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domingo, 16 de outubro de 2016

"Presenteando gregos e troianos" / Leandro Karnal

Presenteando gregos e troianos
Temo os gregos, mesmo quando dão presentes. A advertência foi feita por um ilustre troiano ao final da guerra. Ele suspeitava que o estranho cavalo diante das muralhas da cidade poderia ser uma armadilha. Não foi ouvido. Troia caiu. A desconfiança originou a expressão “presente de grego”.
Presentes são altamente simbólicos. Quem me oferece algo diz muito sobre nossa relação. Um presente ruim é recebido com estranheza dupla. Primeiro, não gosto do que recebo. Segundo, desconfio que traduza um equívoco de compreensão da minha pessoa. Uma oferta é uma radiografia das almas.
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O campo é vasto. Um presente pode ser uma forma de controle. Dar algo que alguém não possa retribuir é uma forma de afirmar meu poder. Parte da questão foi tratada por Marcel Mauss no seu estudo clássico sobre a dádiva. Presentes falam muito além de seu simples pacote.

A boa educação e os sentimentos piedosos ensinam a aceitar qualquer coisa em nome do afeto contido no gesto. É um conselho sábio. Quem me presenteou, gastou algum tempo e algum dinheiro com isso. Em nome dos bons modos, todo pacote deve ser bem recebido. O presente é secundário, a intenção é central. Também é adequado empanzinar-nos de capim sem sal para que nossa saúde floresça com o viço das ervas ruminadas. Raramente o correto é gostoso. O caminho da virtude, por vezes, contém renúncia abnegada.


Um presente é um gesto de sensibilidade. Implica na abdicação do meu gosto para perceber o alheio. Muita gente dá algo para si, ao invés de dar ao outro. A primeira virtude do bom presenteador é evitar a universalização das afinidades estéticas e conceituais.


Do parágrafo anterior, emerge outro risco. Leandro ama vinho tinto? Que bom, eu estava numa cidade do interior e lá eles fazem um vinho maravilhoso... Trouxe para você! Voltamos ao sentimento piedoso: que bom que você se recordou do meu gosto. E ponto. Decisão silenciosa: a portaria do prédio será presenteada com a garrafa gestada nas vinhas da ira.




Não é uma arte fácil. Leandro gosta de ler? Vou dar um livro! Duas hipóteses: o livro é expressivo e bom e, nesse caso, há uma chance alta de eu possuir a obra. Hipótese alternativa: o livro é um horror, portanto, não o tenho e não desejaria tê-lo. E lá vamos à portaria de novo...
Presentes caros podem ser bem recebidos pelo valor em si ou porque demonstram que sou importante a ponto de a pessoa gastar mais comigo. Precisamos ressaltar: os presentes especiais são os que mostram o cuidado e não o valor.
Vejam um exemplo trivial. Vai presentear vovó? Uma toalha de rosto com o nome dela bordado é simples e barata. Será mais bem recebida do que um vaso com flores comprado a caminho da casa dela. O primeiro presente demandou certa antecedência e possui o toque especial do nome. O segundo sinaliza: tenho de levar algo, compro no caminho. Importante: nem toda pessoa mais velha gosta de receber sabonetes em todas as datas.
Faltou dinheiro? Conheci uma senhora que recortava gravuras bonitas de revistas, criando um cartão original. De novo: o cuidado torna o presente significativo. Meu tempo é, sempre, a entrega maior.
A boa oferta é definida no evangelho como o óbolo da viúva. Ao depositar as minúsculas moedas que lhe fariam falta, ela deu mais do que os ricos, que lançavam o que sobrava.
No filme A Pele do Desejo (Salt on Our Skin, 1992), a protagonista, sofisticada, ganha vários presentes ruins do namorado pescador. No final, ele acerta: uma âncora, pequena e significativa, uma peça-símbolo do que ele fazia e do que eram um para o outro. Ela fica emocionada. Ele aprendera que menos é mais.
Algumas pessoas emitem sinais do que desejam. Outras pedem diretamente. Ao contrário de mim, há quem se deleite com surpresas.
Além da pessoa, existe o momento. Nada de peso deve ser dado a quem vai pegar avião ou está em viagem. Um colega palestrante segredou-me que recebeu, ao final de um trabalho, uma enorme faca de churrasco. O objeto era quase uma espada. Faria soar alarmes até a sede da Otan. Como eu, quase todo viajante profissional não despacha bagagem. Não existe fórmula, mas existe uma sensibilidade a ser desenvolvida.
Por fim, existem pessoas focadas. Sempre lembro de uma tia-avó que, em todos os aniversários, trazia a mesma coisa: uma bola embrulhada. Eu e meus irmãos sabíamos: ano após ano, lá estava ela, constante como o relógio-cuco da nossa casa, segurando a indefectível bola. Diante do pacote esférico, ela perguntava: adivinha o que eu trouxe? Nós fingíamos dúvida e abríamos com falsa avidez. Uma bola! Que bom! Era um ritual simpático da nossa infância.
Bíblia define que ninguém tem maior amor do que aquele que dá a própria vida pelo outro. O segredo está nessa ideia. O presente deve ter sua vida em diálogo com a vida do outro. Dar-se é uma grande dádiva. O bom presente é uma via dupla e alegra o que oferta e o que recebe. É um gesto de comunhão e de afeto.
Já pensou em dar algo imaterial e precioso como sua atenção total? Ofereça um jantar e não leve seu celular. Siga com genuíno afeto tudo que ela ou ele fala e esteja inteiro na conversa. É um presentão! 

    O resto são pacotes... Um bom domingo a todos vocês.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

"Mas a história não é um tribunal, muito menos um juiz a indicar certo e errado em meio a opiniões. " / Leandro Karnal

Leandro Karnal
11 Setembro 2016 | 02h00
A ideia do julgamento póstumo apareceu na fala do advogado José Eduardo Cardozo ao defender a ex-presidente Dilma, assim como no longo discurso dela no Senado. A história seria implacável com aqueles que votassem a favor do impeachment. Cardozo foi mais longe. Entre lágrimas, almejou que algum ministro da justiça teria de pedir desculpas à presidente que caía. Era o apelo ao Supremo Tribunal do Tempo (STT) revestido de profecia.
Pessoas de fora da área da história costumam repetir o que chamamos de “sentido ciceroniano” da memória. Cícero chamou à História “mestra da vida”. Haveria uma reserva moral perceptível no desenrolar dos fatos. O tempo garantiria a retirada das paixões. Só a tinta seca permitiria avaliar o quadro. A serenidade conferida pela distância dos fatos e a verificação cirúrgica das intenções, possibilitaria ao historiador assumir a toga isenta de juiz do mundo pretérito. Tal como um magistrado sério, quem escrevesse sobre o passado não se afogaria nos desequilíbrios partidários do torvelinho atual. Fleuma, a virtude exaltada pelos ingleses; fleuma como sinônimo de tranquilidade e equilíbrio, seria o traço dominante e desejável ao prolatar sentenças.
Objetividade e discernimento são, de fato, atributos de um bom texto histórico. Mas a história não é um tribunal, muito menos um juiz a indicar certo e errado em meio a opiniões. O grande Marc Bloch já insistia, numa obra escrita num campo de concentração nazista (um lugar bom para se dizer o contrário), que a história não deveria julgar. História não tem sentido moral. Pior: nada garante que o estudo do passado evite erros do presente, até porque os fatos não se repetem, são sempre únicos.
Direi de forma direta: a ex-presidente Dilma pode, em 50 anos, ter um avaliação oposta à atual (ainda que não exista uma unanimidade hoje). Isto não será fruto de uma maior justiça ou equilíbrio, mas do que estiver ocorrendo em 50 anos e quais fatos desejaremos esquecer, lembrar ou até criar. A justiça é dada também pelo futuro e por suas necessidades. A lógica do passado não é autônoma.
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Quando calarem as personagens envolvidas, quando os polos exaltados tiverem submergido no silêncio, quando Janaína, Dilma, os netos de Dilma citados por ambas, Cardozo, Lula, Lewandowski, bem como você e eu, caro leitor; estivermos todos reintegrados ao ciclo do solo, não emergirá a justiça e a isenção, mas novas personagens com novas paixões e interesses.
São os fatos e posições do presente que dizem se Che Guevara foi um herói (o “maior homem da história” para Sartre) ou um canalha assassino (para outros). Cada tribunal da História terá sempre o juiz do seu tempo, o júri e os advogados da sua historicidade específica. Nunca existirá isenção. Sempre vicejará a subjetividade. Neutralidade é um desejo e uma meta, jamais uma realidade integral.
Não se trata de relativismo extremado, mas de reconhecer que o certo e o errado são determinados historicamente. A presença do STF no imbróglio, por exemplo, foi dada como garantia para a legalidade do processo. Isto é correto para muitos, mas não significa que o julgamento seja, em si justo, apenas que atingiu seus objetivos através do STF. A legalidade não é sinônimo de justiça. Todo tribunal é formado por homens e suas subjetividades. Coisas exclusiva do Direito? Não! Havia médicos assistindo a algumas sessões de tortura durante a ditadura. A presença de um médico não significou a defesa da vida e da saúde, as funções que o juramento de Hipócrates obriga a todo esculápio. Da mesma forma e para não parecer corporativista, a presença do professor não garante a educação. Por vezes, infelizmente, é um obstáculo ao aprendizado.
Nem tragédia e nem farsa, como pensou Marx: a história é apenas uma sucessão caótica de acontecimentos destituída de lógica ou moral. Somos náufragos no gigantesco oceano dos fatos, dando ao passado direções póstumas a partir de morais presentes. Talvez a história absolva Dilma. Talvez a condene com veemência maior. Talvez ela seja esquecida. Talvez vire nome de praças que, depois, serão renomeadas em outro regime. Nem ela e nem nós estaremos aqui para saber. Voltamos à primeira frase. A história absolveu Fidel? O assalto ao quartel de Moncada falhou em 1953, mas o advogado cubano acabou tomando o poder. Assumindo o controle do cabo do chicote que antes o fustigara, ele executou adversários, mudou o judiciário e impôs novas leis. Assim, a história revolucionária da ilha o promoveu a herói, pois foi reinventado por novos donos da memória. Um bom domingo a todos vocês!

terça-feira, 4 de novembro de 2014

(Ensaio sobre Inveja) Dê um jeito de ser feliz... É melhor do que ser triste!

http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/o_pecado_envergonhado_a_inveja.html


O pecado envergonhado: a inveja
Concluindo a série 7 prazeres capitais, do Café filosófico, o historiador Leandro Karnal fala sobre esse sentimento e por que raramente o assumimos
novembro de 2014

A maioria das pessoas fala desse sentimento na terceira pessoa: se dizem invejadas, mas dificilmente admitem invejar. Segundo o historiador Leandro Karnal, palestrante do último episódio da série 7 prazeres capitais, do Café filosófico, isso se dá porque a inveja é um pecado vergonhoso. Ele diferencia a inveja da cobiça: essa última está relacionada à vontade de ter o que o outro tem, o que nem sempre é ruim. A inveja, por sua vez, seria a tristeza pela alegria alheia, não a vontade de ter, mas a tristeza causada porque outro tem.

A palavra latina envidere, que deu origem ao termo inveja, significa “não ver”. Segundo Karnal, o invejoso não vê a si mesmo, só ao outro. “Não me vejo, não me conheço e aquilo que conheço não gosto. É melhor dizer que o próprio fracasso se deve ao outro”.

A cegueira que a inveja induz, porém, pode ser porta de entrada para o autoconhecimento. É ai, de acordo com o raciocínio do historiador, que reside a virtude desse pecado.


Confira a palestra na íntegra:


Veja também as demais apresentações: Os velhos e os novos pecados, com o historiador Leandro Karnal, A preguiça e a melancolia, com o filósofo Oswaldo Giacoia Jr., Quando muito é pouco: a avareza, com José Alves Freitas Neto, Da ira à esperança, com Carlos Alberto Contieri, A gula: entre vícios e virtudes, com Luís Estevam e A castidade impossível, a luxúria maldita, com Luis Felipe Pondé.

Leia mais

Efeitos da inveja no sistema de recompensa do cérebro
Tanto a inveja quanto a Schadenfreude - sensação de prazer quando o sofrimento alheio é maior - têm sua utilidade, mas também seus custos

Para a psicanálise, a inveja surge até nos bebês
A ideia da inveja primária é endógena é um dos pontos mais polêmicos da teoria kleiniana

Oxitocina faz aumentar a inveja
Ainda que seja conhecida como "hormônio do amor", participantes de pesquisa sentiram mais inveja após injeção da substância

domingo, 6 de outubro de 2013

O ódio existe...? / O Ódio no Brasil / Leandro Karnal

O Ódio no Brasil | Leandro Karnal

O que na história e no cotidiano do Brasil nos leva ao ódio e à violência? É possível sempre “amar o povo” (entendido como uma “multidão”), mesmo sendo invasivo, grosseiro, violento em suas manifestações históricas? Índio, negro e europeu: a “alma brasileira” detesta a si mesma? Apenas a fome leva o homem ao gosto pelo mal?
Assista abaixo à edição para TV!

Palestra da série As Razões do Ódio, de Luiz Felipe Pondé.
Gravado no dia 23 de setembro de 2011 em Campinas.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

O mito da melhor idade ... // Vídeo // Leandro Karnal

http://www.cpflcultura.com.br/2009/12/01/integra-a-utopia-da-melhor-idade/
Clique no link acima e assista ao vídeo. São 60 minutos de palestra e uns 30 minutos de respostas às  perguntas
Leandro_Karnal.jpg (357×265)

Publicado em:15/09/2009 às 18:08:15
Com o impacto das técnicas de manutenção da juventude artificial, qual seria o desdobramento de um corpo “sempre jovem” para uma alma que vê o envelhecimento como apodrecimento sem significado?
Quando somos jovens buscamos independência e sabedoria, mas, quando a alcançamos estamos velhos e desejamos de volta o vigor da juventude. Será que passamos a vida esperando pela idade em que seremos plenamente felizes?
Neste Café Filosófico, o historiador Leandro Karnal fala sobre a utopia da idade perfeita. Karnal analisa os valores associados à juventude em diversos períodos da história e nos mostra os novos significados que juventude e velhice assumem no mundo de hoje. Essa recorrente insatisfação, em todas as idades pode ser sintoma de nossa incapacidade de viver o presente
Palestra de Leandro Karnal no programa Café Filosófico CPFL gravada no dia 12 de agosto, em São Paulo.

domingo, 15 de julho de 2012

O ódio no Brasil // Leandro Karnal // Café Filosófico

http://www.cpflcultura.com.br/programa-anual/as-razoes-do-odio-comportamento/  O ódio no Brasil

Clique no link e entenda um pouco do que é ódio. A palestra tem cerca de 60 m inutos

O Ódio no Brasil – Leandro Karnal

centrokarnal
O que na história e no cotidiano do Brasil nos leva ao ódio e à violência? É possível sempre “amar o povo” (entendido como uma “multidão”), mesmo sendo invasivo, grosseiro, violento em suas manifestações históricas? Índio, negro e europeu: a “alma brasileira” detesta a si mesma? Apenas a fome leva o homem ao gosto pelo [...]
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