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domingo, 13 de novembro de 2016

A carruagem da História segue seu caminho...

Encontro marcado

Surpreendente que Trump jamais havia estado na Casa Branca como cidadão comum, antes do encontro desta semana
Dorrit Harazim, O Globo
Meme das efígies de George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Roosevelt e Abraham Lincoln, esculpidas no granito de Mount Rushmore, Keystone, South Dakota, EUA (Foto: Redes Sociais)
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, embarca esta semana rumo à Europa, mas não será uma típica viagem de fim de mandato para respirar uma última lufada de notoriedade mundial antes do ocaso do poder. Pelo contrário. Ele estará sendo aguardado por seus pares Angela Merkel, Theresa May, François Hollande, Matteo Renzi e Alexis Tsipras com urgência e ansiedade máximas, como único tradutor possível do enigma chamado Donald Trump.
Dado que nenhum dos líderes europeus conhece o novo personagem, e muito menos imaginava vir a conhecê-lo como 45º ocupante da Casa Branca, as migalhas de informação que Obama compartilhar sobre seu inesperado sucessor serão ouvidas com voracidade. Tampouco o presidente conhecia Trump quando o recebeu na quinta-feira para a visita que serve de liturgia da democracia americana e dá início prático à complexa transição do poder.
Ou melhor, ambos haviam estado sob o mesmo teto uma vez, em 2012. Foi durante o concorrido jantar anual dos correspondentes da Casa Branca, que reúne a nata do establishment de Washington num hotel — para Trump, uma lembrança humilhante. É praxe, neste tradicional evento, o chefe de Estado submeter-se com bonomia a tiradas de humor do mestre de cerimônias e, em troca, deleitar o salão repleto de celebridades com tiradas de humor autodepreciativo intercaladas de alfinetadas nos presentes.
Obama, mestre absoluto neste jogo, pinçara o bilionário como um dos alvos de sua verve. Dizem tê-lo ferido mais fundo do que durante a campanha eleitoral de agora. Surpreendente que Trump jamais havia estado na Casa Branca como cidadão comum, antes do encontro de equilibristas desta semana — nem como aluno em excursão de colégio, nem como pai que faz fila cívica com o filho, nem como megaempresário convidado a um dos tantos eventos presidenciais das últimas quatro décadas.
Foi, portanto, um encontro entre dois homens com pressa de passar do estágio de nunca terem se cruzado sequer num elevador, para o de precisarem confiar um no outro. No caso de Trump, tratava-se de absorver, captar, sugar, compreender, assimilar o máximo possível — a digestão seria feita depois. E Obama estreou no papel crítico de tutor, com responsabilidade (e dificuldade) maior do que todos os seus antecessores somados em apontar ao novato as armadilhas do cargo.
Ao final, o visitante declarou-se encantado pelo encontro ter durado quase uma hora e meia, e não os dez ou 15 minutos que imaginara. Mencionou que, à parte temas de política externa e interna e questões organizacionais, Obama lhe explicara algumas das dificuldades e “conquistas realmente formidáveis que foram obtidas” em seu governo. Nesta frase pode estar embutida uma das razões pelas quais o encontro foi tão longo — o presidente deve ter exposto com vagar os riscos de se desmontar determinadas iniciativas inclusivas do tecido social americano.
Sobretudo porque o país ainda não está aquietado do choque eleitoral. Representantes de minorias planejam uma marcha sobre Washington para, segundo os organizadores, “mostrar que ainda estamos aqui”. Enquanto isso, Michelle Obama percorria com Melania Trump os domínios da Ala Oeste reservados às primeiras-damas. Com a troca próxima de inquilinos, a Casa Branca se tornará mais branca, e os americanos perceberão a falta que os Obama farão.
Ali morou durante oito anos não apenas um comandante em chefe da nação, mas um casal negro com duas filhas que viraram adolescentes sob escrutínio ininterrupto, formando uma unidade familiar sólida, normal, alegre, participante e esclarecida, e como tal serviram de exemplo para suas respectivas gerações. Imprimatur Michelle.
Quanto a Melania, sua entrada em cena já produziu pelo menos um primeiro efeito educativo: os americanos, péssimos em geografia, puderam aprender que a Eslovênia, terra em que nasceu a futura primeira-dama, e a Eslováquia não são o mesmo país. Falta apenas o terceiro futuro morador da Casa Branca ser visto sem o habitual semblante sério e entristecido.
Enfiado numa indefectível gravata lisa que lembra as do pai, Barron Trump, ainda não apareceu como moleque de 10 anos à vontade na vida. Obama, com seu extravagante índice de popularidade em final de segundo mandato (acima de 55%), foge do figurino de líder que vai ser despejado. De Woodrow Wilson a Dwight Eisenhower, de Lyndon Johnson a Bill Clinton, todos sentiram o capital político esfarelar à mesma época.
George W. Bush tratou de buscar consolo lotando a agenda com viagens ao exterior. Ziguezagueava por países e surgia como uma espécie de furão em fotos com líderes estrangeiros. Ironicamente, a eleição da incógnita Trump dá à presença mundial de Obama uma sobrevida inesperada, embora em final de mandato quase nenhum presidente consiga resolver seus grandes impasses de política internacional.
Harry Truman passou o cargo para Eisenhower junto com o fardo da guerra da Coreia. Lyndon Johnson entregou os pontos sem conseguir mudar o rumo do atoleiro no Vietnã. Bill Clinton não conseguiu ter no currículo o almejado tratado de paz no Oriente Médio. E Obama deixará para seu sucessor, entre outros, a ferida exposta e obscena da destruição da Síria. Donald Trump parece sentir-se talhado para triunfar em desafios impossíveis.
Até porque resta um naco de rocha nas montanhas de Dakota do Sul onde, em tese, ainda cabe uma quinta efígie. As quatro cabeças de 18 metros cada, esculpidas no granito de Mount Rushmore, são de George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Roosevelt e Abraham Lincoln. Elas representam, respectivamente, a luta pela independência, processo democrático, liderança e igualdade. Por que não começar a cultivar a fantasia de se juntar a essa galera?
Meme das efígies de George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Roosevelt e Abraham Lincoln, esculpidas no granito de Mount Rushmore, Keystone, South Dakota, EUA (Foto: Redes Sociais)

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Encontro marcado /// Dora Kramer

DORA KRAMER


Encontro marcado

DORA KRAMER - O Estado de S.Paulo
Cumprido o prometido, o Supremo Tribunal Federal marcou para breve (1.º de agosto próximo) o início do julgamento do processo do mensalão.
O decano Celso de Mello, encarregado de levar a proposta do cronograma ao colegiado, pondera que o cumprimento do prazo depende de o ministro revisor entregar seu voto ainda neste mês.
A julgar por suas palavras - "Vou fazer o voto revisor mais rápido da história e entregar antes do fim do semestre" - Ricardo Lewandowski não será empecilho.
Cessam, portanto, as pressões e as desconfianças sobre um atraso proposital para deixar o exame do caso para depois das eleições, a fim de que não se "misturassem" assuntos de política eleitoral com questões judiciais.
Fechado um ciclo, abre-se outro decorrente da inevitável discussão sobre os efeitos das sentenças finais sobre o desempenho do PT nas urnas municipais e o destino do partido.
São 38 acusados de participar de um esquema em que foram tipificados vários crimes na denúncia do Ministério Público, mas que pode ser resumido no uso de dinheiro de origem suspeita (pública ou privada) para o pagamento de parlamentares a serem cooptados ou já integrantes da base do governo Lula.
Em 2005 o escândalo abalou as estruturas do PT, derrubou a então direção e só não levou o presidente a desistir de disputar a reeleição por obra de uma negociação com a oposição que achou arriscado criar uma crise.
Avaliou que Lula não se recuperaria politicamente e perdeu autoridade moral quando manteve Eduardo Azeredo na presidência do PSDB após a descoberta de que o operador do esquema, Marcos Valério de Souza, já atuara na eleição dele para o governo de Minas Gerais.
Não obstante o brutal desgaste, Lula conseguiu se reeleger. Assim, assim, em segundo turno, concorrendo com um Geraldo Alckmin quase desconhecido no plano nacional e de atributos pessoais, digamos, mornos.
Reeleito, construiu a mais espetacular recuperação já vista, passando a ocupar posto de ponta no panteão dos intocáveis. Mas o fez ao custo de muita mistificação sustentada em situação de céu de brigadeiro na economia.
Agora se aproxima a data do encontro marcado com a verdade. O Supremo estabelecerá culpas e inocências - não obstante possa também indicar apenas culpados ou só inocentes - e a partir das sentenças é que o País verá se Lula o enganou ou se tinha razão ao considerar-se e ao partido vítimas de uma "farsa".
Em caso de vitória da acusação, estarão ambos em maus lençóis, embora talvez não em enrascada sem saída, dada a capacidade de articulação do PT, a consolidação de uma hegemonia que o partido soube construir em todos os setores e principalmente em face da ausência de contraditório de identificação popular equivalente.