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sexta-feira, 30 de novembro de 2012

"Mel na chupeta" / Editorial do Estadão


30/11/2012
 às 16:56 \ Feira Livre

‘Mel na chupeta’, editorial do Estadão

PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA SEXTA-FEIRA
Luís Inácio Adams
É um novelo de desfaçatez este que se desenrola a partir da Operação Porto Seguro, da Polícia Federal (PF). A sem-cerimônia com que se comportaram os já famosos “bebês de Rosemary”, isto é, os funcionários apadrinhados por Rosemary Noronha, a antiga chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo, seria, de si, suficiente para causar estupor. “Eles não paravam de cometer crimes. É o tempo inteiro, é o modus operandi deles, está na vida deles, eles só fazem isso o tempo inteiro”, disse a procuradora Suzana Fairbanks, referindo-se aos irmãos Paulo Rodrigues Vieira, da Agência Nacional de Águas; Rubens Carlos Vieira, da Agência Nacional de Aviação Civil; e Marcelo Rodrigues Vieira, empresário, todos presos sob acusação de integrar uma quadrilha que comercializava facilidades no governo federal. À corrupção desenfreada, porém, some-se o “descuido” ─ digamos assim ─ do ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Luís Inácio Adams, que tinha como seu adjunto o agora notório José Weber Holanda Alves, mesmo sabendo que esse servidor público, agora afastado de suas funções por suas relações com a máfia dos pareceres, havia sido investigado por grossas irregularidades no INSS, onde trabalhava como procurador-geral.

Adams diz agora que não tem mais “confiança profissional” em seu ex-adjunto, mas acha que o “ser humano Weber” vai “esclarecer tudo” e que “as pessoas muitas vezes fazem opções erradas, e a vida traz esses percalços”. O advogado-geral conhece Weber há dez anos, tempo suficiente para saber que o nome dele aparece em ao menos cinco casos de irregularidades no INSS e que o amigo foi objeto de sindicância da Controladoria-Geral da União em 2008 porque seu patrimônio foi considerado desproporcional à sua renda. Ele era suspeito de participar de esquema com contratos do INSS com a Fundação Universidade de Brasília. Weber barrou a investigação na Justiça Federal. Mas a equipe da AGU recorreu e, em outubro de 2011, um advogado da União salientou que “as responsabilidades (de Weber) são caracterizadoras de infração administrativa”. Apesar disso, nessa mesma época, Adams não viu nenhum inconveniente em dar a Weber cada vez mais espaço e representatividade na AGU.
Agora, sabe-se que o prestigiado Weber nem mesmo precisava redigir pareceres para a quadrilha ─ eles vinham prontos. Em um dos casos, Paulo Vieira, apontado pela PF como chefe do esquema, mandou para o então advogado-geral adjunto o parecer em que a AGU facilita o reconhecimento da utilidade pública, para fins privados, de um projeto do ex-senador Gilberto Miranda para a construção de um complexo portuário de R$ 2 bilhões em Santos. Em 30 de outubro passado, Paulo Vieira enviou a Weber um e-mail com a redação do parecer, bem explicadinho: “Segue em anexo nova minuta, que ao que me parece atende às preocupações do parecerista. Todas as modificações estão em vermelho para facilitar a análise da questão”, escreveu Paulo. A prática de preparar antecipadamente os pareceres era corriqueira. Numa conversa com Miranda, Paulo diz que é fácil dar andamento aos processos, “principalmente se levar pronto, principalmente se levar mel na chupeta”.
Esse ambiente nada republicano obviamente não resulta apenas de desvios de caráter. A cultura do oportunismo corrupto é fruto principalmente do inchaço da máquina estatal, por meio da criação desenfreada de cargos e ministérios e sua distribuição de acordo com critérios exclusivamente políticos. Quanto maior o Estado, maior é a sua permeabilidade aos malfeitos. Mesmo diante de um escândalo cuja essência é o descontrole administrativo, porém, o governo petista não parece nem um pouco inclinado a conter seu ímpeto estatista – ou de “partidarizar” o Estado. Acaba de passar na Comissão de Constituição e Justiça do Senado um projeto de lei que cria 90 cargos de confiança nos órgãos da Presidência da República. Para o Executivo, trata-se de um imperativo para o “melhoramento” do funcionamento da Presidência. Mas, como se vê agora, pode servir também para produzir escândalos.