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quinta-feira, 21 de novembro de 2013

"Em busca do tempo perdido" / Blog do Murilo / por Roberto Pompeu de Toledo


segunda-feira, novembro 18, 2013

A honra da pátria -            ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA


Faz 100 anos, neste mês, que foi publicado No Caminho de Swann, o primeiro dos sete volumes do monumental Em Busca do Tempo Perdido, de Mareei Proust. Boa ocasião para revisitar o médico brasileiro do grande escritor francês. O leitor estranhará: médico brasileiro? Sim. entre as centenas de personagens, os milhares de páginas, os muitos lugares, os variados profissionais e as diversas nacionalidades citados na obra, o autor achou espaço para um médico brasileiro. Ele figura em O Caminho de Guermanies, o terceiro volume da série, como o profissional convocado a tratar do narrador da história — que não é outro, como se sabe, senão o próprio Proust, ainda que sob inúmeros disfarces — de uma crise de asma. É citado uma única e escassa vez; não importa. Importa é que a passagem, por fugaz que seja, revela: (1) que Proust conhecia o espécime chamado “brasileiro”: e (2) que, assim sendo, é de concluir que tivesse igual conhecimento do lugar chamado “Brasil”. A honra da pátria, por esse lado,está salva. Já quanto ao mérito da informação contida na passagem... É o que veremos, mas antes façamos uma digressão para perguntar: quem seria esse médico brasileiro?

Houve época em que cultores brasileiros da literatura escreviam ensaios como “Balzac e o Brasil”, “Thomas Mann e o Brasil”, “Flaubert e o Brasil”. Iam buscar, nas minudências dos gigantes, momentos em que, quase sempre de raspão, evocavam nossa bela terra tropical. Os proustianos fizeram o mesmo com seu herói. Um deles, Hermenegildo de Sá Cavalcante, fundador da Sociedade Brasileira dos Amigos de Mareei Proust, escreveu um trabalho em que enumera três candidatos ao esculápio de O Caminho de Guermanies. Dois deles, Antônio Felício dos Santos, tão famoso como médico quanto como político, no Império, e o conde de Mota Maia, médico pessoal de dom Pedro II, que partiu com ele para o exílio em Paris, são tidos como os menos prováveis. Sá Cavalcante aposta em Domingos Jaguaribe, cearense radicado em São Paulo, onde há até uma Rua Jaguaribe em sua homenagem. Jaguaribe era um entusiasta das propriedades medicinais das plantas brasileiras e, em 1893, quando tinha 45 anos e Proust 22, passava temporada de aperfeiçoamento no hospital Salpêtrière, de Paris.

Seja quem for, nosso distante compatriota faz má figura, no livro. Ele surge como o “médico brasileiro que pretendia curar as sufocações do gênero das que eu tinha com absurdas inalações de essências de plantas”. A assertiva é avassaladora para os brios nacionais. Não devemos, no entanto, ficar em seu valor de face. Ela nos sugere efeitos ocultos. Se o médico “pretendia”, deduz-se que acabou não aplicando o tratamento sugerido. Mas na continuação escreve Proust que, no afã de fazer o médico "tomar mais cuidado” com ele, apressou-se em dizer-lhe “que conhecia o professor Cottard”. (Importante personagem do livro, Cottard foi inspirado nos médicos franceses mais prestigiosos da época.) Se a preocupação era que tomasse “mais cuidado”, é porque já estava cuidando. Pode ser que os cuidados não tivesse entrado ainda — porque detida a tempo — a tal inalação das plantas. Mas também pode ser que tivesse entrado, e logo sido interrompida.

Da pior hipótese Proust escapou. E se tivesse inalado as plantas e elas fossem venenosas? E se tivesse em consequência contraído insuportáveis dores e tenebrosas febres? E se tivesse morrido? O mundo teria sido privado deste patrimônio da humanidade que é Em Busca do Tempo Perdido — e por culpa de um brasileiro! Se o tratamento não chegou a ser ministrado, temos a hipótese inversa: e se tivesse dado certo? Proust se livraria da asma, e em consequência ganharia um incentivo para jamais renunciar à frivolidade dos salões em que dissipou boa parte da vida. O resultado, igualmente desastroso, é que não teríamos Em Busca do Tempo Perdido. A asma foi em grande pane a responsável pela decisão de trancar-se em casa e sofregamente, por catorze anos seguidos, até a morte, se ter entregue à composição de sua obra imortal. Ou bem o médico brasileiro lhe ministrou um início de tratamento e o fez piorar, ou não fez nada, e a asma seguiu seu curso. Em ambos os casos, contribuiu para que o autor mudasse de vida e fosse cuidar de sua obra. A honra da pátria está salva, também por esse lado.


Postado por MURILO às 11:41

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Roberto Pompeu de Toledo // Ensaio // A arte de não levar a nada


Ensaio:
A arte de não levar a nada

Escândalos de mais de cinco anos continuam sem desfecho; no Brasil as coisas
não acabam – definham
O processo pelo qual o Ministério Público de São Paulo tenta recuperar o dinheiro alegadamente desviado pelo ex-prefeito Paulo Maluf para contas no exterior teve início em 2001. Fernando Henrique Cardoso era o presidente do Brasil, Fernando de la Rúa o da Argentina e não havia ocorrido ainda o ataque às torres gêmeas de Nova York. De 2002 são o seqüestro e o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel. O Brasil era só tetracampeão mundial de futebol. O penta ainda estava por vir. De 2004 é o caso Waldomiro Diniz, o ex-assessor da Casa Civil filmado ao tentar arrancar uns trocados de um operador do jogo do bicho. O papa era João Paulo II e os EUA ainda achavam que iam estabelecer uma "democracia" no Iraque. De 2005 é o escândalo do mensalão. Evo Morales era apenas o líder dos índios da Bolívia e Plutão ainda era considerado um planeta.  
O que há de comum nos escândalos brasileiros elencados acima é que nenhum deles encontrou um desfecho. O mais velho – o de Maluf – já completou cinco anos. Presidentes se sucedem mundo afora, muda o papa, até o sistema solar sofre um desfalque – e nada de os escândalos no Brasil avançarem rumo a um final, com as devidas condenações, outras tantas absolvições, esclarecimentos acima de qualquer dúvida e uma conclusão digna desse nome, uma conclusão verdadeiramente conclusiva. O Brasil inventou uma química pela qual os escândalos, depois de estourar, se transmudam em bolhas suspensas no ar, por muitos e muitos anos, até se evaporar.  
• • •
Quando o Coelho Branco, titubeante, disse não saber como começar seu depoimento, o Rei de Copas aconselhou: "Comece pelo começo, em seguida prossiga até o fim, e então pare". O conselho, proferido num momento crítico de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, cabe como uma luva aos brasileiros. Uma das características nacionais é não saber começar as coisas no começo, perder-se no meio e, dificilmente, como mostra o sistemático emperramento da máquina de apurar escândalos, chegar a um fim. O antropólogo Roberto DaMatta, que conhece como poucos a alma nacional, já diagnosticou o problema, ao comparar os hábitos em vigor nos Estados Unidos e no Brasil: "... lá (nos EUA) as coisas quase sempre têm um início, um meio e um fim, ao passo que aqui temos uma imensa dificuldade em fechar etapas e acontecimentos".  
DaMatta escreveu isso num artigo intitulado "Da incapacidade de concluir". Para exemplificar, citou sua própria experiência como aluno calouro da Universidade Harvard, em 1963. Num dos primeiros dias, chegou às 8h30 para uma aula que começaria às 9 horas. Queria conversar com colegas sobre o curso. Ficou olhando para as paredes, sozinho na sala. Quando faltavam três minutos para as 9 horas, os colegas chegaram todos juntos. Terminada a aula, foram embora todos juntos. "Atônito", escreve DaMatta, "eu, que esperava um evento a ser construído por etapas, vivi a experiência 'calvinista' de um encontro com início, meio e fim – algo iniludivelmente bem marcado."  
Se a característica nacional já é a de ter dificuldades de encarar com decisão e objetividade o roteiro a seguir, as coisas pioram para valer no terreno da política. Agora, aos naturais titubeios e desnorteamentos, acrescenta-se a malícia de quem quer protelar para enganar, confundir para melar. Regra geral, para o comum dos brasileiros, as coisas não são para começar no começo. Se a reunião está marcada para as 8 horas, começará às 9 horas. E sem hora para terminar, e muito menos com o compromisso de terminar com algo conclusivo. As reuniões terminam com a marcação de nova reunião.  
Se é assim para o comum dos brasileiros, no mundo político é mais assim ainda. Do começo tatibitate, marcado por vacilos, remanchos e escamoteios, um começo sem começo, a regra é avançar para um meio tumultuado, aberto a múltiplas e contraditórias trilhas, recheado de armadilhas, sem método a reger os procedimentos ou, quando há método, sem disposição de obedecer a eles, e com apenas uma frouxa idéia de aonde se quer chegar. É o que ocorre nas CPIs. O Brasil teve uma overdose de CPIs nestes últimos anos. Já se sabe como é: o reinado das sessões que não têm hora para começar nem para acabar, dos inquisidores que não sabem o que inquirir, das pessoas que conversam ou falam ao celular enquanto outras depõem, da montanha de sigilos quebrados que se acumulam até não se saber o que fazer com eles, das testemunhas protegidas pelo direito sagrado e inalienável de mentir.  
Neste ano de 2006 outros dois casos graúdos se juntaram à lista: o escândalo das ambulâncias superfaturadas, também conhecido como escândalo dos sanguessugas, e a conexa tentativa de compra, por uma turma de petistas, de um dossiê contra os adversários do PSDB. Neste último caso, continua de pé a tão repetida pergunta: de onde veio o dinheiro? O retrospecto indica que ela ainda estará de pé ao fim do ano que vem. E do outro, e do outro. No Brasil as coisas não acabam. Definham.
 
Fonte: Rev. Veja, Roberto Pompeu de Toledo, ed. 1986, 13/12/2006

sábado, 21 de abril de 2012

"A era da inocência"... / Roberto Pompeu de Toledo

20/04/2012
 às 16:43 \ Feira Livre

‘A era da inocência’, por Roberto Pompeu de Toledo

PUBLICADO NA VEJA DESTA SEMANA
Brasília, em 1958, era da inocência (Foto: Marceu Gautherot / Dedoc)
Brasília, em 1958, era da inocência (Foto: Marceu Gautherot / Dedoc)

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
Brasília chega aos 52 anos, no próximo sábado, 21, malfalada e cansada de guerra. Nem parece, mas já teve uma era da inocência. A poeta americana Elizabeth Bishop a visitou em 1958, dois anos antes da inauguração. Bishop morava no Rio de Janeiro, com sua amada Lota Macedo Soares, e viajou para Brasília numa pequena comitiva organizada pelo Itamaraty, cujo integrante mais ilustre era o escritor inglês Aldous Huxley. O pouco conhecido (e, ao que consta a este colunista, não traduzido) relato de viagem que a poeta escreveu em seguida lembra certos filmes que tentam reconstruir o mundo antes da criação, com os mares reclamando seus espaços, continentes em formação e dinossauros. Bishop flagra Brasília na véspera de si mesma. O equivalente aos dinossauros eram a “confusa e barulhenta cena” dos caminhões e tratores que, noite e dia, se empenhavam em fazer brotar do solo as futuras Praça dos Três Poderes e Esplanada dos Ministérios.
A Brasília de Bishop é calor, suor e poeira – uma poeira vermelha, que se levanta em nuvens à passagem dos veículos e impregna as roupas e os tapetes do Brasília Palace Hotel, onde ela ficou hospedada. A poeta se surpreende com a secura e a desolação do local. Comparado com qualquer outro espaço habitável deste país “fantasticamente bonito”, escreve, o lugar parece “notavelmente pouco atrativo e pouco promissor”. Não há “nem montanhas, nem colinas, nem rios, nem árvores”, tampouco “o sentimento de grandeza, de segurança, de fertilidade, do pinturesco” ou qualquer outra das qualidades “que se imagina capazes de dar beleza e caráter a uma cidade”. Mundo em criação que era, Brasília não tinha ainda o seu lago. As únicas dádivas que a “Mãe Natureza” proporcionou ao lugar, conclui a poeta, são “o céu e o espaço”.
Havia apenas dois prédios prontos – o Brasília Palace Hotel e o Palácio da Alvorada. As colunas do Palácio da Alvorada deslumbraram os visitantes. Huxley deslocou-se para examiná-las de vários ângulos. Outros membros da comitiva as tocaram e fotografaram à exaustão. Bishop as descreve com imagens de poeta: “Se alguém imagina uma fileira de enormes pipas brancas, postas de cabeça para baixo, e então agarradas por mãos gigantes e apertadas em todos os seus quatro lados, até que sejam elegantemente atenuados, pode ter uma ideia delas razoavelmente acurada”. Já o interior do palácio não lhes agradou. Bishop critica a decoração e a falta de conforto. Alguém lhes conta que o secretário de Estado Foster Dulles, em recente visita, quase caíra da escada sem corrimão que conduz ao andar superior. Huxley já experimentara os perigos da notória ojeriza de Oscar Niemeyer pelos corrimões. Horas antes, escorregara na escada do hotel, e comentará que “é uma vergonha abandonar tão útil invenção” quanto o corrimão, conhecida há milhares de anos....>
Para a poeta, tratava-se da “velha e familiar cidade de fronteira da Metro-Goldwyn-Mayer”. A comitiva foi informada de que, ao ser criada, no ano anterior, a Cidade Livre tinha 400 habitantes; agora tinha 45 000. Possuía até cinema, e personagens improváveis. A comitiva conheceu uma delas – uma condessa polonesa, ninguém menos do que isso, jovem e bonita, refugiada de seu país e dona de um inglês impecável.
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A poeta americana Elizabeth Bishop registrou em palavras o que outros fotografaram: "nem montanhas, nem colinas, nem rios, nem árvores" (Foto: Joseph Breitenbach)
A condessa Tarnowska lhes serviu de cicerone e anfitriã na Cidade Livre. Ela era, justamente, a dona do cinema local. Disse que “amava” viver ali. E contou-lhes uma história que ocorrera em seu cinema, pouco tempo antes, quando estava em cartaz o filme E Deus Criou a Mulher, com Brigitte Bardot. A projeção caminhava normalmente, até que, na mais esperada cena, no momento mesmo em que a Bardot desfazia o primeiro botão da roupa, parava. As luzes então se acendiam e o projetista avisava: “Queiram as senhoras e senhoritas, por favor, deixar a sala”. As mulheres saíam e aglomeravam-se lá fora, na rua de terra, sem calçada. A projeção continuava só para os homens. Terminada a cena de nudez, parava de novo, e as senhoras e senhoritas eram avisadas de que estavam liberadas para voltar. Pudor era o que não faltava, na Brasília daquele tempo.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Do blog de Ricardo Setti / HOMO CONNECTUS


08/02/2012
 às 17:56 \ Tema Livre

Roberto Pompeu de Toledo: Homo connectus

Imperdível este artigo de Roberto Pompeu de Toledo publicado emVEJA desta semana, a propósito do fenômeno dos smartphones. O título original está em negrito, abaixo. 
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Homo connectus

Roberto Pompeu de Toledo
Roberto Pompeu de Toledo
Uma charge em recente número da revista The New Yorker mostrava uma animada mulher, ao telefone, convidando os amigos para uma festinha em sua casa. “Vai ser daquelas reuniões com todo mundo olhando para seu iPhone”, ela diz. O leitor captou? A leitora achou graça? Cartunistas são mais rápidos do que antropólogos e mais diretos do que romancistas. Captam o fenômeno quase no momento mesmo em que vem à luz. O fenômeno em questão é o poder magnético dos iPhones, BlackBerries e similares. O ato de compra desses aparelhinhos é um contrato que vincula mais que casamento. As pessoas se obrigam a partilhar a vida com eles.

Na charge da New Yorker, a mulher estava convidando para uma festa em que, ela sabia — e até se entusiasmava com isso —, as pessoas ficariam olhando para seus iPhones ainda mais do que umas para as outras. É assim, desde a sensacional erupção dos tais aparelhinhos, e não só nas ocasiões sociais. O mesmo ocorre nas reuniões de trabalho. Chegam os participantes e cada um já vai depositando à mesa o respectivo smartphone (o nome do gênero a que pertencem as espécies). Dali para a frente, será um olho lá e outro cá, um na reunião e outro na telinha. Não dá para desgarrar dela. De repente pode chegar uma mensagem, aparecer uma notícia importante, surgir a necessidade de uma consulta no Google.
O que vale para reuniões sociais e de trabalho vale também para as sessões do Supremo Tribunal Federal. Quem assistiu pela TV Justiça, na semana passada, ao início do julgamento das competências do Conselho Nacional de Justiça, assistiu a uma cena exemplar. Falava o representante da Associação dos Magistrados Brasileiros. A TV Justiça, com seu apego pela câmera parada, modelo Jean-Luc Godard, enquadrava o orador e, atrás dele, quatro cadeiras da primeira fila da assistência. Três delas estavam ocupadas, a primeira por uma moça que, coitada, não conseguia se livrar de um ataque de espirros, e as outras duas por cavalheiros cujo tormento, igualmente compulsivo, era não conseguir se livrar dos smartphones. (Se o leitor ainda não se deu conta, o melhor, na TV Justiça ou na TV Câmara, é observar o que se passa ao fundo.)
Os dois cavalheiros apresentavam reações características do Homo connectus. Um olho lá, outro cá. De vez em quando, um deles guardava o telefoninho no bolso. Será que agora vai sossegar? Não; minutos depois, sacava-o de novo. E se chega uma mensagem? Uma notícia? Às vezes o smartphone exigia mais que um simples olhar. Requeria o afago dos dedos, naquele gesto que antes servia para espanar uma sujeirinha na roupa, e hoje é o modo de conversar com a telinha. Quando o representante da Associação dos Magistrados terminou o discurso, veio ocupar a cadeira que estava vazia. Agora era sua vez! Sacou o smartphone e, olho lá e olho cá, ele o põe no bolso, tira, olha, consulta de novo, enquanto o orador seguinte se apresentava.
O telefoninho esperto vem provocando decisivas alterações na ordem das coisas. O ser humano é instigado a desenvolver novas habilidades, como a de tocar na tela e conduzi-la ao fim desejado, sem que desande, furiosa e insubmissa. Implantam-se novos hábitos sociais. No tempo do celular puro e simples, aquele bicho que só telefonava, havia restrições a seu uso. Não em ambientes mais debochados, como a Câmara dos Deputados por exemplo, onde sempre foi e continua a ser usado sem peias. Em lugares de maior compostura, os celulares são evitados porque fazem barulho — disparam a tocar campainhas ou musiquinhas e só permitem comunicação via voz. Já os smartphones podem ser desativados na função telefone mas continuar, em respeitoso silêncio, na função telinha. Daí serem socialmente mais aceitáveis.
Smartphones: os aparelhos silenciosos que dividem seus usuários em 2
Smartphones: os aparelhos silenciosos que dividem seus usuários em 2
Há uma grande desvantagem, porém. O aparelhinho parte a pessoa ao meio. Metade dela está na festa, metade no smartphone. Concluída sua oração, metade do senhor da Associação dos Magistrados continuou na sessão do Supremo, metade evadiu-se para o aparelhinho. Pode ser que o aparelhinho lhe tenha trazido informações fundamentais para sua causa. Mas pode ser também que tenha perdido informações fundamentais, ao não acompanhar o orador seguinte. Qual o remédio, para a divisão da pessoa em duas, metade ela mesma, metade seu smartphone? Abrir mão do aparelhinho, depois de todas as facilidades que trouxe, está fora de questão. Se é para abrir mão de um dos dois lados, que seja o da pessoa. Por exemplo: inventando-se um smartphone capaz de sugá-la e reproduzi-la em seu bojo. As reuniões sociais, as de trabalho e as sessões do Supremo seriam feitas só de smartphones, sem a intermediação humana. Delírio? O leitor esquece do que a Apple é capaz.
E se chega uma mensagem? Uma notícia?