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segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Mentira tem pernas curtas... / do Instituto Milleniun

http://www.imil.org.br/divulgacao/entrevistas/farsa-est-sendo-desmascarada/

“A farsa está sendo desmascarada”

Marcello Averburg 348x263 “A farsa está sendo desmascarada”
Marcello Averbug
A desaceleração da economia brasileira tem raízes profundas. É o que pensa o economista e especialista do Instituto Millenium Marcello Averbug. Para ele, a política econômica adotada nos últimos dez anos é a responsável pelo arrefecimento da produção industrial, pela deterioração dos serviços públicos e pelo encolhimento da confiança internacional no Brasil. “Ainda é cedo para falar em recessão. Mas é óbvio que a farsa está sendo desmascarada”, diz. Assim como boa parte dos analistas de mercado, Averbug considera 2014 um ano perdido: “Creio não haver dúvidas a esse respeito”. Leia a entrevista:
Instituto Millenium: Estudo do Banco Cooperativo Sicredi (banco cooperativo privado) aponta que a probabilidade de a economia brasileira estar em recessão é de 90%. Diante do anúncio de novos indicadores, a equipe econômica já trabalha com a possibilidade de o PIB registrar resultados negativos no segundo e terceiro trimestres, o que configuraria recessão técnica. Quais as causas da piora na economia?

Marcello Averbug: Além do contexto internacional desfavorável ao nosso comércio exterior, a raiz da perda de fôlego da economia brasileira encontra-se no conjunto de decisões governamentais adotadas nos últimos dez anos, conjunto esse que nem merece o título de política econômica.

Durante esse período, a maior parte das iniciativas do governo ignorou objetivos de desenvolvimento de longo prazo. Favoreceu, isto sim, ganhos de curto prazo e pouco sustentáveis da faixa social de menor renda e, também, a prosperidade de empreendimentos de escassa solidez, mas que enriqueceram poucos privilegiados. Como consequência, ocorreu um retrocesso no ânimo do investimento privado, em especial nos últimos dois anos, enquanto que o investimento público tornou-se cada vez mais ineficiente, conforme demonstra nossa ameaçadora carência em infraestrutura.
Ainda é cedo para falar em recessão, inclusive vis-à-vis o baixo índice de desemprego. Mas é óbvio que a farsa está sendo desmascarada mediante sinais explícitos de arrefecimento da produção industrial, deterioração dos serviços públicos, encolhimento da confiança internacional no Brasil etc. Ademais, embora a inflação oficial nos últimos doze meses tenha sido de ainda razoáveis 6,5% (acima da meta), toda a população reclama do alto custo de vida.
Imil: De acordo com o estudo, quando se exclui do cálculo o Índice de Confiança da Indústria (ICI), a probabilidade de a economia entrar em recessão cai para 20% — o que indica que a indústria responde pelo arrefecimento da economia brasileira. O senhor concorda com essa teoria?
Averbug: Apesar de o setor industrial representar apenas 25% do PIB, ele possui o poder de induzir ao arrefecimento da economia. Por outro lado, é lógico estar havendo um sombrio Índice de Confiança da Indústria, pois o clima atual é desfavorável a arroubos de consumo de bens manufaturados e de investimento privado. Em outras palavras, o setor industrial é o mais atingido pelas incertezas no panorama econômico, com reflexos sobre os demais setores.
Imil: O PIB do primeiro semestre só sai em agosto e o do terceiro trimestre em novembro. Só, então, será possível confirmar se o Brasil está em recessão. Por enquanto, o que pode ser dito é que o país vive uma estagnação. A alta dos juros iniciada em 2011 para segurar a inflação está derrubando a economia? Mas o aumento da taxa de juros não era necessário para segurar a inflação?
Averbug: Estima-se um crescimento do PIB, em 2014, abaixo de 1%, o que evidencia uma estagnação. Mas nem é preciso aguardar os dados de incremento do PIB do primeiro semestre e terceiro trimestre para perceber que não atravessamos um processo de recessão. O que sim já podemos afirmar é que as perspectivas não são para nutrir otimismo.
As origens da desaceleração da economia brasileira são mais profundas do que a variação da taxa de juros. Portanto, justifica-se atribuir prioridade em seu uso ao controle da inflação. Mesmo porque grande parte dos investimentos são financiados sob juros favorecidos.
Imil: O caminho para a retomada do crescimento parece depender de avanços estruturais, profundos, para muito além de medidas pontuais que possam demonstrar recuperações momentâneas. O senhor concorda com isso? O que deve ser feito para o Brasil voltar a crescer?
Averbug: Além de depender dos avanços e reformas estruturais fartamente citados pelos vários segmentos da sociedade brasileira e organismos internacionais, o alcance de significativa taxa de expansão do PIB e melhoria da equidade social também é função de mudanças de comportamento.
Esse conjunto de redirecionamentos estruturais e comportamentais visaria, em uma primeira etapa, ao aumento da taxa de investimento interno, assim como da eficácia dos investimentos. Nossa atual taxa encontra-se em apenas 20% e, ademais, encoberta investimentos de pobre relação produto/capital, principalmente no setor público.Até mesmo Argentina, Chile, Colômbia e México exibem taxas superiores: 23%, 25%, 23% e 25%, respectivamente. Comparando-se com alguns outros países fora da América Latina, constatam-se as seguintes cifras: Austrália (27%); China (48%); Coreia do Sul (29%); Índia (35%); e Rússia (25%), segundo a “The Economist – World in Figures”.
Se conseguíssemos incrementar, a curto e médio prazos, nossa taxa de investimentos em meros três pontos percentuais e, também, aprimorar a eficácia desses aumentos de capacidade instalada, o impacto sobre o crescimento econômico seria formidável.
Em termos de mudança de comportamento, um exemplo significativo é a proporção do gasto público (excluído investimento) sobre o PIB. No Brasil, esse indicador atinge a 21%, enquanto verifica-se o seguinte quadro em outros países com perfis comparáveis ao brasileiro: Argentina (15%); Chile (12%); Colômbia (16%); México (12%); Austrália (18%); Coreia do Sul (15%); Índia (12%), de acordo com a “The Economist”. Ora, se o consumo do setor público encolhesse a nível razoável e os desperdícios e corrupção fossem reduzidos, maior montante de recursos poderia ser canalizado para investimentos que competem ao Estado e são essenciais ao desenvolvimento econômico e social. Dessa forma, seria possível criar um ambiente estimulante ao investimento privado.
Imil: Existe alguma coisa que a população possa fazer para amenizar os danos da recessão sobre o seu orçamento doméstico?
Averbug: Poucas são as possibilidades da população se autodefender dos danos de uma recessão. Restam apenas as velhas receitas de adaptar o orçamento doméstico à queda da renda real familiar. O que, por sua vez, agrava o contexto recessivo. Mas esse é outro campo de longa discussão.

domingo, 19 de janeiro de 2014

A Educação no Brasil é um barco sem capitão e sem rumo... Gustavo Ioschpe

Home » Artigos » Ética na escola e na vida


Ética na escola e na vida


O peso histórico de um evento é determinado pelo que lhe sucede. A prisão dos mensaleiros tem tudo para ser um dos acontecimentos mais importantes da história brasileira em décadas, mas só os nossos próximos passos dirão se será um ponto de inflexão ou um ponto fora da curva. Se o mensalão for o primeiro de muitos casos em que banqueiros, congressistas e ex-ministros vão para a cadeia por seus delitos, as próximas gerações verão este ano como o ponto de virada. Se, pelo contrário, essas prisões forem apenas a exceção que confirma a regra, um caso isolado em que as instituições funcionaram, então os historiadores do futuro verão o mensalão como uma curiosidade. É difícil prever, mas confesso que não vejo muitos motivos para justificar o otimismo a curto prazo. Porque ter uma Justiça ágil e rigorosa contrariaria quatro pilares que me parecem basilares na formação do Brasil.

O primeiro é o corporativismo. Somos o país dos interesses de grupo. Não pensamos nem agimos como indivíduos, mas como categorias. Uma das corporações mais poderosas é a dos advogados. É muito numerosa (871 000 advogados no país, mais procuradores, juizes…), organizada (a OAB é tão influente que tirou do Estado o poder de decidir quem pode ou não exercer a profissão) e poderosa: dos 100 congressistas mais importantes do país segundo o Diap, dezenove são advogados. Nosso sistema penal criou intermináveis apelos, chicanas e exceções. Quanto mais longo é um julgamento e quanto maior é o número de instâncias, maiores são a remuneração de advogados e a necessidade de juízes e promotores. (“É a preservação do direito de plena defesa dos réus!”, dirão nossos causídicos, cumprindo a regra de sempre apresentar a luta pelos benefícios corporativos como uma batalha pelo bem comum.) Precisaríamos que os deputados-juristas mudassem um sistema que beneficia seus pares. É difícil. Ainda mais quando incríveis 38% dos nossos congressistas são réus no STF.
O segundo é o nosso pendor cristão-filossocialista de achar que todo criminoso é vítima de um sistema social injusto, e não um agente capaz de fazer as próprias escolhas. Alguém que merece nossa compaixão, e não punição. A ditadura durou 21 anos. mas seu rescaldo está sendo ainda mais longo: nossos legisladores ficaram com tanta (e justificada) ojeriza às prisões arbitrárias de um regime de exceção que criaram um sistema em que é improvável condenar alguém com bom advogado. (Esse é mais um dos casos em que a teoria da defesa dos despossuídos se transforma em uma prática que garante a sua danação, como em todos os populismos.)
O terceiro é a nossa secular desigualdade de renda. É mais difícil seguir o princípio básico da democracia — a igualdade perante a lei — quando na sociedade há uma clivagem tão aparente entre os que muitas vezes se comportam como se estivessem acima da lei e a grande maioria, abandonada pelo Estado e desprotegida.
O quarto e mais importante de todos: verdade seja dita, não somos um povo que prima pela ética. Basta ver os políticos que elegemos para nos representar e o que eles fazem. Para aqueles que acreditam que, mesmo em um sistema democrático, nossos eleitos são piores do que seus eleitores no quesito ética, convém ver os resultados de uma pesquisa Ibope de 2006 ( todos os dados aqui mencionados estão em twitter.com/gioschpe). Ela mostra que, apesar de a condenação à corrupção ser quase universal. 75% dos entrevistados confessam que, se eleitos para cargos públicos, cometeriam ao menos um delito de uma lista contendo treze possibilidades (coisas como mudar de partido em troca de dinheiro, contratar empresas de familiares sem licitação, pagar despesas pessoais não autorizadas etc.). 69% dos entrevistados também admitem já ter transgredido leis para levar vantagem (dar caixinha ao guarda, sonegar impostos, inflar gastos médicos para o seguro-saúde etc.). Essa falta de ética se irmana à fraqueza do nosso aparato de Justiça para dar origem a um ciclo vicioso em que há mais delinquência porque a confiança na absolvição é grande, e o fato de tantos sermos delinquentes torna improvável a criação de leis mais duras contra os delituosos.
Como romper esse ciclo? Só vejo dois caminhos. Um é o de uma ditadura benevolente, que mude as leis na marra. Rejeito-o liminarmente. O segundo é formando cidadãos melhores, que elegerão representantes melhores e mais probos, que farão melhores leis.
Essa formação pode vir de uma série de fontes. Desde a família até clubes de escoteiros, instituições religiosas etc. Mas o melhor candidato, disparado, é o sistema educacional. Porque é nele que crianças e jovens passam boa parte do seu tempo, é nele que são socializados, é nele que aprendem sobre atos virtuosos de grandes homens e mulheres (e também sobre os nefastos) e nele estão em um ambiente hierárquico e regrado, onde há figuras de autoridade capazes de punir desvios de conduta.
A escola brasileira é antiética. Em geral, há desprezo pelos alunos e seus esforços. Os professores faltam ao trabalho uma enormidade
Se um marciano chegasse ao nosso país e acompanhasse nossas discussões educacionais, acreditaria que somos o país cujo sistema educacional oferece a melhor formação ética da galáxia. O assunto é infinitamente discutido e priorizado, a ponto de uma pesquisa da Unesco que traça o perfil do professorado brasileiro mostrar que para 72% de nossos mestres a finalidade mais importante da educação deveria ser “formar cidadãos conscientes” — só 9%, por contraste, falam em “proporcionar conhecimentos básicos”. Sabemos que essa missão não está sendo cumprida. Principalmente porque um sistema educacional não tem esse poder — a pregação de um professor não vai reverter os efeitos de uma sociedade permissiva e de um Judiciário ineficazes. Mas também porque a prática de nossas escolas é o oposto de sua pregação.  
Finalmente, quando todo esse processo é avaliado, as fraudes são constantes: não me recordo de uma única prova em toda a minha vida de estudante em que não houvesse cola. Em alguns casos, gritante. A grande maioria dos professores faz que não vê. No máximo dá uma indireta. Que diferença do ambiente nas universidades americanas que cursei, em que a primeira página de cada prova continha uma declaração de aderência ao código de ética da universidade, cuja assinatura era obrigatória para todos os alunos, e que especificava a punição para os coladores: expulsão. Nunca vi sequer um aluno colando. Há suporte empírico para essa observação casual: um estudo de dois acadêmicos portugueses em 21 países mostrou o aluno brasileiro em quinto lugar no ranking da cola em universidades.
Aqui há uma discussão conceitual importante. Muita gente verá esses dados e dirá que a escola é apenas um reflexo da sociedade. Se a sociedade brasileira é desonesta, é normal que a escola também o seja. O problema é que, para avançarmos, precisaremos que as instituições sejam melhores do que a média nacional. Enquanto nossa escola for um retrato do país, o país não mudará. Temos de exigir das escolas um desempenho ético superior. Não é fácil. Todas as forças e incentivos existentes conduzem à inércia. Mas são indispensáveis. A melhora educacional precisa vir antes da melhora social. Foi assim nos países de sucesso. Espero que seja assim aqui também. São os meus votos para 2014.
Fonte: Veja

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Mercosul é inviável pelo horror ao livre-mercado dos países que o compõe

http://www.imil.org.br/artigos/diplomacia-ideologia/

Diplomacia e ideologia

10 de setembro de 2013 
Autor: Denis Rosenfield
pequeno normal grande
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A diplomacia é uma arte de defesa dos interesses nacionais, no que tradicionalmente se considera a soberania de cada país. Como toda arte, tem de demonstrar habilidades, no caso, nas negociações. E, certamente, noção precisa de limites que não podem ser ultrapassados, sob pena de tomar inviável uma negociação diplomática e, no mundo atual, uma negociação comercial.
Historicamente, a diplomacia sempre esteve associada a guerras, sendo um instrumento quer para evitá-las, quer para conduzir negociações que levassem ao seu fim. Nesse sentido é que foi criado o instituto da inviolabilidade de embaixadas, mesmo em situações extremas de conflito, para que canais de negociação permanecessem abertos. Hoje em dia, além de suas funções clássicas, temos a entrada em pauta de organismos internacionais na regulação de questões comerciais e financeiras, que se tomaram poderoso instrumento de exercício do poder das nações.
Negociações comerciais entraram também com mais força na pauta diplomática, fazendo diplomatas se tomarem “mercadores” dos interesses econômicos de seus países, algo muito claro na política americana e de vários países europeus e asiáticos, como China e Japão. Apesar de a diplomacia brasileira ainda resistir parcialmente a essa tendência, deverá a ela resignar-se, pois, como dizia Hegel, estamos diante do “espírito do tempo”. Assim, não há lugar para devaneios ideológicos como alinhamentos em concepções que retomam pautas esquerdistas, antieconomia de mercado, há muito ultrapassadas.
O Brasil nos governos petistas, contudo, segue um alinhamento ideológico que contraria mesmo políticas pragmáticas, de corte social-democrático, adotadas por esses governos em várias questões internas e em reorientações de órgãos governamentais. É como se na política externa o país resistisse a um aggiornamento necessário. Doutrinariamente, a política externa brasileira permanece presa a dogmas do PT, abandonados em outras áreas. A troca de chanceleres poderia propiciar uma mudança de atitude. Não é isso, porém, que parece estar sendo sinalizado.
O episódio de espionagem da presidente Dilma Rousseff pelo governo dos EUA é um exemplo em que o antiamericanismo está sendo potencializado, usado como uma espécie de bode expiatório de fracassos da política externa brasileira, como os ocorridos recentemente na Argentina e na Bolívia. Não se trata, evidentemente, de justificar o injustificável: o fato de os EUA interferirem na soberania nacional, espionando o governo brasileiro, e até além dele, buscando obter informações comerciais que beneficiariam seus interesses. Nesse aspecto, a reação brasileira de considerar tal invasão inadmissível e inaceitável é plenamente condizente com uma resposta altiva e necessária.
O Mercosul é um projeto hoje inviável, constituído por países que têm horror à economia de livre-mercado
Entretanto, o tom acima do apropriado pode levar a uma situação insustentável. O Brasil, é evidente, não poderia dar-se ao luxo de cancelar uma viagem de Estado da presidente aos EUA, em vista da maior relevância das relações entre os dois países. Muito menos poderia chamar seu embaixador para consultas, numa exacerbação da resposta. Inimaginável cortaras relações. Logo, o jogo de cena está atingindo o limite.
Já passa da hora de o Brasil revisar as suas prioridades e defender os interesses nacional obrigando as duas partes a um faz de conta que permita a retomada das relações normais. O país do norte é a maior potência do planeta – na verdade, a única -, tem uma insuperável força militar, inigualável desenvolvimento científico e tecnológico e a economia mais pujante do mundo. Não é com o Mercosul que o Brasil equilibraria suas relações comerciais.
Melhor faria o país em olhar para o lado. O Mercosul é um projeto hoje inviável, constituído por países que têm horror à economia de livre-mercado, se aferram a ideias socialistas, pregam maior intervenção estatal na economia e se comprazem com diatribes “anti-imperialistas”. A Argentina está praticamente falida, sem acesso a financiamentos internacionais, gastando suas reservas internacionais, submetida a processos em Cortes norte-americanas pelo calote dado a credores e em pouco tempo terá problemas para honrar compromissos de suas importações. Ou seja, o mercado argentino importará cada vez menos do Brasil e não se vislumbra nenhuma saída. É a crônica de uma falência anunciada. Apesar disso, o Brasil continua se alinhando à Argentina em foros internacionais, tomando posição conjunta contra o livre-comércio, como acabamos de ver,na reunião do G-20, em São Petersburgo.
Já no caso da Bolívia, a omissão brasileira, que se tornou completa indiferença, foi a tônica no episódio do salvo-conduto para o senador Roger Pinto Molina, abandonado à própria sorte num cubículo da embaixada. De acordo com tratados internacionais assinados pelos dois países, o salvo-conduto deveria ter sido expedido imediatamente. O governo Evo Morales participou de um faz de conta com o Itamaraty, levando um diplomata digno a insurgir-se contra tal desprezo à lei internacional e à mínima consideração pelos direitos humanos. O fiasco do Itamaraty foi total, levando a uma crise que culminou na demissão do ministro das Relações Exteriores.
A comunhão ideológica em torno do projeto bolivariano/socialista preponderou, como já se havia expressado na lamentável participação brasileira na suspensão do Paraguai do Mercosul, dando ensejo ao ingresso da Venezuela. Goste-se ou não da Constituição paraguaia, todos os trâmites foram seguidos na destituição do ex-presidente Lugo, o que não foi o caso dos trâmites venezuelanos que levaram Maduro a ascender ao poder, na agonia e morte de Chávez. Com tudo isso o país compactuou em nome de uma ideologia comum.
Já passa da hora de o Brasil revisar as suas prioridades e adotar a defesa pragmática de seus interesses nacionais e comerciais, dando adeus a ideologias de antanho.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 09/09/2013

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Razões para ir para as ruas e maltratar as instituições...

Eles estão de brincadeira


24 de julho de 2013
Autor: Marco Antonio Villa
pequeno normal grande
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No já histórico junho de 2013, as ruas foram ocupadas pelos cidadãos. Foi um grito contra tudo que está aí. Contra os corruptos, contra os gastos abusivos da Copa do Mundo, contra a impunidade, contra a péssima gestão dos serviços públicos, contra a violência, contra os partidos políticos.
Dois poderes acabaram concentrando a indignação popular: o Executivo e o Legislativo. Contudo, o Judiciário deve ser acrescido às vinhas da ira.
Neste mesmo espaço, em 13 de dezembro de 2011, escrevi um artigo (“Triste Judiciário”) tratando do Superior Tribunal de Justiça, o autointitulado tribunal da cidadania.
Um ano e meio depois resolvi consultar o site do tribunal (www.stj.jus.br) para ver se tinha ocorrido alguma modificação nas mazelas que apontei. Para minha surpresa, tudo continua absolutamente igual ou, em alguns casos, pior.
Busquei inicialmente o número de cargos. Vi uma boa notícia. Eram 2.741 em 2012 e em 2013 tinha diminuído para…. 2.740. Um funcionário a menos pode não ser nada, mas já é um avanço para os padrões brasileiros. Porém, ao consultar as funções de confiança, observei que nos mesmos anos tinham saltado de 1.448 para 1.517.
Fui pesquisar a folha dos funcionários terceirizados. São 98 páginas. Mais de 1.550 funcionários! E tem de tudo um pouco. São 33 garçons e 56 copeiras. Afinal, suas excelências têm um trabalho desgastante e precisam repor as energias. No STJ ninguém gosta de escadas. É a mais pura verdade. São 34 ascensoristas: haja elevadores! Só de vigilantes — terceirizados, registre-se — são 264. Por ironia, a empresa contratada chama-se Esparta. E se somarmos os terceirizados mais os efetivos, teremos muito mais dos que os 300 espartanos que acompanharam Leônidas até as Termópilas, longe, evidentemente, de comparar suas excelências com o heroísmo dos lacedemônios.
Resolvi consultar a folha de pagamentos de junho. Fiquei só na letra A. Não por preguiça. É que preciso trabalhar para pagar os impostos que sustentam os salários das suas excelências.
Dois poderes acabaram concentrando a indignação popular: o Executivo e o Legislativo. Contudo, o Judiciário deve ser acrescido às vinhas da ira
Será que o tribunal foi isento da aplicação do teto constitucional? Dos cinco ministros que abrem a lista, todos recebem salários acima do que é permitido legalmente.
Vamos aos números: Antonio Carlos Ferreira recebeu R$ 59.006,92; Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamin, R$ 36.251,77; Ari Pargendler, R$ 39.251,77; Arnaldo Esteves Lima, R$ 39.183,96; e Assusete Dumont Reis Magalhães, R$ 39.183,96. Da lista completa dos ministros, a bem da verdade, o recordista em junho é José de Castro Meira com o módico salário de R$ 63.520,10. Os ministros aposentados também recebem acima do teto. Paulo Medina, que foi aposentado em meio a acusações gravíssimas, recebeu R$ 29.472,49.
O STJ revogou o artigo 5º da Constituição? Ou alterou a redação para: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, exceto os ministros do STJ”?
O tribunal é pródigo, com o nosso dinheiro, claro. Através do que chama de aviso de desfazimento, faz doações. Só em 2013 foram doados dezenas de veículos supostamente em estado “antieconômico.” Assim como refrigeradores, mobiliário, televisores e material de informática. É o STJ da felicidade. Também, numerário não falta. Para 2013 o orçamento é de 1 bilhão de reais. E estamos falando apenas de um tribunal. Só para pagamento de pessoal e de encargos sociais estão alocados 700 milhões. Sempre pródiga, a direção do STJ reservou para a contribuição patronal da seguridade social dos seus servidores a módica quantia de 100 milhões (mais que necessário, pois há servidores inativos recebendo R$ 28.000,00, e pensionistas com R$ 35.000,00).
O tribunal tem 166 veículos (dos quais 20 são ônibus). Por que tantos veículos? São necessários para o trabalho dos ministros? Os gastos nababescos são uma triste característica do STJ. Só de auxílio-alimentação serão destinados R$ 24.360.000,00; para assistência médica aos ministros e servidores foram previstos R$ 75.797.360,00; e à assistência pré-escolar foram alocados R$ 4.604.688,00. À simples implantação de um sistema de informação jurisdicional foi destinada a fabulosa quantia de R$ 22.054.920,00. E, suprema ironia, para comunicação e divulgação institucional, o STJ vai destinar este ano R$ 14.540.000,00.
A máquina do tribunal tem de funcionar. E comprar. Em um edital (e só consultei os meses de junho e julho) foram adquiridos 1.224 copos. Noutro, por R$ 11.489,00, foi contratada uma empresa de eventos musicais. Estranhamente foram adquiridos 180 blocos para receituário médico, 50 blocos para ficha odontológica e 60 pacotes — cada um com 100 unidades — de papel grau cirúrgico (é um tribunal ou um hospital?).
É difícil entender a aquisição de 115 luminárias de uma só vez, a menos que o prédio do tribunal estivesse às escuras. Pensando na limpeza dos veículos foram adquiridas em julho 70 latas de cera para polimento. Tapetes personalizados (o que é um tapete personalizado?) custaram R$ 10.715,00 e de uma vez compraram 31 estiletes.
Não entendi, sinceramente, a razão de adquirir 3.360 frascos de 1.000 ml cada de álcool. E o cronômetro digital a R$ 1.690,00? Mas, como ninguém é de ferro, foi contratada para prestar serviço ao STJ a International Stress Manegement Association.
Mas, leitor, fique tranquilo. O STJ tem “gestão estratégica”. De acordo com o site, o tribunal “concentra esforços na otimização dos processos de trabalho e na gestão da qualidade, como práticas voltadas à melhoria da performance institucional e consequentemente satisfação da sociedade”. Satisfação da sociedade? Estão de brincadeira.
Fonte: O Globo, 23/07/2013

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Televisão sem comunicação e sem culpa...

Fora do ar

15 de junho de 2013 
Autor: Nelson Motta
pequeno normal grande
nelson motta
Depois de cinco anos de atividade, a audiência média da TV Brasil em São Paulo corresponde a 600 domicílios. Está praticamente fora do ar e uma montanha de dinheiro foi pelos ares
Sonho de Zé Dirceu e criação de Franklin Martins, abençoada e bancada por Lula (“Vai ser uma BBC”, bravateou), depois de cinco anos de atividade não se pode comentar a qualidade da programação da TV Brasil, porque ninguém a vê. Em abril a audiência média semanal em São Paulo foi de 0,1%, que corresponde a cerca de 600 domicílios. A sua maior audiência na primeira semana foi… o horário eleitoral gratuito: 3 mil residências.
Em um catastrófico exemplo de falta de planejamento, montaram estúdios, contrataram muita gente, compraram programas no Brasil e no exterior, produziram telejornais e programas de entrevistas, mas esqueceram o principal, o básico, o fundamental: som e imagem. A da TV Brasil é tão ruim, tão borrada e indefinida, que ninguém a veria mesmo com a melhor programação do mundo.
A TV Brasil está praticamente fora do ar e uma montanha de dinheiro foi pelos ares
Nesse sentido, a TV Brasil se parece com o Brasil dos planos grandiosos. De que adianta investir na agricultura e na indústria sem estradas, ferrovias e hidrovias para o escoamento da produção? Para que serve produzir um bom programa de televisão se ele vai ser visto como um borrão sonoro? Na era digital, com a oferta massiva de canais, uma boa imagem é o minimo para ir ao jogo. E a da TV Brasil é péssima.
Nossos produtos podem ser bons, mas a infraestrutura é ruim, a legislação, a burocracia e as práticas são borradas e indefinidas. Temos estádios novos e moderníssimos, mas sem acessos, como o Engenhão. Arenas maravilhosas vão melhorar o futebol jogado aqui? Ou só vai ficar mais caro, e seguiremos muito atrás das ligas europeias ? E como o futebol vai melhorar se a CBF, as federações e os clubes continuam movidos a politicagem e negócios duvidosos?
Os idealistas, sim, eles existem, imaginavam uma TV pública com uma boa programação cultural, para informar e divertir, com um jornalismo ético e imparcial, como uma opção às emissoras privadas, sem baixar o nivel, como a BBC. Outros a ambicionavam como uma rede de televisão a serviço do partido no poder. Cinco anos depois, nem uma coisa nem outra: a TV Brasil está praticamente fora do ar e uma montanha de dinheiro foi pelos ares.
Fonte: O Globo, 14/06/2013

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Uma coisa é uma coisa outra coisa é outra coisa


Erro 404

4 de janeiro de 2013 
Autor: Demétrio Magnoli
pequeno normal grande
demetrio
Na chamada de um post recente, intitulado “As mentiras de Yoani Sánchez em 2012″, Yohandry anunciou o propósito de “narrar as falácias desta mulher, uma traiçoeira criação midiática”, com a finalidade de esclarecer seus “colegas de todo o mundo, (…) alertando quem ainda possa estar confuso”. Yohandry Fontana provavelmente não existe. O nome de guerra serve como assinatura de um blog oficial, que surgiu como reação ao de Yoani para reproduzir as sentenças de propaganda e os insultos políticos fabricados pelo regime castrista. O curioso, quase onírico, é que Cuba é um país virtualmente sem internet: o blogueiro inventado pelo poder escreve para “colegas” internautas “de todo o mundo”, mas não para os cubanos comuns residentes na ilha. O totalitarismo dos Castros subsiste num espaço-tempo anterior às redes sociais. O cenário é radicalmente diverso na China, onde um regime totalitário tenta provar que pode sobreviver à revolução da informação.
Quando visitou o país, o criador do Facebook, Mark Zuckerberg, foi saudado pelo banner viral “Bem-vindo à China, fundador do website Erro 404″, difundido pelos blogueiros chineses. Fruto da eficácia negativa do Grande Firewall da China (GFC), a mensagem “Erro 404″, alerta de que o servidor não encontrou o endereço solicitado, repete-se em escala descomunal nas telas de computadores e celulares do país. O Escudo Dourado, nome oficial do GFC, encomendado pelo Ministério da Segurança Pública, começou a operar em 2003. As ambições do projeto ultrapassam largamente a simples censura: trata-se de avançar rumo à implantação de uma gigantesca base de dados analítica de textos e imagens publicados pelos usuários da rede virtual com tecnologias que abrangem reconhecimento facial e de voz.
Totalitarismo é algo bem diferente de autoritarismo. O segundo se ampara, exclusivamente, na força e se contenta em calar, prender ou eliminar opositores. O primeiro também se ampara na força, mas nutre a pretensão de persuadir a sociedade a acreditar no seu enredo sobre a história – ou seja, numa narrativa que o torna depositário de uma legitimidade transcendental. George Orwell explicou isso: “O Estado totalitário é, efetivamente, uma teocracia e sua casta dirigente, a fim de conservar sua posição, deve ser vista como infalível. Mas como, na prática, ninguém é infalível, torna-se frequentemente necessário rearranjar os eventos passados de modo a mostrar que este ou aquele erro não ocorreu ou que este ou aquele triunfo imaginário realmente aconteceu”. Eis por que a política do totalitarismo demanda o controle sobre a linguagem empregada pelas pessoas. Não é trivial exercer tal controle na era da internet.
O totalitarismo dos Castros subsiste num espaço-tempo anterior às redes sociais
Os totalitarismos do século 20 detinham o monopólio dos grandes meios de comunicação da época: o rádio, o cinema, a televisão. Os regimes de Stalin, Mussolini e Hitler tinham consciência do valor político das mídias de massa e empenharam-se no seu desenvolvimento tecnológico e no aprimoramento técnico e artístico das mensagens que difundiam. Contudo as redes sociais da internet são intrinsecamente distintas das mídias eletrônicas tradicionais, pois todos os participantes podem operar como emissores de mensagens. Na China o Twitter é proibido, mas serviços nacionais similares contam com mais de 200 milhões de usuários. Por meio deles, dezenas de milhares de microblogueiros formam a vanguarda da dissidência política, organizando protestos de rua e denunciando a corrupção oficial.
À sombra do “Erro 404″ desenvolve-se um infindável jogo de gato e rato entre o GFC e os internautas. Na esfera da tecnologia, o desafio de circundar a censura estimula a invenção de softwares de codificação e a criação de rotas alternativas para acesso a servidores bloqueados. Na esfera da linguagem, ilude-se o Grande Irmão pelo emprego do método da analogia e pelo uso em profusão de metáforas, alegorias, parábolas e termos homófonos. A ironia é uma companheira inseparável dos microblogueiros subversivos: segundo eles, sites e blogs não são “suprimidos”, mas “harmonizados”, numa referência à meta declarada do regime de produzir uma “sociedade socialista harmoniosa”.
Ai Weiwei saltou a etapa da ironia, entregando-se ao sarcasmo. O artista plástico, consultor dos arquitetos que projetaram o estádio olímpico Ninho do Pássaro, tornou-se um dos mais notórios dissidentes chineses. Multado, encarcerado e espancado, ele não se “harmonizou”. Meses atrás postou no YouTube um vídeo em que aparece dançando no “estilo Gangnam” e usando algemas. Antes disso, diante da instalação de 15 câmeras para o monitoramento policial de seus movimentos, conectou à internet a “weiweicam”, uma câmera que filma sem parar o cenário de seu quarto. “Acho que eles não sabem como lidar com alguém como eu e meio que desistiram de me gerenciar”, sugeriu em entrevista recente. O escárnio fere o totalitarismo ainda mais que a acusação racional ou a denúncia moral.
Na opinião de Weiwei, a democracia chegará à China na década de 2020. Entre os analistas ocidentais vulgarizou-se o precário paralelo com a Coreia do Sul e Taiwan, que transitaram para a democracia no compasso da modernização econômica, da urbanização e da consolidação de uma classe média cosmopolita. De acordo com essa linha otimista de interpretação, a própria elite dirigente chinesa administrará uma transição política gradual, dissolvendo aos poucos os grilhões do sistema totalitário.
Tudo é possível. O certo é que não há precedentes adequados para orientar a análise. Entre as inúmeras singularidades históricas da China, a mais relevante se encontra justamente na universalização das redes sociais ao abrigo de um Estado totalitário. O poder de Mao Tsé-tung não foi abalado pela maior crise de fome do século 20. Em contraste, o “Erro 404″ tem o potencial de arrasar a fortaleza de seus sucessores.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 03/01/2013