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segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Você tem nádegas... Uma de um lado outra de outro.. Uma seria o Passado outra o Presente... Uma seria a Emoção outra a Razão...Uma seria verdade outra seria sua verdade...Uma é Real outra é Ideal ...(as duas andam juntas)

segunda-feira, fevereiro 12, 2018


A vitória sofista

 LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 12/02

A vantagem da democracia é o fato de ela limitar o poder por torná-lo lento e pesado


Diga a VERDADE: alguém pode dizer, com certeza, quem tem razão nas discussões ao redor da condenação do Lula?

Antes de você tentar encaixar minha pergunta num dos campos ideológicos em disputa ao redor do destino do Lula e do PT, respire um pouco. Hoje, xinga-se mais rápido do que o coração consegue bater. Não que eu não tenha uma simpatia maior por um dos lados; mas essa simpatia não é meu tema hoje.

Os sofistas venceram o debate com Platão (428/427 a.C.-348/347 a.C.). Os sofistas eram aqueles caras que afirmavam que "o homem é a medida de todas as coisas" --foi Protágoras (481 a.C.-411 a.C.) quem disse isso. Simpáticos à democracia, esses pensadores negavam a existência da verdade absoluta, defendida por Platão. Protágoras venceu Platão: a democracia é sofista. E as inúmeras consequências desse fato nem sempre são contempladas na reflexão pública.

Há uma impossibilidade estrutural na percepção da verdade na democracia, simplesmente porque todo mundo fala o tempo todo. As mídias sociais só pioram essa

tagarelice na democracia. Platão acusava a democracia de ser retórica, argumentativa e demagógica. Ele tinha toda a razão. Essa

crítica de modo algum justifica uma defesa da tirania ou totalitarismo. Deve, sim, nos deixar atentos para tagarelice.

Muitos entendem que, ao trazer à tona fatos como esse, eu estaria propondo alguma forma de niilismo político ou defendendo algum modo de anarquismo. Na minha juventude, fui anarquista. Hoje, confio menos na humanidade e no "povo" para defender tal utopia. Prefiro a tagarelice confusa à simplicidade de uma visão utópica.

A grande vantagem da democracia é o fato de ela limitar o poder justamente porque o torna lento, pesado, confuso, falastrão e dependente do marketing. Tudo que parece vício se transforma em virtude nesse processo. Mas essa percepção é difícil de manter no dia a dia.

A grande virtude da democracia é a sua incapacidade de "entregar" uma verdade política e moral acerca do mundo, além de sua própria inapetência à evidência última dos fatos. Essa inapetência é sua "estranha" virtude básica. Claro que, com a complexidade, a multiplicidade e o gigantismo da sociedade contemporânea, esses traços só se intensificam.

Voltemos aos últimos dias no Brasil. Não falemos da tagarelice comum, mas da multiplicidade de opiniões vindas do debate público especializado --de gente, portanto, capaz e preparada para esse debate.

A impressão que se tem é de que existem argumentos razoáveis para ambos os lados. Simplificando a coisa: por "ambos os lados" quero dizer aqueles que são a favor da condenação, isto é, entendem que ela se deu dentro do âmbito legal objetivo, e, do outro lado, aqueles que entendem que a condenação foi fruto de "interesses ideológicos". Teria sido a condenação jurídica ou política? Minha resposta: as duas se misturam.

Sem supor, necessariamente, que haja mau-caratismo em qualquer dos dois argumentos, eu posso, sim, supor que não haja como chegar a uma resposta "clara e distinta" para essa controvérsia no âmbito da verdade absoluta. Posso entender que, na democracia, "tudo é política" e que, portanto, magistrados podem, sim, ter interesses corporativos, ideológicos e/ou econômicos. Da mesma forma, também o podem os intelectuais, assim como --por que não?-- manifestantes a favor da igualdade social.

Todos podem ter posições cunhadas a partir de valores exteriores à "verdade pura dos fatos" --antes de tudo porque ela, na verdade, não existiria. Tudo é interpretação ou hermenêutica (para você ter um termo a mais em seu repertório sobre a catástrofe da expectativa em favor de uma verdade pura no mundo político).

Ao contrário do que parece --e do que nossos inteligentes bonzinhos gostariam de dizer--, as tais câmaras de eco das mídias sociais (o nome dado às bolhas de opiniões que as pessoas frequentam repetidamente na vida em rede) são parte da vida democrática off-line.

Viveríamos em câmaras de eco permanentes? Mesmo os mais preparados para o debate? Seriam nossa opiniões "objetivas" ou, antes de tudo, fruto de nossas simpatias anteriores aos "fatos"?


sábado, 10 de fevereiro de 2018

As praias brasileiras não podem sustentar sozinhas o poder de sedução e atração de capital externo para investimentos no país...

Tributo menor lá fora dificulta nosso caminho à competitividade

PEDRO LUIZ PASSOS

FOLHA DE SP - 09/02

País em que as empresas são sufocadas por impostos e burocratismo não tem futuro


A recente decisão dos EUA de reduzir o Imposto de Renda corporativo colocou uma lente de aumento sobre nossa perda de competitividade no palco internacional, alimentando a ameaça nada desprezível de afugentar o capital externo num futuro não muito distante.

Planejar, empregar e produzir num país em que tudo é complicado, de crédito caro e tributos elevados à burocracia pesada e infraestrutura inadequada, se tornou atividade de risco. E poderá ficar pior, com eventos como a reforma tributária nos EUA.

O país se mantém relativamente bem no mapa do investimento estrangeiro é —o 7º no ranking da Unctad. Mas a atratividade da economia está nos estertores. O crescimento ainda é capenga, o investimento, irrisório, sobretudo em infraestrutura, a falta de inovação é chocante. E o senso de urgência é nenhum.

As economias avançadas e as emergentes aprimoram instrumentos de sedução do capital, enquanto nosso fôlego para enfrentá-las perde força paulatinamente. Com deficit público portentoso e dívida volumosa, crescente e financiada a juros indecentes, o Brasil não aderiu à dieta tributária global devido à carência de estratégias focadas no investimento e à visão obtusa das políticas voltadas ao incremento das conexões externas, entre outras razões.

Nos últimos anos, os sucessivos governos bancaram a aposta nos atributos que sempre atraíram capital externo: o porte do mercado interno, a posição de liderança na América do Sul e, mais recentemente, a avalanche de políticas setoriais sustentadas por subsídios e incentivos que cobram um preço salgado da sociedade.

É um modelo cujo esgotamento se acentua não só pela decisão do governo de Donald Trump mas também pela redução do Imposto de Renda das empresas em outros países. Ao derrubar a alíquota de 35% para 21%, os EUA acompanharam o que outras grandes economias já haviam feito desde 2000. Nesse período, segundo a OCDE, a alíquota média dos 35 países associados caiu de 32% para 24%. Estamos bem acima desse patamar, com o IR de pessoas jurídicas de até 34%.

Somem-se a isso nossas velhas e conhecidas mazelas e está formado um ambiente com potencial de afastar tanto novos investidores como empresas aqui instaladas. Não basta mais ombrear nossa carga tributária aos níveis praticados lá fora. É crucial, porém insuficiente.

O desalinhamento tributário se tornará mais ameaçador à medida que nossos vizinhos também se movimentem, a exemplo da Argentina, que reduziu a alíquota do IR das empresas de 35% para 30%, com previsão de baixar a 25% em 2020. Com ônus fiscal baixo, o Paraguai vem induzindo a migração de empresas brasileiras para lá.

Se a atual crise fiscal já exige enorme esforço para enxugar o Estado ineficiente, o ajuste a ser feito diante do novo cenário da competição tributária internacional será ainda mais profundo.

Não somos uma ilha, como sonharam alguns, e teremos de encarar esse desafio, entre tantos que formam nosso passivo do atraso. Outro exemplo: o tratamento dado às empresas brasileiras com operações no exterior, cujos lucros são tributados de acordo com as alíquotas aqui vigentes. É como um convite a que façam as malas e desistam do Brasil.

Se quisermos reaver o crescimento e alguma relevância no mundo, teremos que remover os obstáculos que nos apequenam, começando pela reforma da gestão de um Estado disfuncional e alheio às necessidades sociais e econômicas do desenvolvimento. E não só.
País em que as empresas são sufocadas por impostos, burocratismo, regulações desarrazoadas não tem futuro.

"A quem interessa que a reforma não passe? " / Rogério Furquim Werceck

sexta-feira, fevereiro 09, 2018

A quem interessa que a reforma não passe?  

ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

O GLOBO/ESTADÃO - 09/02

Entre os minimamente bem informados, há amplo entendimento de que contas da Previdência se tornaram insustentáveis
No início desta semana, acumulavam-se sinais de que o governo poderia estar prestes a jogar a toalha e, para efeitos práticos, dar por oficialmente abandonada a longa batalha pela aprovação da reforma da Previdência no atual mandato presidencial. E já se notava certa tensão, entre o Planalto e o Congresso, em torno da ingrata divisão do ônus político de tal desfecho.

Nos últimos dias, o governo entendeu que era preciso desfazer essa impressão. Anunciou que o Planalto estava empenhado em novo e decisivo esforço de mobilização da bancada governista para tentar aprovar, até o fim de fevereiro, uma proposta um pouco menos ambiciosa de reforma. Será a última ofensiva do governo em um longo jogo que se revelou ainda mais difícil do que de início se esperava.

Aos trancos e barrancos, ao fim de mais de duas décadas de esforços, é inegável que o país adquiriu compreensão muito mais clara da inevitabilidade da reforma. E boa parte desse avanço deve ser creditada à equipe econômica do atual governo.

Entre pessoas minimamente bem informadas, já há amplo entendimento de que as contas da Previdência se tornaram insustentáveis. Os números falam por si. Só na esfera federal, o déficit do sistema chegou a R$ 269 bilhões no ano passado. E a esta cifra tão absurda ainda têm de ser adicionados os assustadores déficits previdenciários dos governos subnacionais, cujos orçamentos vêm sendo inviabilizados pelo crescimento descontrolado das folhas de inativos. O Estado do Rio Janeiro é só o líder de uma longa fila de estados e municípios quebrados.

Tem também se disseminado a compreensão de que, sem a reforma da Previdência, não há como superar o quadro de descalabro fiscal que vem impedindo uma retomada sustentável do crescimento da economia e a eliminação do drama que hoje enfrentam 12 milhões de desempregados no país.

Em entrevista concedida em meados de janeiro, o secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, assegurou que, se a proposta de reforma fosse aprovada, não mais que 9,5% dos trabalhadores teriam perdas superiores a 1% do seu benefício de aposentadoria (“Valor”, 15 de janeiro). Com a recém-anunciada disposição do governo de flexibilizar em alguma medida a proposta de reforma, é bem provável que o percentual de trabalhadores significativamente afetados se torne ainda menor. E, no entanto, o governo está longe de estar convicto de que ainda será possível formar no Congresso a maioria de 60% requerida para aprová-la.

Entender por que uma reforma tão crucial — com resultados potenciais tão promissores e com custos mais significativos restritos a uma parcela relativamente pequena do eleitorado — continua a enfrentar tantas dificuldades para ser aprovada é tema para discussões intermináveis. Mas parcela importante da explicação tem a ver com a resistência ferrenha que as castas mais bem posicionadas de funcionários públicos vêm fazendo à reforma. Embora isso seja mais do que sabido, ainda falta compreensão clara de como tal resistência vem de fato bloqueando a formação da maioria requerida para aprovação da reforma no Congresso.

Não parece ser uma questão meramente eleitoral, que poderia advir de preocupações do parlamentar com possíveis reações da parte do seu eleitorado composta por funcionários públicos. Isto pode até explicar o comportamento das bancadas do PT e de outros partidos de esquerda. No caso dos partidos da base aliada, contudo, as razões da oposição à reforma parecem ser bem mais diretas.
Com frequência, o parlamentar está irremediavelmente enredado pela teia de interesses de toda uma extensa parentela de funcionários públicos — quase sempre bem posicionados — tanto em Brasília quanto nos estados: cônjuge, pais, irmãos, cunhados, filhos, genros, noras, sobrinhos e netos.

Seria muito bom se evidências mais objetivas e sistemáticas das reais proporções desse enredamento pudessem ser levantadas tanto pela mídia como em pesquisas de mais fôlego.

Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

O túnel dos pombos / Carlos Primo Bra

sexta-feira, fevereiro 09, 2018

O Túnel dos Pombos 

 CARLOS PRIMO BRAGA

Valor Econômico - 09/02

A autobiografia de David Cornwell - mais conhecido pelo seu pseudônimo: John Le Carré - é intitulada "The Pigeon Tunnel". O título se refere a uma memória de adolescência. Seu pai o levou a Monte Carlo onde eles visitaram um clube, dotado de um campo de tiros. Pombos criados no cassino local eram colocados em túneis que os direcionavam a emergir como alvos no campo de tiros. Aqueles que sobreviviam, tipicamente retornavam ao seu local de origem (o teto do cassino) onde eram novamente aprisionados e mais uma vez utilizados como alvos até o desfecho inevitável.



Sociedades nem sempre aprendem com suas experiências passadas. A memória dos resultados desastrosos de governos populistas é frequentemente superada pelo apelo de soluções simples para problemas complexos. A história dos pombos de Monte Carlo serve de alerta para aqueles que teimam em repetir trajetórias arriscadas.

A economia mundial convive com conflitos geopolíticos, opções políticas extremistas e experimentos econômicos que geram comparações com as experiências da década de 30 e da Guerra Fria. Embora tais comparações devam ser interpretadas com cuidado, não restam dúvidas que esse é um período em que as lições da história são particularmente relevantes.

Na esfera da geopolítica, os paralelos são óbvios. As aventuras nucleares da Coreia do Norte e as "confrontações" mediáticas entre Donald Trump e Kim Jong-un fornecem uma versão burlesca das tensões entre os EUA e a União Sovética. O perigo de um confronto nuclear é novamente considerado ameaça real. O "Relógio do Apocalipse" do Bulletin of the Atomic Scientists foi reajustado em janeiro de 2018 para 2 minutos para a meia-noite (a referência horária para uma catástrofe nuclear), uma marca que só havia sido registrada em 1953 em meio à corrida nuclear armamentista.

Mais relevante, porém, é o estado atual das relações entre as duas principais potências nucleares: os EUA e a Rússia. O governo de Vladimir Putin vem adotando medidas agressivas não apenas no campo militar (a anexação da Crimeia, a intervenção no leste da Ucrânia, a campanha na Síria para sustentar o regime de Bashar al-Assad), mas também na esfera econômica (ameaças de corte de suprimento de gás natural para a Europa) e sobretudo no campo cibernético através de campanhas de desinformação via redes sociais e "hacking" de alvos políticos. É impossível afirmar se tais campanhas realmente afetaram o resultado das eleições presidenciais nos EUA em 2016. Mas o esforço per se ilustra os novos contornos dessa guerra fria.

No campo das relações comerciais, os ecos da experiência protecionista dos anos 30 vão se tornando cada vez mais nítidos. As economias do G-20 não adotaram políticas protecionistas convencionais em larga escala no período pós-2008. Em tese, as disciplinas da Organização Mundial de Comércio teriam ajudado a controlar a tentação. Mas uma análise mais detalhada das políticas do G-20 indica que esses países vêm adotando medidas discriminatórias de "nova geração" (por exemplo, regras de conteúdo nacional, financiamento subsidiado para empresas domésticas, etc).

A decisão recente dos EUA de utilizar a legislação de salvaguardas para impor tarifas, que variam de 30 a 50% no primeiro ano, às importações de máquinas de lavar e painéis solares abre um novo capítulo nesse front. Tais medidas afetam importações de todas as origens, em contraste com ações anti-dumping e contra subsídios, nos próximos 4 anos. Elas podem abrir as comportas protecionistas nos EUA na medida em que outras indústrias interpretem essa decisão como um sinal de que a administração Trump é favorável ao uso indiscriminado de salvaguardas. Reações de parceiros comerciais dos EUA, por sua vez, podem levar à eclosão de conflitos comerciais significativos como ocorreu nos anos 30.

Como compatibilizar as preocupações geopolíticas e a possibilidade de conflitos comerciais com as expectativas otimistas de crescimento global? Pela primeira vez desde 2007, todas as 45 economias incluídas no Índice de Expansão e Contração da OCDE apresentaram crescimento positivo em 2017. E o FMI em suas previsões mais recentes (1/2018) revisou positivamente as suas estimativas de crescimento global para 2018 (de 3,7 para 3,9%).

Esses números e o desempenho positivo de mercados acionários ao redor do mundo vêm sendo apresentados como evidência de que a crise financeira global ficou para trás. A realidade, porém, é que as taxas de juros nos países industrializados começaram a aumentar, refletindo a normalização de políticas monetárias, expectativas crescentes de inflação, e aumento de déficits fiscais (particularmente nos EUA). Como consequência, a possibilidade de novas crises e de uma correção significativa no valor de ativos financeiros não pode ser descartada, com o agravante de que a margem de manobra dos Bancos Centrais - a capacidade dos mesmos de reduzir taxas de juros - é hoje bem mais limitada do que era em 2008.

Essas observações ilustram a importância de se resistir a apelos populistas em um ambiente marcado por tanta incerteza. Uma visão otimista poderia ser articulada com base na tese de que a recuperação econômica global irá solapar o apoio à estratégias populistas. A realidade, porém, é que o apelo de tais políticas vai além de considerações econômicas. O populismo reflete percepções de que os "outros" (as elites na versão da esquerda ou os estrangeiros/imigrantes na versão da direita) são as causas da ansiedade gerada pelo processo de modernização. Mesmo em um cenário de recuperação econômica, tais tensões não vão desaparecer. Além disso, a sustentabilidade da recuperação econômica não está assegurada. Cabe torcer para que lideranças políticas não repitam os erros do passado, evitando o paralelo com a experiência do túnel dos pombos.


Envelheçam. .. / Reinaldo Azevedo


sexta-feira, fevereiro 09, 2018

Dou à turma da nova política e a FHC o conselho de Nelson Rodrigues aos jovens: envelheçam! - 

REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 09/02

Se Huck for "o candidato de FHC", cria-se para o PT o segundo melhor dos cenários


É espantoso que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso esteja patrocinando a aventura Luciano Huck, ecoando essa patacoada de "nova política", que nem o sociólogo nem o presidente conseguiriam caracterizar porque um amontoado de conceitos mal digeridos, vomitados nas redes sociais por oportunistas a soldo de financiadores sem cara, candidatos de si mesmos a pensadores. Os petistas que conheço estão em êxtase com a possibilidade.

Nunca censuro a vaidade alheia. Pode-se fazê-lo por vício, não por virtude. Não se é juiz moral de um vaidoso sem que se entre numa competição com ele. Mas notem: essa minha consideração diz respeito à esfera privada. No debate público, a vaidade merece nomes mais ásperos: arrogância, prepotência, ilusão da infalibilidade.

É proverbial a dita vaidade de FHC. Nunca dei bola para essa prosa. Foi, em muitos aspectos, o presidente mais importante do país. Sua obra evidencia sua agudeza intelectual. O livro "Dependência e Desenvolvimento na América Latina" (1967), por exemplo, escrito em parceria com Enzo Faletto, evidenciou a fragilidade do aparato ideológico terceiro-mundista da Cepal (Comissão Especial para a América Latina).

Por equívoco, o título acabou integrando a lista de referências do "Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano", de Plinio Apuleyo Mendoza, Alvaro Vargas Llosa e Carlos Alberto Montaner, que listam todas as ilusões das esquerdas do continente, sejam as moderadas, que os autores classificam de "vegetarianas" --prefiro chamar de "herbívoras"--, sejam as "carnívoras", para ficar ainda na sua terminologia. Houvessem lido o livro, teriam constatado que ali estava a negação dos conceitos então firmados sobre a "Teoria da Dependência".

Para o FHC já do fim da década de 60, o capitalismo poderia se realizar nos países ditos periféricos. Às economias ditas "dependentes" não estava reservado o papel de meras fornecedoras de matéria-prima e importadoras de manufaturados, com um mercado consumidor local dinâmico, mas restrito --enquanto, como disse o poeta, "a terra ficava esfaimando". Não tardou para que essa perspectiva abrisse uma outra: também a democracia era viável naquela periferia. Tratava-se de trincar um gigantesco edifício intelectual, que também era um lugar de poder nas universidades, cujo pilar era a militância anti-imperialista.

FHC operou outro rompimento importante, desta feita no terreno da disputa pelo poder. Quando candidato do Plano Real à Presidência, em 1994, buscou o apoio da "velha política", encarnada pelo PFL, para fazer as reformas modernizadoras que a esquerda e a centro-esquerda se recusavam a apoiar. E as fez. É esse líder a surgir como a mão que balança o berço em que Huck balbucia infantilismos sobre política?

Notaram a armadilha? Lula não vai disputar a eleição porque impedido pela Justiça. Mas estará na urna na figura de um ungido seu. Se Huck, o "homem da Globo" (na linguagem de seus adversários, não inteiramente fantasiosa), for "o candidato de FHC" --e essa marca já está estampada nele; não sai mais--, cria-se para o PT o segundo melhor dos cenários, já que Lula, potencial vitorioso, seria o primeiro. É estupefaciente que, em nome da "nova política", ele atue para reeditar um velho pacto de duelistas.

Surpreende? Há meros oito meses, o tucano defendeu a antecipação das eleições presidenciais, proposta que, se tornada realidade, rasgaria a Constituição e nos poria à beira do indeterminado. Que teoria a iluminava? Nenhuma! Era a "vanitas" a serviço da própria voz, que ecoava, no entanto, vozes bem mais poderosas. Refiro-me aos veículos do Grupo Globo, que abraçaram, como ordem unida, o "Fora, Temer". Loucura, loucura, loucura!

É ruim perder a noção de limites. O Brasil não merece um novo confronto entre Lula e FHC, ambos como candidatos virtuais, com seus respectivos bonecos de ventríloquo.

Darei a essa turma da "nova política" o conselho que Nelson Rodrigues deu aos jovens: "Envelheçam!" Soa um tanto ridículo ter de dizer o mesmo a FHC. Mas é necessário

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

"A construção do mito" / Ruy Fabiano

A construção do mito 

 RUY FABIANO

REVISTA VEJA/BLOG DO NOBLAT


Lula é obra de marketing. Jamais ganhou uma eleição em primeiro turno

A popularidade de Lula é obra de marketing. O líder político “mais popular” da história jamais ganhou uma eleição em primeiro turno, como, por duas vezes, o fez FHC (ambas contra Lula).

Da mesma forma, jamais elegeu ninguém nesses termos. Dilma Roussef e Fernando Haddad, os postes que colocou na Presidência da República e na prefeitura de São Paulo, venceram com extrema dificuldade no segundo turno – Dilma, inclusive, sob suspeita de urnas fraudadas e com o uso de verbas surrupiadas dos cofres públicos, conforme os marqueteiros Mônica e João Santana.

Desde que foi vaiado na abertura dos Jogos Pan-Americanos, em 2007, no Maracanã, passou a evitar plateias não amestradas em suas aparições em público. Fala apenas à militância.

O líder mais popular da história não compareceu a um único jogo da Copa do Mundo de 2014, mesmo sendo um ardoroso torcedor e responsável pela competição ter-se realizado no Brasil. Evitou assim as vaias que foram despejadas sobre sua sucessora, Dilma.

Tem enfrentado, de maneira recorrente, o dissabor de ser hostilizado em aeroportos e restaurantes. Por essa razão, passou a viajar em jatinhos particulares de amigos ricaços (sempre eles).

Esta semana, mais uma pesquisa do Datafolha o mostra como favorito à eleição presidencial. É interessante notar que essas pesquisas, que se repetem mensalmente, não têm outro propósito senão o de mostrar o que os fatos negam: que Lula é o candidato mais competitivo e que sua popularidade não foi sequer arranhada.

Com isso, buscam dar cabimento à tese de que sua condenação judicial teria objetivo meramente político: tirá-lo da disputa. Ocorre que essas pesquisas omitem o número expressivo dos que não têm candidato (sempre em torno de 70%) e buscam negativar os que, na estreita faixa dos que já se definiram (30%), lhe fazem sombra. Jair Bolsonaro, por exemplo.

Ao tempo em que essa nova pesquisa omite a condição de condenado em segunda instância de Lula – e, portanto, inelegível nos termos da Lei da Ficha Limpa -, faz crer que seu oponente é um “denunciado” em face de seu patrimônio imobiliário.

A “denúncia” é uma matéria jornalística da própria Folha de S. Paulo, dona do Datafolha, arquivada pelo Ministério Público. É uma pesquisa diferente, em que os candidatos são apresentados com premissas – falsas -, de modo a induzir o entrevistado.

Faz parte da construção do mito, que se tornou maior que seu próprio partido, que assim compartilha os efeitos danosos de sua queda. Daí o desespero. Gleisi Hoffmann, presidente do PT, já disse que o PT não tem plano B: é Lula ou Lula. Ou seja, não é.

O Instituto Lula diz agora que ele é o candidato mais votado da história. E soma todos os votos recebidos em todas as eleições presidenciais de que participou (cinco), comparando-o a candidatos de outros países. Omite mais uma vez que, além de aqui o voto ser obrigatório (não o é, por exemplo, nos EUA), o Brasil é o terceiro maior colégio eleitoral do planeta. Marketing puro. Marketing burro.

Ruy Fabiano é jornalista

sábado, 3 de fevereiro de 2018

"votar com o fígado não é boa política" / Rodrigo Constantino

Do ressentimento a um projeto de nação

RODRIGO CONSTANTINO

REVISTA ISTO É

Também estou muito irritado, e Deus é testemunha de minha revolta contra a esquerda. Mas votar com o fígado não é boa política

O povo brasileiro está indignado, revoltado, e com toda razão. Afinal, o País está um caos econômico e social, herança maldita deixada pelo PT. O esquerdismo afundou de vez o Brasil. E não falo “apenas” dos milhões de desempregados, mas da violência fora de controle e do esgarçamento total dos valores morais.

Junte-se a isso os infindáveis escândalos de corrupção e o cinismo de boa parte da classe política, especialmente do próprio Lula, e temos um quadro perfeito para alimentar o ódio e o ressentimento de quem se sente traído ou vítima de cafajestes imorais. O clima é propício até mesmo para uma revolução, não fosse o povo tão “pacato” e bonachão.

A alternativa concreta que surge, então, é um grito nas urnas, um berro de revolta, um brado retumbante contra tudo e todos que estão aí, contra o establishment, a mídia conivente, os empresários cúmplices. Quem representa a negação dessa podridão toda terá milhões de votos. É algo bem compreensível.


Resta, contudo, perguntar: e depois? E no dia seguinte? Como será o governo? Como será o Congresso que terá de aprovar reformas? Aliás, quais reformas? O confronto com o esquerdismo é crucial para nosso futuro, mas não basta. A favor de que estamos agindo? Eis a questão.

Se a ideia é de vingança, então poderá gerar muito calor, mas pouca luz, dispersando energia necessária para a construção de um futuro melhor. “Quem se vinga depois da vitória é indigno de vencer”, disse Voltaire.

Alimentar o ressentimento pode ser boa estratégia eleitoral, para manter uma militância engajada, mas não aprova a fundamental reforma da Previdência, não reduz os privilégios do setor público, não derruba barreiras protecionistas, não diminui a burocracia ou a carga tributária, não cria nem mesmo um ambiente de mais decência e uma postura civilizada.

A vitória fomentada pelo ressentimento pode ser uma de Pirro, com sabor de derrota. Sim, a esquerda terá, nas aparências, sido derrotada. Mas qual o custo, e o que vem depois? Um povo que convive com 60 mil assassinatos por ano e um desemprego de quase 15 milhões, sem saneamento básico, com escolas tomadas por doutrinadores, com péssimo transporte e sistema de saúde, não precisa de retórica raivosa ou messiânica, mas de medidas concretas que possam mitigar tais problemas.

Eis o que ainda tira meu sono: onde estão as propostas efetivas, quem tem condições, de fato, de liderar o Brasil nessa direção, para além dos discursos populistas? Também estou muito irritado, e Deus é testemunha de minha revolta contra a esquerda. Mas votar com o fígado não é boa política. Quero saber do projeto de Nação. Para a raiva, encontro alguma outra válvula de escape que não as urnas…

O que será do PT sem Lula...?

Lula é apenas o primeiro

MARCO ANTONIO VILLA

REVISTA ISTO É
No País reinou a calma. Era esperado. E o mesmo vai ocorrer quando da prisão do chefe do petrolão. O Brasil mudou, ainda bem

A condenação de Luiz Inácio Lula da Silva a 12 anos e 1 mês de reclusão – além da pena pecuniária – é um marco político-jurídico. Nunca na história do Brasil houve algum fato que sequer tenha se aproximado ao acontecido no já célebre 24 de janeiro de 2018. Poucos acreditavam que a Justiça fosse igual para todos. O caput do artigo 5º da Constituição era considerado perfumaria, algo para ser lido até com desdém. Isso porque havia brasileiros mais iguais que outros. Porém, juízes identificados com a plenitude do Direito, que julgam independentemente da capa do processo, demonstraram que temos sim Justiça – muito diferente daquela dos tribunais superiores de Brasília.

O sinal dado por Porto Alegre é claro: ninguém está acima da lei. É um recado não somente para Lula mas para toda elite política. Se até ele pode ser condenado (e vai ser preso) por que outros não serão? E são centenas envolvidos nas investigações, alguns já processados e muitos condenados em primeira instância. A fila é longa e deve andar esse ano com novas condenações atingindo políticos de diversos partidos políticos. O País tende, portanto, para um caminho muito distinto do italiano. Lá a Operação Mãos Limpas foi logo controlada pelo poder tradicional. Aqui o processo é distinto e está criando as condições para a efetiva construção da República sob bases democráticas stritu sensu.

Um País assolado por duas febres / Bolívar Lamounier

sábado, fevereiro 03, 2018


Um País assolado por duas febres 

 BOLÍVAR LAMOUNIER

REVISTA ISTO É

A juventude universitária se entregou de corpo e alma à arenga de que “eleição sem Lula é fraude”, como se Lula fosse dom Luiz Inácio I, o Inimputável


A febre amarela chegou como uma novidade temível, potencialmente devastadora. É coisa recente. Muito antes dela, uma outra, menos visível e sem impacto imediato, já se instalara confortavelmente, de norte a sul do País. Refiro-me ao ideologismo idiota que grassa em toda a área educacional. O vigor com que ele emergiu após a confirmação da condenação de Lula pelo TRF-4 é facilmente perceptível.

O ponto de aglutinação da febre ideológica é o PT, que a irradia para o restante da sociedade, valendo-se principalmente da juventude universitária como veículo transmissor. Essa se entregou de corpo e alma à arenga de que “eleição sem Lula é fraude”, como se o Brasil fosse uma monarquia absoluta e Lula fosse dom Luiz Inácio I, o Inimputável.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

"Autoridade de menos" / Edson José Ramon

quinta-feira, fevereiro 01, 2018

Autoridade de menos 


EDSON JOSÉ RAMON

GAZETA DO POVO - PR - 01/02

O país que promete igualdade de oportunidade para todos é cada vez mais desigual em razão da avassaladora ignorância intelectual de sua gente 
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Inegavelmente o mundo vive tempos de mudanças rápidas, e por vezes radicais. Mudanças causadas pelo avanço da tecnologia são as mais percebidas e rapidamente incorporadas pela sociedade. Neste caso, o exemplo mais vigoroso é o surgimento dos smartphones, usados freneticamente por todos, com efeito avassalador na alteração do comportamento das pessoas.

Mas há uma mudança silenciosa que se prenuncia no seio da sociedade, e que se desenvolve em nome dos direitos individuais e da liberdade de expressão, do politicamente correto e da autonomia das pessoas. Refiro-me à falta de respeito, ao descompromisso com o convívio social, à falta de educação das pessoas, com absoluto desprezo pelas regras. Este comportamento ganha corpo e se avoluma no seio da sociedade brasileira, sem que ninguém saiba onde poderá desaguar.

Ele começa ingenuamente em casa, com pais que não impõem sua autoridade sobre filhos e deixam de estabelecer limites. Quem ainda não assistiu a cenas lamentáveis de crianças de tenra idade confrontando seus pais quando algo lhes é negado? É frequente ver crianças protagonizando espetáculos deploráveis por receber um simples não – e, pior, sem receber qualquer reprimenda.

O Brasil pede socorro, que só pode vir na forma de regras mais rígidas, no respeito à hierarquia, às instituições, aos mais velhos, às leis e regulamentos 


Essa perda de autoridade vai de casa para a escola. Professores de ensino fundamental e médio relatam histórias impressionantes de alunos desobedientes que não compreendem por que devem se submeter a regras banais de salas de aula, como ficar sentado, não utilizar celular, prestar atenção, não conversar e respeitar o professor. Nas redes pública e privada, há professores que simplesmente desistem de ministrar aulas, tamanha a desatenção e bagunça dos alunos, limitando-se a passar o conteúdo no quadro e tentando explicá-lo para os poucos que se interessam pela matéria.

Já está estabelecido por regramento formal que o aluno não pode ser admoestado com vigor e nem punido, o que dá aos bagunceiros carta branca para barbarizar. A velha e boa suspensão dos tempos antigos, ou a expulsão nos casos mais agudos, não existem mais. Aos poucos se extingue também a reprovação, o que logo permitirá que alunos saiam semialfabetizados, mesmo depois de vários anos na escola. No Paraná, os diretores de escolas públicas são escolhidos pela comunidade escolar, predominantemente pelos alunos. E quem eles escolhem? Os mais tolerantes, amigos dos alunos.
A pergunta é: qual o futuro dessa geração? A resposta é uma só, e já estamos assistindo aos resultados dessa barbárie. Menos cidadãos felizes, bem resolvidos e produtivos; em contraponto, infelicidade, mão de obra sem qualificação, salários menores e aumento da criminalidade, além da “morte” da língua portuguesa, com predomínio da linguagem coloquial inculta e absoluta falta de conjugação dos verbos, onde a primeira, segunda e terceira pessoas do plural são substituídas pelo indefectível “a gente”, singularizando todos os verbos pronunciados posteriormente. “E assim a gente vai levando. É nóis!”

O país que promete igualdade de oportunidade para todos, conforme estabelecido na Constituição de 1988, é cada vez mais desigual em razão da avassaladora ignorância intelectual de sua gente. Em vez de melhorar a educação para todas as pessoas, estabelecemos cotas para afrodescendentes e alunos de escolas públicas, porque estes não têm a condição educacional de quem veio de boas escolas privadas. Isso necessariamente puxa para baixo a qualidade do ensino superior, que por sua vez forma profissionais menos qualificados, com reflexos em todas as áreas de atividade.
Estamos vivenciando o obscurantismo no Brasil em pleno século 21. Enquanto isso, nos países mais organizados, menos permissivos, que premiam a meritocracia e não a mediocridade, vive-se o iluminismo. Formam-se cidadãos melhores, cientistas, estudiosos, que respeitam regras, pessoas que progridem e fazem crescer a economia e a nação.

Este Brasil pede socorro, que só pode vir na forma de regras mais rígidas, no respeito à hierarquia, às instituições, aos mais velhos, às leis e regulamentos. Caso contrário, continuaremos a ser o Brasil da corrupção, do jeitinho, da tolerância, onde se espera que o governo venha salvar os pobres. O país dos incultos, ignorantes ou dos intelectuais que cortejam os pobres e os ideais da esquerda, mas que passam suas férias no primeiro mundo, desfrutando da organização, do respeito ao próximo e da segurança que eles oferecem. É hora de repensar o Brasil e de restabelecer a autoridade.


Edson José Ramon, empresário, é presidente do Instituto Democracia e Liberdade (IDL) e ex-presidente da Associação Comercial do Paraná (ACP).

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Sobre sexo, assédio, transa... Ou é ou não é ...! Sexo no blockchain / Luiz Felipe Pondé

segunda-feira, janeiro 29, 2018

Sexo no blockchain 

 LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 29/01
Imagens Dia Do Sexo

O tema assédio está na moda. Entre os extremos, a vida segue seu curso, às vezes, dando a impressão de que poderá se tornar irrespirável em algum momento.

Num lado extremo dessa realidade das relações sexuais, homens violentos (ou mulheres violentas, em bastante menor número) que tornam a vida no trabalho ou nos espaços de lazer um inferno para suas vítimas. No outro extremo, o sentimento de risco (real) que muitos homens sentem de que a simples demonstração de desejo por uma mulher poderá ser tachada de assédio.

Ou, pior, de que, mesmo tendo tido seu consentimento, ela poderá, posteriormente, dizer que o "retirou", ou que o cara mentiu sobre ela ter dado o consentimento, ou que a entendeu errado e que, portanto, o suposto "date" foi estupro.

É justamente na área privada do consentimento que residem algumas das paranoias contemporâneas que ameaçam transformar as relações cotidianas entre homens e mulheres num tédio contínuo preenchido por pessoas civilizadas, limpinhas e imóveis. Mas, como tudo mais no mundo contemporâneo, principalmente em se tratando de relações humanas e serviços, o espírito do Vale do Silício oferece uma solução.

Os holandeses criaram um aplicativo chamado Legal Fling, que visa garantir que pessoas (principalmente, homens) se defendam da acusação de assédio ou estupro quando houve consentimento prévio para o ato sexual ou a abordagem.

A expressão em inglês "fling" é ambivalente. Entre o substantivo, que nos remete à ideia de um momento de diversão, gostoso, e o verbo, que pode significar um arremesso violento de algo, ou seja, algum tipo de ato com risco de violência, reside a realidade ambivalente do tema.

"Legal fling" seria, portanto, essa ambivalência tornada "legítima", levando essa arriscada ambivalência para o universo "garantido" pelo novo oráculo, a tecnologia blockchain (base de registro que funciona como prova de um acordo ou transação). Será verdade um aplicativo assim?

Nem todos concordam que o aplicativo ofereça de fato a segurança absoluta contra acusações de que consentimentos supostamente dados se transformem em acusações supostamente falsas. O "supostamente" aqui é essencial.

Voltamos ao caráter privado do tema. É difícil saber o que acontece entre quatro paredes. O combate à violência sexual tem razão em se preocupar com os abusos em geral. A crítica feita à tentativa de judicializar as relações entre homem e mulher também tem razão quando aponta a cultura da paranoia como fato dado no mundo presente.

É possível um "meio-termo" ou "bom senso" nesse assunto? Não creio. O mundo vai, pouco a pouco, sucumbindo à ambivalência criada pela modernização, na sua contínua tentativa de organizar e limpar tudo.
Zygmunt Bauman (1925-2017) acertou em cheio no seu "Modernidade e Ambivalência" ao apontar para esse caráter de "jardineiro" que o Estado moderno (e a sociedade como um todo) tem em querer fazer do mundo um "jardim do bem".

O aplicativo funciona basicamente assim: você preenche um cadastro onde afirma aceitar ou não sair e fazer sexo com fulano, depois detalha o que gosta, tipo, sei lá, sexo anal, no carro, oral, se gosta ou não de apanhar, se gosta ou não de ser tratada ou tratado de forma humilhante, se gosta de ser chamado ou chamada por termos como "cachorra", "vadia", "filho da puta" e por aí vai.
Sei. Pensar numa lista assim parece ridículo. Mas, se você tiver como princípio de entendimento do mundo contemporâneo o fato de que caminhamos para um contrato social baseado no ridículo como forma de vínculo, não estranhará tanto assim um aplicativo como esse.

O aplicativo lançará então esse "contrato" numa plataforma blockchain e, portanto, você não terá como impedir que a "humanidade em cadeia" tenha ciência de que, sim, você gosta de apanhar no sexo ou que você, sim, aceitou ser amante do seu chefe, quem sabe, em troca de uma promoção no trabalho.

O que salvaguardará juridicamente a legitimidade do ato sexual em questão será de uma ordem análoga à de uma moeda virtual, como o bitcoin. Neste caso, a "moeda" é a exposição pública da intimidade, em nome da segurança de cada cidadão envolvido em atos sexuais.

"Sonhos suburbanos" / Demétrio Magnoli

http://avaranda.blogspot.com.br/2018/01/sonhos-suburbanos-demetrio-magnoli.html

Sonhos suburbanos -

 DEMÉTRIO MAGNOLI


O GLOBO - 29/01

A ‘esquerda’ lulista escolheu o capitalismo selvagem do consumo privado, do crédito popular, do cartão magnético, das Casas Bahia e do Magazine Luiza

Os três desembargadores do TRF-4 serviram-se do tríplex na Praia de Astúrias, no Guarujá, para contar uma história sobre o Brasil. Nos seus votos unânimes de condenação de Lula, eles discorreram sobre poder e patrimônio: a tenda do capitalismo de compadrio na qual convivem políticos e empresários. O futuro julgamento do caso do sítio de Atibaia, que também “não é do Lula”, provavelmente funcionará para o mesmo fim. Contudo, tríplex e sítio abrem-nos uma janela para outra paisagem, outra história e outro crime — um crime que só existe na esfera da política

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sábado, 27 de janeiro de 2018

"Bravatas e realidade " / Merval Pereira

Bravatas e realidade  

MERVAL PEREIRA

O Globo 27/01

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Já entrou para o anedotário da política brasileira a confissão do ex-presidente Lula: “Quando a gente é de oposição, pode fazer bravata porque não vai ter de executar nada mesmo. Agora, quando você é governo, tem de fazer, tem que ser responsável, e aí não cabe a bravata”. Em outra ocasião, ele confessou, entre risos de seus entrevistadores amigos, que quando era oposição viajava o mundo falando mal do Brasil e ganhava muita atenção no estrangeiro citando dados estatísticos que não exprimiam a verdade.

Pois foram as bravatas de Lula e seus seguidores que justificaram a decisão do juiz federal de primeira instância Ricardo Leite, de Brasília, de apreender o passaporte do ex-presidente, medida cautelar prevista no Código de Processo Civil para substituir a prisão preventiva, impedindo-o de viajar à Etiópia, para um evento sobre o combate à fome no mundo, onde certamente voltaria a falar mal do Brasil e a contar bravatas sobre si mesmo e seus governos.

Mas o juiz não estava preocupado com o que Lula faria no exterior, mas sim com os indícios de que poderia não retornar, pedindo asilo a “países simpatizantes”. Essa foi uma das bravatas que os aliados de Lula espalharam nos últimos dias. Ao impedir Lula de deixar o país, o juiz Ricardo Leite explicou: “É do conhecimento público a divulgação de declarações em que aliados políticos do ex-presidente, visando a politização de processos judiciais, cogitam a solicitação (se necessário) de asilo político em seu favor para países simpatizantes”.

Também a reiteração, por Lula e seus aliados, de que não acatariam a decisão do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre (TRF-4), com incitação aos militantes para que resistam a uma eventual prisão de Lula, serviram de base para a decisão do juiz de Brasília.

Um dia depois de ter sido condenado a 12 anos e um mês de prisão, o ex-presidente Lula, em reunião da Executiva Nacional do PT, disse que não respeitaria a decisão da Justiça, e conclamou os militantes a uma ofensiva nas ruas para defendê-lo, pregando o enfrentamento político.

“Esse ser humano simpático que está falando com vocês não tem nenhuma razão para respeitar a decisão de ontem” (...) “Quando as pessoas se comportam como juízes, sempre respeitei, mas quando se comportam como dirigentes de partido político, contando inverdades, realmente não posso respeitar”.

Na mesma reunião, o líder do Movimento dos Sem Terra, João Pedro Stédile, afirmou que os movimentos populares não aceitarão e impedirão a prisão do ex-presidente Lula. Também o líder do PT no Senado, Lindbergh Farias, que, por sua agressividade, subiu no conceito das lideranças petistas, defendeu a “desobediência civil”, com ocupação das ruas, contra a condenação de Lula em segunda instância:

“Não nos peçam passividade nesse momento. Há uma ditadura de toga nesse país. Não podemos mais dizer que vivemos numa democracia, e agora só temos um caminho: a rebelião cidadã e a desobediência civil”, afirmou, para desafiar: “Vão fazer o quê? Prender o Lula? Vão ter de prender milhões de brasileiros antes.”

O líder do PT foi mais cuidadoso nessa frase do que fora sua presidente partidária, senadora Gleisi Hoffmann, que chegou a dizer que para prender Lula teriam que matar “muita gente” antes. As manifestações a favor de Lula não indicam essa disposição de “muita gente” para morrer pelo ex-presidente, e as últimas informações mostram que, principalmente, não estão dispostos a morrer politicamente.

Já começam nos bastidores as negociações para apressar a indicação de um candidato substituto, sob pena de o partido sofrer uma derrota fragorosa nas eleições gerais de 2018. Para os membros do partido, uma candidatura de Lula representava a senha mágica para a recuperação do partido nas eleições de governadores, 2/3 do Senado e a totalidade da Câmara, compensando a derrota que o partido sofreu nas eleições municipais de 2016. Agora, insistir nela pode ser a derrocada final.

Com uma perda de 60% das prefeituras que governava, o PT ficou em 10º lugar entre os partidos que mais elegeram prefeitos, deixando que seus adversários mais fortes, como o PMDB e o PSDB, crescessem e tenham hoje uma máquina partidária espalhada pelo país, que certamente os ajudará na campanha deste ano.

As bravatas de Lula certamente não ajudarão o partido, pois dificilmente ele conseguirá superar a Lei da Ficha Limpa, que torna inelegível os que, como ele, são condenados em segunda instância. Como só acontece com os bravateiros, na hora do enfrentamento da realidade eles se curvam a ela. Lula, que incitava à desobediência civil, levando Lindbergh a acreditar na bravata, entregou seu passaporte e vai lutar por ele dentro das legislação vigente.