana, contra os Estados Unidos. Durante a campanha eleitoral que o levou à Casa Branca, Trump prometeu acirrar o cerco contra os imigrantes ilegais no país, com mais deportações e mudanças em política de vistos, e banir a entrada de muçulmanos. Na campanha, as ameaças de Trump, tingidas da mais descarada islamofobia e discriminação religiosa, causaram ampla consternação. Por causa da reação negativa e da preocupação que todos os presidentes americanos anteriores a Trump tiveram de dissociar o islamismo do terrorismo, especulou-se que Trump talvez não levasse a cabo sua promessa. Mas ele o fez, ainda que, oficialmente, seus porta-vozes tentassem descaracterizar a medida como um banimento a “muçulmanos”, mas sim como um reforço da segurança nacional contra o terrorismo.
O teor discriminatório do decreto, revelado dias antes pelo jornal The New York Times, porém, é evidente. A ordem executiva de Trump barra a entrada em solo americano de qualquer cidadão de Irã, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iêmen, países de maioria muçulmana, por 90 dias. Trump também congelou o programa de refugiados e impediu a entrada nos Estados Unidos, por 120 dias, mesmo daqueles que já haviam sido autorizados a entrar no país. Para os sírios, vítimas do conflito sangrento que se arrasta há seis anos, o banimento é por tempo indeterminado. A cota total de refugiados a ser asilados nos Estados Unidos também foi cortada pela metade. Também consequência da ordem executiva, 60 mil vistos já emitidos pelos Estados Unidos foram cancelados. Entre os especialistas, especula-se que as novas medidas (cujo caráter seria, a princípio, temporário) têm como objetivo criar empecilhos definitivos para impedir a entrada nos Estados Unidos de pessoas vistas como “indesejadas” pelo novo governo.
Resistência
Editado sob a justificativa de segurança nacional, o decreto não encontra base numa política coerente e tem a marca da demagogia e do populismo de Trump. Nenhum dos cidadãos dos países listados cometeu atentados em território americano, ao passo que países de origem de responsáveis por ataques ao país, como Arábia Saudita (um tradicional aliado americano no Oriente Médio), ficaram de fora. Além disso, os países atingidos pelo banimento já são submetidos a políticas de visto específicas, mais rigorosas, uma herança do governo Obama. O programa de alocação de refugiados americano, por sua vez, é um dos mais criteriosos do mundo – uma família que pleiteia asilo nos Estados Unidos precisa estar preparada para 18 a 24 meses de árduo escrutínio pelas principais agências de segurança do país – FBI, CIA, Agência de Segurança Nacional entre outras. Até hoje, nenhum refugiado acolhido em solo americano cometeu atentados terroristas no país – que, salvo episódios isolados, tem sido poupado da recente onda de terrorismo vista na Europa.