Resolvendo dilemas
Corredores que treinam na cidade de São Paulo e costumam percorrer as alamedas da Cidade Universitária notaram, ao longo de março, uma propaganda da Nike anunciando um novo modelo de tênis de corrida.
A gigante do material esportivo recomendava em letras garrafais, expostas em cartazes nos relógios que marcam tempo e temperatura: “Não pense. Corra”.
Eu fiquei chocado, indignado com a mensagem e fiz dela o tema de minha coluna desta quinta-feira no caderno Equilíbrio.
No texto, fiz minhas observações sobre o tema e também reflexões de especialistas em pensamentos e em corridas.
No jornal, deu apenas para colocar um breve resumo das brilhantes observações de meus entrevistados e também das explicações que a Nike dá. Mas a internet é mais acolhedora e permite que a gente se estenda e detalhe mais todas as informações e conversas.
Começo com a participação da professora da PUC Lucia Santaella, uma das maiores especialistas brasileiras em semiótica, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital. Não menos importante, pelo menos para mim: foi minha orientadora no mestrado do Tidd.
Bom, fiz meia dúzia de perguntas a ela, que respondeu por e-mail com precisão e brilho. Vamos logo à breve entrevista.
+CORRIDA - O que é o pensamento?
LUCIA SANTAELLA - De um modo geral, as pessoas costumam crer que o pensamento é necessariamente verbal. Mas esse é apenas um dos tipos de pensamento possíveis. Eistein dizia que só pensava verbalmente quando tinha de se comunicar. O resto do tempo, seu pensamento em nada se assemelhava ao pensamento verbal. Este é pensamento estruturado para fins comunicativos. Mas o pensamento tem muitas outras formas que não são verbais. Para Peirce, tudo que está presente à mente, é pensamento: sonoro, relacional, imagético etc.
+CORRIDA - Pensar exige energia?
LUCIA SANTAELLA - Todo pensamento exige algum tipo de energia. Quanto mais o pensamento envolve esforço para podermos compreender algo que nos ultrapassa, mais energia se gasta para pensar.
+CORRIDA - Pensar é contraditório com alguma outra atividade humana?
LUCIA SANTAELLA - De jeito nenhum. Só a morte nos levaria a parar de pensar. O pensamento, não necessariamente verbal, nos acompanha. Até mesmo o sonho é um tipo de pensamento. Hieroglífico, como dizia Freud, mas, não obstante, pensamento.
+CORRIDA - É possível fazer alguma coisa sem pensar?
LUCIA SANTAELLA - Há pensamento autocontrolado e pensamento fora do autocontrole. Neste último caso, parece que não estamos pensando, mas certamente estamos.
+CORRIDA - A gente pode pensar sem notar que está pensando?
LUCIA SANTAELLA - Sim, é o que ocorre a maior parte do tempo. Só prestamos atenção ao pensamento quando tentamos pensar sobre o pensamento.
+CORRIDA - É possível correr sem pensar? E andar de bicicleta?
LUCIA SANTAELLA - Quando realizamos esses tipos de atividades, o pensamento adquire um ritmo similar ao das atividades. Não é por acaso que, quando estamos diante de um dilema que não conseguimos resolver, saímos para andar ou correr e, quando acaba a atividade, de repente o dilema se clareia.
Escrito por Rodolfo Lucena às 22h09