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domingo, 31 de julho de 2016

"Precisamos de encanadores"... / Fernando Gabeira

domingo, julho 31, 2016

Sobre humor e cangurus -

 FERNANDO GABEIRA

O Globo - 31/07

A frase infeliz de Paes faz pensar: existe um humor tipicamente carioca?


Não precisamos de cangurus, mas sim de encanadores. A frase da chefe da delegação australiana na Olimpíada do 
Rio é mais do que uma tirada pragmática. Ela nos leva a pensar no humor. Quando prometeu os cangurus, diante das reclamações sobre problemas hidráulicos, Eduardo Paes estava fazendo humor. E, ao contrário do que ele costuma dizer, não é um humor carioca, apenas humor. Na verdade, não sei se existe um humor tipicamente carioca. Um dos maiores humoristas de todos os tempos, o carioca Millôr Fernandes era universal na maioria dos seus textos e pode ser incluído em qualquer boa seleção planetária.

Talvez exista um humor judeu, classificado, organizado em antologias, com traços marcantes, como a autoironia de Woody Allen. Mas ainda assim é um esforço classificatório. No livro “O ato da criação”, Arthur Koestler descreve a dinâmica do humor e, de um modo geral, o atribui a um tipo de associação que expressa o encontro súbito de dois quadros do pensamento, uma centelha criativa que faz rir. Paes associou rapidamente um fato do mundo material, o entupimento das pias, para outro do mundo afetivo, os cangurus tão presentes no cenário australiano. A resposta australiana recolocou o quadro real da demanda.

Se examinarmos o quadro clássico da dinâmica do humor, ele apenas introduziu uma centelha criativa, com o propósito de fazer rir. No entanto, carioca ou judeu, o humor está sujeito a uma condição universal: tem ou não tem graça? É difícil aceitar a tese de um humor carioca, sempre que o prefeito do Rio diz uma frase infeliz. Existe um estado de espírito mais descontraído talvez. Mas ele também está sujeito ao julgamento do outro.

Se as frases de Paes expressam um típico humor carioca, era de se esperar que os cariocas fossem discretamente evitados por outros povos: lá vêm aqueles caras, com aquelas piadas sem graça. E não é isso o que acontece nas relações entre eles e o mundo. É compreensível que pessoas modestas atribuam seus talentos à sociedade em que trabalham, que socializem a celebração de suas conquistas. Mas torna-se um pouco difícil atribuir frases das quais ele próprio se arrepende a um traço da sua própria cultura. Como os cariocas, por serem cariocas, estivessem condenados culturalmente a dizer coisas sem graça, nas circunstâncias mais sérias. A resposta da australiana, Kitty Chiller — “precisamos de encanadores” — jogou Paes na realidade e foram feitos avanços nas reparações. Ministros de Brasília andaram dizendo que isso acontece mesmo com prédios novos. É a inversão do senso comum. Seria como dizer: meu carro é novo, por isso não sai da oficina.
O diálogo Paes-Chiller me jogou também numa outra dimensão da realidade. Se uma obra que custou R$ 2,9 bilhões, inaugurada com exposição internacional, foi entregue assim, o que acontece com as outras ao longo do Brasil, escondidas das câmeras, anônimas? Cobrindo uma enchente num bairro popular de São Gonçalo, a moradora me convidou para entrar em sua casa e ver o resultado de uma recente obra de saneamento. Simplesmente os canos devolviam esgoto para dentro de casa. Naquele momento, senti muito que ela fosse obrigada a viver naquelas circunstâncias desagradáveis. Era apenas uma velha senhora de São Gonçalo. O que vemos hoje atrela aquele destino individual à própria imagem do Brasil.

As reportagens mais críticas e dolorosas referem-se sempre aos graves problemas de saneamento. Uma atleta americana postou para seus seguidores: vou remar na merda por vocês. Num sentido mais amplo, a chefe da delegação australiana falou por todo o Brasil: precisamos de encanadores. Impossível esconder de uma superexposição internacional o fato de que ainda não resolvemos no XXI o problema que alguns países resolveram no século XIX, como o saneamento básico. Não é preciso ir aos bairros mais pobres para constatar essa realidade. As lagoas são um termômetro. Todas, e especialmente a Baía de Guanabara, são poluídas e decadentes. A opção de realizar a Vila Olímpica na Barra consagra um tipo de crescimento que segue o ritmo do próprio comércio imobiliário. Ao fugir das grandes concentrações, a expansão impõe ao governo custos muito altos para instalar a infraestrutura. A frase da australiana Kitty Chiller não é todo estranha à Barra de Tijuca de hoje.

Mas, certamente, ao apontar o crescimento para a região, ela pode se tornar profética: precisamos de encanadores. De uma certa forma, a Lava-Jato nos ajudou nisso. Grandes empreiteiras como a Odebrecht não terão condições de repetir seus métodos. E não poderão substituir o planejamento pela lista das obras que querem construir. O colapso dessas grandes empresas talvez abra caminho para se enfrentar com mais eficácia a tarefa do saneamento.

Se isso acontecer será também um legado da Olimpíada, teremos encanadores e os canos que ainda nos faltam.

sábado, 7 de maio de 2016

" Há um desejo de mudança "



Fernando Gabeira: Passeio em campo minado

A partir da semana que vem termina um capítulo da nossa História recente. O país precisa se reconstruir como se tivesse seus alicerces abalados por um bombardeio

Por: Augusto Nunes  Próxima

  1. Gastamos um bom tempo da nossa vida pensando numa saída para a crise. Creio que Michel Temer também. Sua trajetória, no entanto, terá mais repercussão na crise do que qualquer um de nós. Daí a importância de monitorá-lo.

Os jornais falam de um Ministério em formação. É difícil analisar algo que ainda não existe. Mas a julgar pelas notícias, o projeto contém uma primeira contradição. Temer, diretamente e por intermédio de Moreira Franco, afirmou apoiar a Lava Jato.
O provável Ministério, todavia, tem vários nomes de investigados. Se forem confirmados, não há avanço em relação ao PT, que, por sua vez, é um retrocesso em relação ao governo Itamar. Neste os investigados não entravam. E se estivessem no governo, deixavam o cargo para se defenderem.
Essa é uma trama ainda secundária, porque o foco estará na reconstrução econômica. Temer parece escolher uma equipe com a visão clara de que é preciso reconquistar a credibilidade como primeiro passo para que se volte a investir.
Quanto mais leio e ouço sobre o rombo financeiro, não apenas sinto a dimensão da tarefa de levar o Brasil até 2018, mas percebo como faltam dados sobre a verdadeira situação que o PT e seus aliados, PMDB incluído, nos legam. Mexidas no tamanho do Estado, discussão sobre nosso sistema de Previdência, tudo isso só se fará de forma menos emocional se houver uma verdadeira revelação de nossos problemas financeiros.
Não se faz apenas com um discurso, ou mesmo um documento. É algo que tem de ser bem difundido, com quadros comparativos, animações e um trabalho de divulgação que consigam atenuar o peso do tema. Será preciso dizer, por exemplo, se o governo vai pôr dinheiro e quanto na Petrobras, na Caixa Econômica, suas grandes empresas que vivem em dificuldade.
Leio também nos jornais que Temer vai trazer de volta uma velha guarda de políticos. Em princípio, nada contra. Mas é necessário lembrar que alguns problemas decisivos dependem de sensibilidade para a revolução digital.
Na quebra do monopólio das teles, além de pensar no avanço que isso traria para o Brasil, sabíamos também que havia regiões que não interessavam às empresas. Criou-se um fundo para universalizar a conexão telefônica e modernizar a infraestrutura de comunicações. Esse dinheiro jamais foi usado em sua plenitude, como manda a lei. Uma visão de retomada do crescimento tem de passar por um novo enfoque do mundo virtual e seu potencial econômico. Se nos fixarmos só no crescimento do universo material, corremos o risco de um novo engarrafamento adiante, se já não estamos de alguma forma engarrafados perante outros povos, como os coreanos, que trafegam com muito mais rapidez do que nós.
Temer disse que não é candidato. Isso é positivo não apenas porque ficou mais leve para atrair partidos com projetos para 2018. Mas, principalmente, porque ele pode tomar medidas que horrorizam um candidato.
Claro que as medidas serão debatidas, que em caso de divulgação ampla haverá uma consciência maior do buraco econômico. Ainda assim, os economistas preveem que em 2018 chegaremos ao poder aquisitivo de 2011. Certamente haverá uma aspiração de maior rapidez no processo de retomada. E Temer não pode andar tão rápido quanto a velocidade das expectativas.
Além disso, terá de navegar num mundo político desgastado, que dependeu da sociedade para chegar ao impeachment e dependerá dela para realizar a transição. Os temas da reconstrução mexem com diferentes interesses, dificilmente vão mobilizar da mesma forma que o impeachment.
Há, no entanto, um desejo de mudança.
Os rombos no Brasil sempre foram cobertos com aumentos de impostos, os contribuintes pagam o delírio dos governantes. Se Temer usar o caminho tradicional, vai romper com o desejo de mudança e adiar para as calendas um ajuste pelo qual o governo passe a gastar de acordo com seus recursos.
Todos gastaram muito. Há uma grande pendência sobre a dívida dos estados com a União. Juros simples ou compostos? Na verdade, a discussão mesmo é sobre quem vai pagar a conta, que pode resultar num prejuízo federal de R$ 340 bilhões.
Finanças dos estados parecem um tema muito chato. No entanto, quando você vive no Rio de Janeiro, vê hospitais decadentes, funcionários sem receber, escolas ocupadas, percebe claramente que, quando o governo entra em colapso, isso fatalmente influencia a sua vida cotidiana.
Um tema dessa envergadura acabou no Supremo Tribunal, quando, na verdade, teria de ser decidido no universo político, governadores e presidente. É uma demonstração de incapacidade que obriga o próprio Supremo a se desdobrar, estudar todo o mecanismo financeiro, ouvir as partes, estimular acordos que eles próprios já deveriam ter celebrado.
Com esses corredores e os obstáculos na pista será difícil chegar a 2018 se não houver um esforço de reconstrução que transcenda o mundo político. Esse esforço se torna mais viável com os dados na mesa: o estrago da corrupção e os equívocos da gestão econômica.
Algumas coisas já podem mudar nas próximas semanas. Por que tantos cargos comissionados? Por que reduzir investimentos, e não o custeio da máquina do governo? Incentivos para quê e para quem? Aumentos salariais do funcionalismo agora?
Quando Dilma entrou, na esteira de suas mentiras, lembrei que não teria lua de mel. Vinha de uma vitória eleitoral. Temer, por tudo de errado que Dilma fez, talvez ganhe um curto período. O problema é que a crise mexeu com a nossa noção de tempo, mais encurtado, desdobrando-se com imprevisíveis solavancos.
Mesmo ainda sem a caneta na mão, é preciso uma ideia na cabeça. A partir da semana que vem termina um capítulo da nossa História recente. O país precisa se reconstruir como se tivesse seus alicerces abalados por um bombardeio.

domingo, 1 de maio de 2016

Comentário sereno de Fernando Gabeira : o populismo do século XXI


Fernando Gabeira: A reconstrução como foco

Não adianta brigar ou cuspir, mas tentar entender a ruína do próprio projeto político

Por: Augusto Nunes  
Publicado no Globo
Neste momento em que palavras se liquidificam e argumentos tornam-se cusparadas, até por dever de ofício sempre me pergunto o que é importante e como não perder o foco. O processo de impeachment segue seu rumo no Congresso, é hora de apressar o processo de reconstrução econômica, buscar atrair investimentos mais rapidamente, atenuar a crise no mercado de trabalho.
Os diagnósticos já conhecidos parecem convergir para um objetivo de retomada do crescimento com proteção dos mais vulneráveis. Uma das críticas ao Bolsa Família era a ausência de foco nos mais vulneráveis, precisamente para alcançar o melhor efeito com o dinheiro. A dispersão do modelo petista traz mais votos, mas tem menos eficácia. Vamos esperar a dança dos nomes e a chegada do momento em que possamos reagir, saindo logo desse pesadelo nacional. Uma capa de revista com cartaz “help” na estátua de Cristo expressa esse sentimento.
A energia de reconstrução talvez seja mais leve do que dos embates políticos do momento. Um segundo e importante front é a transparência sobre o que se passou no governo. Só a Lava Jato colheu 65 delações premiadas. Num único fim de semana, três importantes depoimentos apareceram. Um deles, da publicitária Danielle Fonteles, revela como o esquema de propina sustentou a propaganda do PT e a folha dos blogueiros chapa-branca. Em outro, Mônica Moura, mulher de João Santana, revela que recebeu dinheiro por interferência do ex-ministro Guido Mantega. Finalmente, o dono da Engevix, José Gomes Sobrinho, revelou seu esquema de propinas pagas ao PT e ao PMDB, citando Renan e Temer. Todo esse conjunto de dados vai estar à disposição para que todos se interessem, leiam e saibam como operou o governo, como se venceram as eleições. Depois de tudo isso digerido, será mais fácil conversar. De vez em quando chegam críticas pesadas. No mesmo tom raivoso das ruas. Para alguns deles, sou velho e amargurado. Minhas ideias são medidas pelos anos e não pela sua consistência.
Bobagem. Quando todas as cartas estiverem na mesa, será mais fácil mostrar como se enganam os que veem em 2016 uma repetição de 1964. Talvez pressintam isso, mas são prisioneiros da tese de que Dilma sofreu um golpe e não um impeachment. O próprio Lula parece não compreender a diferença entre um golpe militar e um impeachment. Afirma que não entende pessoas perseguidas e exiladas pela ditadura apoiarem o impeachment. Como se estivéssemos apoiando censura, prisões, exílios e banimentos. A tese de que isto é uma repetição de 64 iguala o pensamento da esquerda ao de Jair Bolsonaro, que, no seu discurso, disse “vencemos em 64, vencemos de novo”, como se os tanques do General Mourão marchassem contra o Planalto.
O Brasil mudou, vivemos um momento diferente. A própria Guerra Fria, a atmosfera envolvente da época, foi embora com a queda do Muro de Berlim. No entanto, existe um dado na experiência pós-64 que ainda me intriga. Depois da derrota do populismo de esquerda, os jovens fizeram uma pesada crítica aos líderes, uma grande renovação, a partir do movimento estudantil que buscou um outro caminho, equivocado, mas um outro caminho. Hoje, os populistas levam o país para o buraco e ainda convencem seus seguidores que a derrota é fruto da maldade do adversário. Um dos artifícios é fragmentar a realidade, fixar-se numa era de bonança internacional, escamoteando uma longa gestão perdulária que acabou resultando nisto: retrocesso econômico, desemprego. Assisti no século passado ao fim do socialismo real. Agora assisto aos últimos suspiros do chamado socialismo do século XXI, com as mesmas filas para comprar produtos essenciais. Minha rápida incursão na Venezuela, já na fronteira, indicava o fracasso bolivariano. Ainda no lado brasileiro, em Pacaraima, via pessoas com imensos maços de notas em busca de reais ou dólares. Os caminhões de carne brasileiros voltavam cheios porque já não conseguiam pagá-los.
Aceitar a realidade não significa amargura. Talvez por isso tanta gente se refugie na ilusão e persiga tantos moinhos. Aceitar a realidade abre caminho para novas ideias, reinvenções. No século passado, foi possível abrir novos caminhos para uma esquerda limitada pela luta de classes. Ao cooptar as lutas emergentes e colocá-la sob sua asa financeira no Estado, a esquerda conseguiu levar algumas dessas lutas à caricatura. De todos os princípios que tentei preservar do desastre do século passado, ao lado da preocupação com o meio ambiente, os direitos humanos, a redução da desigualdade social, um deles é básico: a democracia como objetivo. Por mais que fale em democracia, o governo do PT a utilizou para seus próprios fins, esgrimiu seu nome sempre que isto era bom para ele.
Quando passar toda essa emoção, pode estar aí um bom roteiro para descobrir o ovo da serpente. Não adianta brigar ou cuspir, mas tentar entender a ruína do próprio projeto político. O governo vai dizer que caiu por suas qualidades. O marketing exige assim. Uma sociedade malvada rejeitou seus salvadores. É uma canção de ninar. Sofremos na terra, mas será nosso o reino dos céus. Perdemos mais uma batalha, mas será nossa a vitória final. Se conseguir interessá-los por esse paradoxo, talvez tenha valido a pena ouvir os seus insultos.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

O Futuro que o PT não percebeu chegar e foi encurralado por esta falta de observação

17/04/2016
 às 14:17 \ Opinião

Fernando Gabeira: O tempo passou na janela

Publicado no Globo 
Estou em Brasília. É o segundo impeachment que presencio. Conheço a coreografia, embora, com o passar dos anos, ela tenha se tornado mais visual, mais voltada para as TVs, como os desfiles de escolas de samba. Vou documentar fantasias e adereços, mas no universo das coisas existe um personagem ao qual vou me dedicar: os smartphones. Há um exército de 170 milhões de smartphones no país, e quem viaja pelo interior vê sua capilaridade. Foi uma espécie de introdução das massas a um novo tempo movido pela busca da transparência.
O projeto do PT e da esquerda bolivariana era reproduzir uma visão do século passado, adaptá-la com a etiqueta de socialismo do século XXI, usando o caminho eleitoral e a conquista progressiva das instituições. Sem se dar conta, estava sendo engolfado por outro tipo de revolução em que os novos instrumentos tornam possível uma grande demanda internacional: transparência.
Em certos momentos, o PT rendeu-se a essa corrente: ampliou a autonomia da Polícia Federal, fez uma lei de acesso às informações. Mas ainda assim subestimou a luta pela transparência como se fosse apenas mais uma ideia entre outras. Ignorou suas bases materiais, sua irresistível dinâmica.
Essa miopia levou o PT à sua mais crucial contradição: armar o maior esquema de corrupção da História, no momento em que a sociedade e as instituições estão mais bem posicionadas para impor um alto grau de transparência.
Isso é um movimento que transcende o Brasil. As coisas toleradas no passado deixaram de o ser no presente. Dilma não entendeu isto. Nem o PT. Eles sempre dizem: no passado foi assim, se forem nos punir, têm de punir os outros.
Existe um momento em que as coisas que sempre foram assim simplesmente deixam de ser. Lembrar isso não é impulso de velho reacionário. Assim como não era lutar pela quebra do monopólio estatal das telecomunicações. O PT e a esquerda em sua órbita foram contra, mas não imaginam que surgiria dali a base material que iria contribuir para sua desgraça.
O PT perdeu o bonde da transparência, um tipo de luta que conta não só princípios, mas sólida e estrutura tecnológica, ao contrário da revolução bolivariana com benesses impagáveis. Diante desse novo universo onde tudo se compartilha, tudo se fotografa, tudo se investiga, a escolha política era dar as mãos à transparência e transformá-la numa poderosa aliada do governo, pois ela traz consigo uma outra bênção: a credibilidade.
O PT entendeu esse novo universo como um espaço onde poderia desenvolver sua guerrilha, esconder seus crimes, combater os adversários, ironizar os velhos reacionários adeptos da frase de outro velho, Lord Keynes: quando os fatos mudam, mudo de opinião — o senhor, o que faz? Muito em breve saberemos mais completamente o que se passou no Brasil. Talvez algumas pessoas não esperam apenas os fatos, mas uma avalanche de fatos para mudar de opinião.
Ao contrário do impeachment de Collor, o de hoje representa um trabalho que veio da sociedade e foi apenas secundado pelo sistema político. Quem assumir o poder já entra devendo. É um partido que foi sócio de um projeto criminoso. Se refletir sobre a desgraça do PT, não tentará novos assaltos, porque serão descobertos, não tentará interferir em instituições autônomas pois, ao lado da sociedade, elas não permitirão. Com os atuais meios de controle, é impossível a sobrevivência de um governo corrupto. Os novos governantes precisam refletir sobre isso.
O vídeo de Temer não toca nesse detalhe que mobiliza milhões de pessoas. Não podia esquecer. Nem vazar vídeos por engano. A espionagem internacional tem um enorme aparato para grampear presidentes. Dispensa colaboração espontânea.
Se hoje à noite estiverem comemorando a chegada do governo, não se esqueçam: a presença de Eduardo Cunha é intolerável. Não se erguem muros para discutir sua queda. É uma ponte simbólica entre a maioria e minoria no Brasil. É o nosso carnaval da quarta feira.

domingo, 10 de abril de 2016

O PT e seus desvarios democráticos

domingo, abril 10, 2016

Vamos falar sobre ela -

 FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 10/04

Não vejo ameaça, mas sim uma face crescente da demanda de democracia no Brasil


Neste momento de crise, sinto falta dos longos debates do passado. Era necessário estudar, escrever documentos, discuti-los. Hoje, o debate se ampliou com as redes sociais e ganhou inúmeras outras formas de expressão, desde clicar like, aos comentários, memes, animações. Não creio que em outro momento da História o Brasil tenha discutido tão extensamente o seu problema. Mas o debate afunilou com o impeachment.

Há ainda o ritmo dos fatos. Como se não bastassem nossas bombas domésticas, estourou uma bomba mundial com os “Panama Papers”, 11,5 milhões de documentos pesquisados por um grupo internacional de repórteres, inclusive do Brasil. Os “Panama Papers”, ainda que não assimilados como um todo, acrescentaram novidades para nossa observação: como cada país reage diante dos escândalos indicando corrupção. No caso da Islândia, o primeiro-ministro renunciou diante da notícia de que tinha contas numa offshore. Reagem muito rápido, as pessoas vão para a rua e o governo cai.

Não há notícias de manifestações a favor do governo. Parece que existe na Islândia um certo consenso sobre a democracia. E este consenso nos falta no momento. Aqui no Brasil os manifestantes a favor do governo veem um golpe à democracia num processo de impeachment realizado dentro da lei, respaldado pela corte suprema do país. A esperança é que percebam com o tempo que é, precisamente, de um déficit de democracia que o governo do PT é acusado.
Ou não é um déficit de democracia inserir decretos secretos no Orçamento? Ou comprar o apoio da base aliada no mensalão? Arruinar a Petrobras com outra aliança política para vencer as eleições? Existem déficits mais sutis, como por exemplo ter uma política partidária e não nacional. O PT se concentrou nos vizinhos bolivarianos e deu as costas para os centros de renovação e tecnologia, especialmente os Estados Unidos. Ou déficits mais grosseiros como tentar interferir no Supremo, pressionar procuradores, tentar obstruir a Justiça.

Talvez esse debate nem se faça porque os acontecimentos são muito rápidos e, em breve, seremos forçados a iniciar outro mais urgente: os caminhos da reconstrução.

Momento complicado em que as benesses eleitorais que sobrecarregam o Estado terão de ser reavaliadas mobilizando inúmeros grupos de interesse. E aí não me refiro tanto aos gastos sociais que precisam ter foco para proteger os mais vulneráveis. Refiro-me principalmente às isenções ficais, ao crédito subsidiado do BNDES que cultivou uma réplica da burguesia bolivariana da Venezuela, milionários na órbita do governo.

Quando o barco entra na tempestade, o ideal é uma articulação de todos os tripulantes para superar a tormenta. Não é isso que acontece: estamos brigando, e nossos movimentos nos empurram para o naufrágio. Na falta do consenso, é necessário buscar a unidade possível. Não é uma tarefa para Dilma e o PT rejeitados hoje pela maioria.

As ironias de Lula sobre os manifestantes de verde e amarelo confirmam apenas que ele se refugiou no vermelho. Isso se explica pelo momento defensivo em que ele e o PT vivem. É impossível se encastelar na minoria, numa visão partidária de nós contra eles e aspirar a uma unidade nacional.

Considerando as tarefas históricas pela frente, o isolamento é o lugar do perdedor. Essa realidade transcende a votação do impeachment.

Daqui a pouco as delações premiadas recolocariam o tema no TSE, novas denúncias surgem na Lava-Jato, enfim o governo viveria de espasmos como um peixe na areia. O impeachment é o caminho mais rápido. Lula tenta culpabilizar os adversários dizendo que é imoral assumir o poder sem ter sido votado. Segundo ele, será difícil contar a história para os netos.

Lula e tantos outros, com meu apoio, derrubaram o governo Collor, eleito, legalmente, e não foi imoral que Itamar Franco assumisse o governo. Muito menos temos vergonha de contar aos netos que apoiamos a queda de Collor.

Mas no caso Collor havia razão para o impeachment, dirão alguns. O Supremo o absolveu, logo, historicamente, é possivel afirmar que o julgamento também foi político. Quando se trata de um governo considerado conservador, o impeachment é um instrumento democrático. Quando se trata de um governo de esquerda, ele é um golpe.

Voltamos ao debate reprimido. A democracia não é instrumento tático que se usa oportunisticamente. Ela é um objetivo estratégico e foi duramente espancada ao longo destes anos.

A sociedade se manifestou pacificamente e canalizou seu protesto para a instituição que poderia resolver legalmente o problema. Não vejo ameaça à democracia, mas sim uma face crescente da demanda de democracia no Brasil, cujo primeiro grande momento foi a campanha das diretas.

sábado, 26 de março de 2016

"Cada dia uma agonia..." / Fernando Gabeira

Cada dia uma agonia - 

FERNANDO GABEIRA

ESTADÃO - 25/03

Pensei que esta seria uma semana de trégua. E é, de certa forma, no plano nacional. Na verdade, o atentado em Bruxelas mostrou a face covarde da guerra. Ao considerá-la assim, uma semana de trégua, lembrei-me de uma grávida que entrevistei num bairro infestado de mosquitos em Aracaju: “Graças a Deus, o que tive foi chikungunya”.

Os fatos da semana passada não me permitiram tratar de escutas telefônicas. Tenho experiência disso. Nas eleições de 98, um repórter ouviu ligação minha e divulgou uma frase em que dizia que uma deputada estadual era suburbana. Isso num contexto sobre implantação de aterros sanitários, que, para mim, deveriam ter um enfoque metropolitano. Reclamei de forma, mas não me detive nisso porque havia algo mais importante a tratar: o conteúdo.
O adversário na época, Eduardo Paes, fez uma grande campanha em torno disso. Vestiram camisetas com a inscrição Sou suburbano com muito amor. Ainda hoje as fotos me fazem rir.

A reação de Dilma e seus defensores foi dissociar a forma do conteúdo e discutir só aquela. A tentativa de explicar o diálogo gravado foi ridícula, segundo o New York Times. Patética para outros, que observam o fluxo dos últimos acontecimentos. No caso, não se trata de um grampo, mas de levantar o sigilo de um processo. Moro investigava Lula e o conjunto das gravações indicava a busca de um ministério para escapar do processo. O último áudio apenas foi uma espécie de CQD.
A Lava Jato é, para mim, a maior e mais bem-sucedida operação realizada pela polícia brasileira. Sua atuação é espetacular, mas, se comparamos com o futebol, é possível jogar uma partida magnífica e ainda assim cometer algumas faltas.

No meu entender, elas estão no levantamento do sigilo de áudios que tratam de assuntos pessoais, sem importância real no processo. Eu deparo com esse problema no trabalho cotidiano. Outro dia entrevistei uma cozinheira e ela disse que se casou com o primo por falta de alternativa. Minutos depois me procurou para que apagasse esse trecho da entrevista. Atendi imediatamente. Que interesse teria isso para a história que estava para contar? Nenhum. 

O que é irrelevante para o público pode ter enorme repercussão na vida da pessoa. Uma frase mal colocada, absolutamente inócua para o espectador, pode desatar inúmeros dramas familiares, suspeitas, rancores.

Com escritores, juristas, tanta gente de talento defendendo Dilma, ninguém trata do conteúdo do processo levado por Moro, o que, na verdade, interessa mais ao povo. Falam em defesa da democracia, mas ignoram o mensalão, o escândalo na Petrobrás, dois ataques violentos à própria democracia.
Fui deputado alguns anos e me sinto enganado por ter de discutir com parlamentares que foram comprados pelo governo. Não há debate real. As posições foram pagas no guichê do palácio. Para mim, isso é a real negação do processo democrático. E os dados estão aí: a Petrobrás foi arrasada, apenas em 2015 teve um prejuízo de R$ 43,8 bilhões; só a Operação Lava Jato conseguiu bloquear R$ 800 milhões no exterior. 

Que tipo de democracia é esta em que você compete com campanhas milionárias sustentadas com grana roubada de empresas estatais, via propinas das empreiteiras?

As delações premiadas da Andrade Gutierrez e de Marcelo Odebrecht vão demonstrar tudo isso. No caso de Odebrecht, é preciso ver ainda o que tem a falar, porque sua resistência acabou provocando um avanço da Lava Jato sobre os segredos mais guardados da empresa.

Outra discussão que reservei para a semana de trégua: a condução de Lula. Tenho amigos que a criticam, na verdade, tenho amigos que até são contra o impeachment. A Lava Jato, a esta altura, fez 130 conduções coercitivas. Mas Lula estava disposto a depor, dizem. E os outros, se chamados, também não estariam dispostos? O que determina a medida é análise dos fatos, a lógica da investigação.

Outros lembram: Lula é um símbolo. Respondo que a lei vale para todos. Está escrito na Constituição. Teríamos de redigir a emenda: a lei vale para todos, menos para os símbolos. 

Aliás, o termo símbolo é muito vago. Eventualmente um homem desconhecido pode se tornar símbolo de algo. O pedreiro Amarildo transformou-se num símbolo. Um jovem negro assassinado os EUA vira símbolo do conflito racial. 

É surpreendente ver como Lula se transformou, na realidade, num líder conservador: a esperança dos corruptos de melar a Operação Lava Jato. Deixando de lado o machismo, que não é novidade, suas falas gravadas mostram um personagem típico: sabe com quem está falando? Seu ataque à autonomia da Polícia Federal é simplesmente reacionário. Ainda mais, articulado com frases em que condena a busca de autonomia em outros setores. “Só Dilma não consegue governar, não tem autonomia”, diz ele.

Uma visão realmente política não culpa a oposição pela imobilidade do governo. Seria o mesmo que Lenin, derrotado num bar do Quartier Latin, afirmar que a revolução fracassou por causa dos mencheviques.

Dilma não consegue governar, concordo com Lula. Mas o problema não está na oposição, está nela. Lula reconhece isso nos seus discursos, pedindo que Dilma sorria pelo menos algumas vezes. Acho um apelo inútil, como os que encontramos em algumas lojas: sorria, você está sendo fotografado.

Se Lula reconhece que Dilma não é capaz de presidir, terá de reconhecer também que errou ao lançá-la. E toda essa imensa máquina petista teria de compreender que não se inventa um quadro político, ele se faz na história cotidiana, ao longo de mandatos, no fascinante jogo político, um jogo tedioso para quem não gosta dele.
Isso são reflexões de uma semana de trégua. Não há futuro para o governo. Toda a sua energia se consome na defesa do impeachment, no medo da Lava Jato. Cada dia que um projeto fracassado consegue sobreviver é mais um dia em que o Brasil afunda. Isso parece não ter nenhuma importância para eles. Lamento.

sexta-feira, 11 de março de 2016

Amor ao Brasil e paz para a jararaca.../ Fernando Gabeira

De paz e amor a jararaca - 

FERNANDO GABEIRA

O Estado de S. Paulo - 11/03

A crise brasileira é tão asfixiante que às vezes preciso de uma pausa, ouvir música, ler algumas páginas de romance. Em síntese, recuperar o fôlego.

As crises assumem ritmos mais rápidos no seu final. A reação de Lula na entrevista coletiva, ao sair da PF, não me pareceu a de um candidato.

Em 2002 foi difícil vencer com o “Lulinha paz e amor”. Em 2018 será impossível vencer como jararaca. Um candidato não se identifica com uma cobra peçonhenta. Nem se considera a alma mais honesta do Brasil. Verdade que seu marqueteiro está na cadeia. Mas onde está a intuição política que sempre lhe atribuem?

Ele perdeu a cabeça e, com ela, a chance de representar a serenidade do inocente. Seu marqueteiro representou. Não evitou a cadeia, mas, pelo menos, era um scriptmais elaborado.

Lula queria ser algemado. O marqueteiro e a mulher, também. Eles colocaram as mãos para trás, incomoda menos que as algemas reais, mas não tem o mesmo efeito. No fundo, um tremendo esforço para se fazer de vítima, conquistar pela emoção a simpatia que os fatos liquidaram.

Na Justiça, a decisão vai trabalhar com os fatos. Se alguém, realmente, quer contestar sua provas, precisa argumentar também com evidências.

Nem sempre as decisões na esfera do crime são bem recebidas. Em muitos pontos do Rio, prisões resultam em protestos, queima de pneus e bloqueios. Alguns líderes religiosos, quando presos, também emocionam seu rebanho.

No campo da política, há sempre o cuidado com os conflitos sociais. Para quem viu conflitos sociais, o que aconteceu na sexta passada foi apenas uma briga de torcidas e, na verdade, mais pacíficas que as de futebol.

Leio num jornal brasileiro que iriam buscar, entre outros, um gesto de solidariedade de Nicolas Sarkozy. Leio num jornal francês que Sarkozy também está às voltas com a polícia. Sujou, bro.

Apesar de seu ritmo, os últimos dias têm trazido uma ponta de otimismo, mesmo nos mercados, que são tão voláteis. Esse otimismo está baseado na queda de Dilma, mas deve ser estendido também a Eduardo Cunha. Os dois são rejeitados pela maioria. Não se trata apenas de festejar uma queda, desfazer-se de uma pedra no caminho. É criar uma chance de, superando o impasse político, recuperar a economia.

O que move as pessoas no domingo não é só a unânime luta contra a corrupção, mas também a clareza sobre as dificuldades cotidianas. Elas podem não ter uma noção clara do que deva ser feito. Mas sabem que algo precisa ser feito. E urgente.

Sempre que foi preciso, a sociedade brasileira manifestou-se claramente. Será assim no domingo e, para dizer a verdade, não acredito em conflitos, como algumas vozes do PT sugerem e Dilma confirma, a seu modo, pedindo paz.

As coisas vão se resolver de forma tranquila e o bicho-papão não tem como amedrontar ninguém. Escaramuças pode haver, mas seriam mais um caso de polícia: mais gente presa e neutralizada.

É ingênuo supor que as pessoas, dando-se conta de que o País está à deriva, com um governo que se elegeu com grana da Petrobrás, numa enorme crise econômica, vão ficar em casa só porque uns caras de camisa vermelha fazem cara feia ou gestos obscenos com o dedo.

Quando as pessoas denunciam a corrupção estão baseadas em fatos reais, documentados, investigados com rigor. Sabem que a Petrobrás foi saqueada, sabem dos milhões de dólares que foram repatriados. Não adianta cara feia. Se isso fosse uma saída histórica, bastava saquear o País e dizer: não me prendam porque senão vamos para as ruas gritar; não apareçam para protestar porque estou bravo, viro uma jararaca.

Outro dia, o bispo auxiliar de Aparecida recomendou aos seus fiéis pisarem na cabeça da jararaca. E um juiz condenou um adversário do PT a pagar multa de R$ 1,00 por ter criticado o partido. E ironizou que é um partido que tem a pessoa mais honesta de todas.

O bispo via a luta contra a jararaca como a luta entre o bem e o mal. Quem se colocou como cobra venenosa foi o próprio Lula. E o fez num recado para a Justiça. É uma declaração subconsciente de culpa: jararaca eu sou, acontece que vocês não atingiram minhas funções vitais, sigo sendo uma cobra venenosa.

Dilma reclamou de injustiça, mas até hoje não defendeu Lula no mérito. Colaborou na forma: protestou pelo fato de a Lava Jato tê-lo levado a depor debaixo de vara.

Inconscientemente, Lula pediu para ser destruído. O bispo levou-o ao pé da letra. A Lava Jato certamente entendeu de outra forma. E optou pela pesquisa. São os fatos que já existem e os que ainda não foram divulgados que vão definir o destino do governo e de Lula.

Tanto parlamentares como juízes precisam saber claramente o que a sociedade pensa. Não trabalham com pesquisa e, de qualquer forma, não se antecipam nunca. São viciados no único estímulo: um sopro na nuca, de preferência um vento bem forte, 100 km por hora.

Em outras palavras, a manifestação de domingo pode ser o sopro que falta para romper o impasse político. Mas, de qualquer maneira, a vaca já foi pro brejo. Não há horizonte com o governo Dilma, exceto empobrecer mais, enquanto ela luta por se agarrar no cargo.

No domingo há, ainda, a chance de uma aproximação maior de todos os que querem mudança. É fundamental que estejam próximos durante a travessia até 2018. Esta, sim, já me preocupa mais que as bravatas de Lula. Precisa de um mapa do caminho para recomeçar em 2018 com a economia recuperada e um grau de consciência nacional que não deixe jamais o Brasil chegar ao ponto a que chegou.

Essa é minha esperança. Por ela vou às ruas. Não para me expressar, pois isso posso fazê-lo com liberdade na imprensa. Nem para flertar com a política, interesses partidários ou eleitorais. Vou para a rua porque acho que é o lugar onde devem estar todos os que queiram tirar o Brasil do buraco e encerrar este triste episódio histórico.

Vou para a rua porque é onde devem estar todos os que queiram tirar o Brasil do buraco.

segunda-feira, 7 de março de 2016

O momento político atual favorece o Brasil... Vamos ver domingo ?

06/03/2016
 às 17:48 \ Opinião

Fernando Gabeira: As portas de março

Publicado no Globo
O sítio Santa Bárbara, em Atibaia, tem um caseiro chamado Maradona e é um autêntico gol de mão, desses que se fazem na esperança de enganar o juiz. O sítio foi reformado, assim como o triplex de Guarujá, por duas empreiteiras envolvidas no Petrolão: OAS e Odebrecht. É um enigma como o triplex do Guarujá. Estávamos nos divertindo com os pedalinhos do sítio Santa Bárbara quando surgiu a delação premiada de Delcídio do Amaral, ex-líder do governo. São revelações tenebrosas de sabotagem da Lava Jato. Lula pagando à família de Nestor Cerveró para proteger seu amigo Bumlai. Dilma nomeando um ministro do STJ para libertar os empreiteiros.
Tudo isso acontece depois de o PT derrubar um ministro da Justiça e colocar outro com as iniciais WC para tentar conter a lama que chega ao Palácio do Planalto. O que significa controlar a Lava Jato, nesta altura das investigações? Há uma fila de delatores no pipeline. Novas informações virão à tona, as coisas ficarão mais claras ainda, como se ainda não fossem suficientemente claras. Na sexta, com novo ministro e tudo, a Polícia Federal, cumprindo determinações da Justiça, fez uma devassa no Instituto Lula e nas casas da família. Uma pessoa sensata diria que não é hora de brigar com a polícia e sim discutir coisas mais práticas com ela, como banho de sol, visita íntima.
O filme está acabando, e as revelações de Delcídio mostram uma realidade que já intuíamos: a luta surda contra a Lava Jato. Diziam que José Eduardo Cardozo caiu porque não controlava a Polícia Federal. Caiu, na verdade, depois de tentar o controle e fracassar. Esse juiz, Marcelo Navarro, que teria sido nomeado para liberar no STJ, já foi denunciado inúmeras vezes no site O antagonista como o homem que iria dar os habeas corpus. Bem que ele tentou: perdeu por 4 a 1.
Tentaram controlar o Supremo, a julgar pela delação de Delcídio, e falharam. Tentaram o STJ, perderam de 4 a 1. Fizeram de tudo e se esborracharam. As portas estão se abrindo. A começar pela tarefa urgente de derrubar Eduardo Cunha, transformado em réu pelo Supremo Tribunal Federal.
Cunha é um imenso trambolho no caminho. Se a Câmara não destitui da presidência um réu na Lava Jato, acusado em depoimentos de delatores e com contas na Suíça, então é uma tarefa que os próprios ministros precisam executar. Mas isso pode ser feito rapidamente na Câmara. Basta parar tudo e forçá-lo a sair. A oposição tem o dever de fazer isso e realizar uma nova eleição. Como conviver com a ideia de que um presidente da Câmara é, ao mesmo tempo, réu no maior processo de corrupção do país? É tão grave quanto conviver com um governo que se elegeu usando dinheiro do Petrolão para pagar seu marqueteiro. E tentou de várias maneiras sabotar as investigações da Lava Jato. Dilma e Cunha estão queimados, há um rastro de fumaça nos poderes da República. Os tribunais, Superior e Eleitoral, são as únicas forças de pé. Têm que dar uma resposta.
O que está se passando no Brasil pode ser visto de muitas formas. Mas é também humilhante viver num país em que dois poderes estão afundados no escândalo. Daí a importância de domingo que vem, dia 13 de março. É o momento em que a sociedade tem chance de mostrar como vê tudo isso. As pesquisas já indicam o sentimento majoritário.
Manifestações são diferentes de cifras: pessoas de carne e osso expressando sua vontade de resolver a crise política. Elas sabem que desatar esse nó traz um alento para o combate em outro front assustador: a economia. Já se fala num cenário de moratória, no qual o Brasil não terá condições de saldar os seus compromissos. Quebradeira. Ainda é um cenário no horizonte. Torna-se mais provável quanto mais demorar a solução da crise política com a saída de Dilma e Cunha.
Dessa maneira vejo o 13 de março. Um dia não apenas para protestar contra Dilma e Cunha, pateticamente agarrados aos seus cargos, enquanto o país afunda. Mas para afirmar que esse é o passo inicial de um longo e áspero caminho para soerguer a economia. O PIB caiu 3,8% em 2015. As perspectivas são piores em 2016. As respostas positivas do mercado ao fim do governo indicam como o colapso dos dois podres poderes será um passo adiante. Entre outras, a vantagem de mudanças impulsionadas pela sociedade é a consciência coletiva da amplitude da crise econômica. Não posso garantir que esse será o caminho vitorioso. Apenas afirmo que as possibilidades de saída são muito maiores quando há sintonia entre um governo respeitável e uma população consciente da gravidade do momento.
Já disse isso de muitas formas. O Brasil está parecendo um pouco com aquele personagem do Castelo do Kafka que esperou anos diante de uma porta, para descobrir que estava aberta.
Quem sabe, domingo que vem?

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

"O processo de morrer" ,,, Fernando Gabeira

22/02/2016
 às 17:47 \ Opinião

Fernando Gabeira: O processo de morrer

Publicado no Globo
New York Times revisou no domingo cinco livros que falam de morte. O tema voltou às livrarias americanas. Na verdade, volta e desaparece, com constância. Um desses livros, Mortais, de Atul Gawande, acabo de ler. Ele é um jovem médico filho de um médico indiano, que acompanhou, além da morte do próprio pai, outros processos delicados e dolorosos.
A tese básica do livro é a de que a sociedade tecnológica, talvez pela sua incrível capacidade científica, descuidou do processo de morrer, de como é importante para os doentes escreverem seu próprio capítulo final. Em vez de cuidados paliativos diante da morte próxima e inevitável, os médicos, às vezes, submetem os pacientes a longos processos extremamente dolorosos, caros e, no final das contas, inúteis. Durante a doença e morte de Tancredo Neves, cheguei a fazer um programa onde interrogava, com todo o cuidado, se não era melhor desligar os aparelhos e deixá-lo morrer em paz. O problema não se limita ao instante final. A medicina paliativa, segundo os exemplos que Gawande nos dá, não só evita inúteis processos de quimioterapia e operações dolorosas. Ela, efetivamente, ajuda as pessoas a escreverem o capítulo final de suas vidas, às vezes ir à formatura de um neto, rever um certo lugar do mundo, enfim, as escolhas dependem de cada pessoa. Em países pobres, com um sistema de saúde precário, quase não existe essa intensificação tecnológica diante do leito de morte. É um problema das classes médias e países desenvolvidos. O tema me interessa muito do ponto de vista humano. Mas, às vezes, sou tentado a extrapolar os limites do indivíduo e examinar o processo de morte no curso da história.
Na política, a morte é quase uma palavra proibida. Partidos se preparam para a longevidade no poder. Sérgio Motta, um ministro tucano, dizia que o projeto do PSDB era ficar 20 anos no governo. Quando o PT tinha as mesmas pretensões de tempo. Mas, rapidamente, caiu na tentação da eternidade. Para um pensamento rigoroso de esquerda, não havia, realmente, alternância no poder, mas uma simples troca de siglas, representando os interesses do mesmo grupo dominante. Como produzir uma ilusão de alternância e manter o poder para sempre? No caso da burguesia, a base fundamental de sua proeza era a propriedade dos meios de produção. É muito difícil estatizar tudo na economia. Mesmo não estatizando tudo, o pouco que se avança nesse caminho é suficiente para grandes tragédias econômicas, como a da Venezuela. Mas é possível criar uma burguesia amiga em torno do estado, comprar o Congresso, escolher juizes e procuradores e, com algum dinheiro, criar imprensa favorável. Mas um país não é feito apenas de corruptos e idiotas, embora no Brasil exista uma concentração respeitável que reúne essas duas condições. A experiência econômica fracassa, a corrupção torna-se um escândalo. Em princípio, o caminho é negar. Com o tempo, adota-se o argumento de que todos fazem. O partido que prometeu ética na política decadente procura se esconder nas dobras do sistema político que condenava. Ser igual aos corruptos tradicionais é, na verdade, uma atenuante, porque ele se sabe muito pior. Seu projeto não é apenas se corromper, mas tocar um universo corrompido como um grande maestro.
Os marqueteiros soam para mim como os médicos que dominam a tecnologia: sempre têm uma solução para retardar a morte, mesmo em detrimento da qualidade de vida. O PT e o sistema partidário no conjunto vivem uma vida miserável sob aparelhos: infusões, radioterapia, náuseas e vômitos, tudo isso porque são incapazes de escrever o seu próprio capítulo final. Um indivíduo diante da morte costuma revisitar lugares, cicatrizar feridas, reparar, dentro dos limites, alguns dos erros, admitir sua finitude e desaparecer com dignidade. Nada disso está em cena. Nem com o PT nem com os restantes partidos que perderam o contato com a seiva vital: a participação ativa da sociedade.
Essa incapacidade de reconhecer que os partidos são mortais, seria apenas mais uma ilusão, entres os milhares que povoam as modernas salas de cirurgia. No entanto, na busca desesperada de uma sobrevida, o PT e aliados não se importam em arrastar o país para o abismo. Se o Brasil aceitar isto, ele não morrerá. Mas as novas gerações terão seu futuro comprometido. Entre as ruínas, veremos a aliança de corruptos e babacas sustentar a presidente que sugere que saiamos por aí para destruir a “mosquita”.
De fato, é a fêmea que transmite zika, e, hoje, se produzem mosquitos estéreis exatamente para que, no contato com elas, inviabilizar seus ovos. Já imagino os domingos em que, seguindo a orientação da grande líder, sairemos às ruas para matar a “mosquita”, certamente com uma boa cartilha superfaturada. A política do Brasil tornou-se uma farsa. Balões de oxigênio, soro, macas, sedativos tarja preta — os partidos insistem em nos governar do seu hospital no planalto. O próprio ministro da Saúde se sentiu mais à vontade no hospício parlamentar do que nas ruas onde corre a epidemia. Simplesmente se recusam a morrer. Se passam na sua frente, você grita ladrão. Mas se não passam, é como se habitassem um mundo paralelo. É uma imagem imprecisa; paralelas só se encontram no infinito. Estamos sendo ferrados diariamente.