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quarta-feira, 27 de março de 2013

Nossos vícios têm virtudes...


joão pereira coutinho

 

26/03/2013 - 03h00

As virtudes dos nossos vícios


Assisti finalmente a "Lincoln". Gostei das discussões sobre a escravatura. No século 19, havia quem defendesse a emancipação dos escravos. E havia quem considerasse a afirmação aberrante, para não dizer blasfema. Um negro igual a um branco? Onde é que o mundo iria parar?
Moral da história: pense duas vezes, leitor, antes de fuzilar opiniões politicamente incorretas. No século 19, os antiescravagistas eram os politicamente incorretos de serviço, dizendo o que o maioria não queria escutar.
Aliás, essa é a virtude de opiniões que remam contra a maré dominante. Quando se discute a "liberdade de expressão", repete-se muitas vezes o clichê conhecido (e circular) de que a liberdade é importante, e blá-blá-blá.
Certo. Mas esse não é o argumento fundamental. Fundamental mesmo é lembrar que, sem liberdade de expressão, não existe possibilidade de progresso moral na sociedade. Sem opiniões politicamente incorretas, os negros teriam demorado mais tempo a sair das senzalas.
Um livro recente ajuda a entender isso. Foi escrito pelo filósofo Emrys Westacott e só o título é todo um programa: "The Virtues of Our Vices: A Modest Defense of Gossip, Rudeness and Other Bad Habits" ("as virtudes dos nossos vícios: uma modesta defesa da fofoca, da rudeza e de outros maus hábitos").
O livro de Westacott, que o autor apresenta como um tratado em "microética", não compra a hipocrisia vitoriana de que os vícios privados devem ser substituídos por virtudes públicas. Pelo contrário: os vícios privados já são virtudes públicas.
Em teoria, a rudeza pode ser um vício. Mas há momentos em que a violação de convenções sociais, causando propositadamente dano a terceiros, é necessária.
Não duvido que, para as grandes plantações do sul, perder mão de obra escrava nos Estados Unidos fosse um dano "patrimonial" objetivo. Mas a emancipação dos escravos era mais importante do que a alegada sobrevivência econômica do sul.
O mesmo com o esnobismo. Para a sensibilidade politicamente correta, o elitismo associado à palavra --a ideia intolerável de que você se considera melhor que seu vizinho em matéria de gostos e desgostos-- pode ser uma falha de caráter.
Mas sem esse elitismo não haveria progresso na cultura e nas artes. Mais: não haveria sequer progresso na apreciação crítica da cultura e das artes.
Dizer que Guimarães Rosa é melhor que Daniel Galera não é esnobismo. É uma posição racionalmente válida que procura separar a qualidade do lixo. É, no fundo, uma forma de você preservar o seu julgamento crítico quando o mundo em volta conspira para o "relativizar" e o silenciar.
Quando um turista visita o Louvre ou a National Gallery, ele não visita apenas museus. Ele recebe como herança o resultado do elitismo de terceiros: dos que produziram obras na busca da excelência; e dos que souberam selecionar e preservar essa excelência.
E que dizer do humor? Sobretudo do humor doentio, que usa estereótipos capazes de ofender grupos ou minorias?
Responder a essas perguntas só é possível com outras perguntas: você preferiria viver num mundo onde só existisse uma única "melodia moral"?
Ou o humor, e mesmo o humor doentio, tem uma função importante ao testar as suas convicções, ao torná-las mais fortes (ou menos fortes) --e a definir a sua identidade?
Sim, é possível imaginar uma cultura onde ninguém expressa preconceitos, fraquezas, insultos. Basta imaginar as culturas tribais do passado, dominadas por tabus, e onde qualquer dissonância era sacrificada para apaziguar a fúria dos deuses.
Sem humor, e sobretudo sem humor subversivo, a vida sob regimes autoritários seria ainda mais insuportável. Sem humor, e sobretudo sem humor transgressivo, as nossas existências, marcadas pela doença e pela morte, seriam travessias ainda mais desérticas.
Aplaudir Emrys Westacott não é uma apologia da brutalidade pela brutalidade. É reconhecer que a brutalidade pode transportar um bem maior: repensar conceitos e preconceitos na busca interminável da verdade. Mesmo que alguns sejam condenados à cicuta por causa disso.
Caro leitor, você pode não gostar de ouvir certas coisas. Mas é importante para a sua sociedade que você continue a ouvir o que não gosta.
João Pereira Coutinho
João Pereira Coutinho, escritor português, é doutor em Ciência Política. É colunista do "Correio da Manhã", o maior diário português. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve às terças na versão impressa de "Ilustrada" e a cada duas semanas, às segundas, no site.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

"Dilma, rasgue o acordo ortográfico" ... João Pereira Coutinho


25/12/2012 - 13h10

João Pereira Coutinho: Dilma, rasgue o acordo ortográfico

DE LISBOA

Como falante e escritor da língua portuguesa, o colunista da "Ilustrada" João Pereira Coutinho pede à presidente Dilma Rousseff que rasgue o novo acordo ortográfico.
Para ele, esse acordo é fruto do deslumbre de alguns acadêmicos.
Se os povos de língua castelhana ou os povos anglo-saxônicos não necessitam de um acordo ortográfico para nada, é ridículo que se imponha à língua portuguesa uma uniformização artificial.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Escravos de ontem, escravos de hoje


joão pereira coutinho

Diário da Europa

03/09/2012 - 03h00

Crimes sobre crimes

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Ninguém de bom senso nega a evidência. A escravatura foi um crime indesculpável e hediondo. Foi? Corrijo o tempo verbal. A escravatura é, ainda hoje, um crime indesculpável e hediondo.
Tempos atrás, Benjamin Skinner, autor de um livro fundamental sobre o assunto ("A Crime So Monstrous"), afirmava na revista "Foreign Policy" que existem agora mais escravos do que em qualquer outro período da história humana. Skinner narrava exemplos brutais de trabalho braçal forçado em África, na Ásia, até nas Américas.
A escravatura é um crime indesculpável e hediondo que não poupou, nem poupa, nenhum canto do globo e nenhuma civilização conhecida. Mas a pergunta fatal, que normalmente emerge sobre o tema, é outra: devem as vítimas da escravatura e de outras formas de segregação racial praticadas pelo Ocidente (branco) serem indemnizadas pelos seus sofrimentos passados?
Claro que as vítimas propriamente ditas já não estão entre os vivos. A questão lida com a descendência da descendência da descendência.
As "políticas afirmativas" dizem que sim. Se a história tratou mal os negros, por exemplo, deve haver cotas para eles --nas universidades, nas forças armadas, nos cargos públicos etc.
Entendo o raciocínio. Não concordo com ele. E mais: quem pensa que as "políticas afirmativas" passam pela criação de cotas não entendeu o seu significado original.
Foi na década de 1960 que John F. Kennedy iniciou as primeiras medidas de "affirmative action". Só que a intenção de Kennedy não era reservar cotas para grupos em universidades, forças armadas ou cargos públicos.
Pelo contrário: Kennedy desejava apenas derrubar barreiras - raciais, mas também religiosas ou culturais - que impediam certos grupos de acederem a determinados lugares ou profissões. Kennedy não transformava uma discriminação (negativa) em nova discriminação (positiva). O presidente pretendia apenas terminar com a primeira.
Infelizmente, a visão de Kennedy não sobreviveu ao dilúvio politicamente correcto, que transformou as políticas de "affirmative action" em pura engenharia social. Como? Reservando lugares em universidades ou cargos públicos para certos grupos, ignorando o mérito de cada um dos seus membros.
Eis, no fundo, o erro que o Brasil repete com a lei das cotas sancionada por Dilma Rousseff. Segundo essa lei, metade das vagas nas universidades federais serão para alunos do ensino público e, claro, para negros, índios e pardos.
Já escrevi nesta Folha sobre a aberração ("O céu é o limite", Ilustrada, 29/5/2012). Mas é impossível não voltar ao local do crime e repetir: a lei, longe de acabar com o racismo, é ela própria um exemplo de racismo.
Em primeiro lugar, é um exemplo de racismo porque mimetiza o pensamento racista nos seus pressupostos. Nenhuma sociedade é composta por grupos. As sociedades são compostas por pessoas - únicas e inconfundíveis. Com méritos e deméritos particulares.
Quando a cor da pele é mais importante do que essas singularidades, isso significa um dupla injustiça: uma injustiça sobre o mérito individual (de todas as raças); e até uma injustiça sobre negros, índios ou pardos. Ninguém merece que a pigmentação da sua pele seja a marca mais importante da sua personalidade - e do seu carácter.
Mas a lei é punitiva, também, para a própria sociedade brasileira. Fato: os negros, os índios e os pardos podem estar sub-representados na vida política e social do país. Na última Ilustríssima, Luiz Felipe de Alencastro escreveu um artigo interessante ("As armas e as cotas") onde reclamava mais negros e mulatos "no alto oficialato das Três Armas".
O problema é que essa sub-representação não pode ser corrigida a partir do topo. E não cabe à universidade - ou às forças armadas, ou ao judiciário, ou ao legislativo etc. --ser um arco-íris multiculturalista onde um país expia os seus pecados.
A universidade deve acolher a excelência, independentemente da cor da pele; e deve produzir os melhores profissionais para benefício da sociedade. Médicos, engenheiros ou professores que são apenas o produto de um sistema de cotas são um empobrecimento real para o Brasil.
Corrigir um crime com outro crime é apenas uma forma de perpetuar a injustiça.
João Pereira Coutinho
João Pereira Coutinho, escritor português, é doutor em Ciência Política. É colunista do "Correio da Manhã", o maior diário português. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve às terças na versão impressa de "Ilustrada" e a cada duas semanas, às segundas, no site.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Folha.com - Colunistas - João Pereira Coutinho - A reza do crescimento - 21/05/2012

joão pereira coutinho

Diário da Europa

21/05/2012 - 07h34

A reza do crescimento


Os líderes mundiais reuniram-se na cúpula do G8 e rezaram em coro: crescimento, crescimento, crescimento. Barack Obama, em coletiva de imprensa, disse que os europeus finalmente concordaram sobre o tema. François Hollande, o novo presidente francês, seguiu a mesma pauta. E até Angela Merkel, a medo, lá disse a palavra.
Existe nos líderes a crença primitiva de que "crescimento" é uma questão de fé. Se repetirem a palavra várias vezes, a economia europeia sai do buraco já a partir de amanhã.
Infelizmente, os líderes esqueceram-se de responder a uma pergunta fundamental: e como gerar esse crescimento?
Mistério. Absoluto. Não houve da boca dos líderes uma vaga explicação sobre a matéria. O que permite concluir que o "crescimento" de que fala o G8 resume-se à repetição de medidas "neokeynesianas", com os estados da Europa a jogarem dinheiro para cima das economias endividadas.
Ideia simpática. Pena que impraticável. Com a exceção da Alemanha (e da Finlândia), a crise do euro não poupou ninguém e o cenário de estagnação é arrepiante.
E a Alemanha, até prova em contrário, é habitada por alemães e, como lembra a colunista Janet Daley, no "Telegraph" de Londres, regida por uma lei constitucional alemã.
Por outras palavras: o mundo inteiro pode exigir "crescimento", ou seja, exigir que a Alemanha esteja disponível para fazer transferências maciças de recursos para os países endividados; que aceite os famosos "eurobonds", títulos de dívida da zona do euro, pagando juros mais elevados; e que contribua para uma alteração dos estatutos do Banco Central Europeu, transformando a instituição numa espécie de credor de último recurso dos Estados.
Tudo isso esbarra com a realidade. Repito: a chanceler Merkel responde perante o seu eleitorado, que se opõe a qualquer uma dessas medidas; e, sobretudo, responde perante a lei do seu país.
A cúpula do G8 não produziu nada, exceto impasse: o exato impasse que tem consumido em recessão e desemprego os países da União Europeia, amarrados a uma moeda inviável e com a saída iminente da Grécia (custo: 750 bilhões de euros para a economia europeia, em uma estimativa conservadora).
Tudo isso poderia ter sido evitado? Ou, pelo menos, preparado? Naturalmente que sim: se tivesse havido a sensatez e a coragem de perceber que o primeiro resgate da Grécia só levaria a um segundo, e que um segundo não levaria a lugar nenhum enquanto a Grécia permanecesse em uma moeda que não pode desvalorizar.
Os líderes da Europa preferiram não contemplar esse cenário, chutando o problema para o dia seguinte.
E hoje, reunidos em Camp David, os mesmos líderes continuam a negação da realidade, esperando que a mera repetição de uma palavra tenha efeitos milagrosos. Não me lembro de ver semelhante espetáculo de fanatismo e cegueira na política do nosso tempo.
João Pereira Coutinho
João Pereira Coutinho, escritor português, é doutor em Ciência Política. É colunista do "Correio da Manhã", o maior diário português. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve às terças na "Ilustrada" e a cada duas semanas, às segundas, para a Folha.com.


quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

"Naufragar é preciso?" João Pereira Coutinho

http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/feira-livre/naufragar-e-preciso-um-texto-de-joao-pereira-coutinho/

João Pereira Coutinho
Começa a ser penoso para mim ler a imprensa portuguesa. Não falo da qualidade dos textos. Falo da ortografia deles. Que português é esse? Quem tomou de assalto a língua portuguesa (de Portugal) e a transformou numa versão abastardada da língua portuguesa (do Brasil)?
A sensação que tenho é que estive em coma profundo durante meses, ou anos. E, quando acordei, habitava já um planeta novo, onde as regras ortográficas que aprendi na escola foram destroçadas por vândalos extraterrestres que decidiram unilateralmente como devem escrever os portugueses.
Eis o Acordo Ortográfico, plenamente em vigor. Não aderi a ele: nesta Folha, entendo que a ortografia deve obedecer aos critérios do Brasil. Sou um convidado da casa e nenhum convidado começa a dar ordens aos seus anfitriões sobre o lugar das pratas e a moldura dos quadros. Questão de educação.
Em Portugal é outra história. E não deixa de ser hilariante a quantidade de articulistas que, no final dos seus textos, fazem uma declaração de princípios: “Por decisão do autor, o texto está escrito de acordo com a antiga ortografia”.
A esquizofrenia é total, e os jornais são hoje mantas de retalhos. Há notícias, entrevistas ou reportagens escritas de acordo com as novas regras. As crônicas e os textos de opinião, na sua maioria, seguem as regras antigas. E depois existem zonas cinzentas, onde já ninguém sabe como escrever e mistura tudo: a nova ortografia com a velha e até, em certos casos, uma ortografia imaginária.
A intenção dos pais do Acordo Ortográfico era unificar a língua. Resultado: é o desacordo total com todo mundo a disparar para todos os lados. Como foi isso possível?
Foi possível por uma mistura de arrogância e analfabetismo. O Acordo Ortográfico começa como um típico produto da mentalidade racionalista, que sempre acreditou no poder de um decreto para alterar uma experiência histórica particular.
Acontece que a língua não se muda por decreto; ela é a decorrência de uma evolução cultural que confere aos seus falantes uma identidade própria e, mais importante, reconhecível para terceiros.
Respeito a grafia brasileira e a forma como o Brasil apagou as consoantes mudas de certas palavras (“ação”, “ótimo” etc.). E respeito porque gosto de as ler assim: quando encontro essas palavras, sinto o prazer cosmopolita de saber que a língua portuguesa navegou pelo Atlântico até chegar ao outro lado do mundo, onde vestiu bermuda e se apaixonou pela garota de Ipanema.
Não respeito quem me obriga a apagar essas consoantes porque acredita que a ortografia deve ser uma mera transcrição fonética. Isso não é apenas teoricamente discutível; é, sobretudo, uma aberração prática.
Tal como escrevi várias vezes, citando o poeta português Vasco Graça Moura, que tem estudado atentamente o problema, as consoantes mudas, para os portugueses, são uma pegada etimológica importante. Mas elas transportam também informação fonética, abrindo as vogais que as antecedem. O “c” de “acção” e o “p” de “óptimo” sinalizam uma correta pronúncia.
A unidade da língua não se faz por imposição de acordos ortográficos; faz-se, como muito bem perceberam os hispânicos e os anglo-saxônicos, pela partilha da sua diversidade. E a melhor forma de partilhar uma língua passa pela sua literatura.
Não conheço nenhum brasileiro alfabetizado que sinta “desconforto” ao ler Fernando Pessoa na ortografia portuguesa. E também não conheço nenhum português alfabetizado que sinta “desconforto” ao ler Nelson Rodrigues na ortografia brasileira.
Infelizmente, conheço vários brasileiros e vários portugueses alfabetizados que sentem “desconforto” por não poderem comprar, em São Paulo ou em Lisboa, as edições correntes da literatura dos dois países a preços civilizados.
Aliás, se dúvidas houvesse sobre a falta de inteligência estratégica que persiste dos dois lados do Atlântico, onde não existe um mercado livreiro comum, bastaria citar o encerramento anunciado da livraria Camões, no Rio, que durante anos vendeu livros portugueses a leitores brasileiros.
De que servem acordos ortográficos delirantes e autoritários quando a língua naufraga sempre no meio do oceano?