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terça-feira, 3 de outubro de 2017

"Derrapadas supremas" / Mary Zaidan

Derrapagem, derrapar, pneus (Foto: Pixabay)

Derrapadas supremas
É grave o imbróglio entre o Senado e o Supremo Tribunal Federal depois que a 1ª Turma afastou Aécio Neves (PSDB-MG) de suas funções legislativas, apreendeu seu passaporte e determinou seu recolhimento noturno – mas é só parte da crise. Ao se enveredar por trilhas heterodoxas, o STF, que deveria ser o guardião constitucional, juízo máximo e definitivo, abre-se para toda sorte de críticas, se enfraquece e, consequentemente, fragiliza o já bambo equilíbrio institucional do país.
E não têm sido poucas as derrapadas da Corte Suprema, sempre com consequências dramáticas.
Coube ao STF, por exemplo, parcela significativa da responsabilidade para que os partidos políticos se multiplicassem como ratos. Em 2006, a Corte considerou inconstitucional a cláusula de barreia aprovada 10 anos antes pelo Congresso. A norma, que estabelecia representação mínima no Parlamento para que as legendas tivessem acesso ao fundo partidário e ao horário eleitoral na TV e no rádio, só está sendo reabilitada agora.
“O STF substituiu uma opção legítima do legislador”, afirmou o hoje ministro do Supremo Alexandre de Moraes em sua sabatina no Senado, ao criticar a decisão da Corte que ele agora integra.
Mas, ainda que o entendimento passe a ser outro, o precedente de inconstitucionalidade criado em 2006 está lá, com longas argumentações em prol da “defesa das minorias”, permitindo a grita das agremiações de pequeno porte que se sentirem lesadas com a reedição do dispositivo.
Outro precedente temerário foi consagrado pelo então presidente do STF, Ricardo Lewandowski, quando do impeachment de Dilma Rousseff. Dirigindo os trabalhos da sessão definitiva do Senado que acabou por depor a presidente, Lewandowski inventou um dispositivo constitucional ao fatiar o parágrafo único da Carta sobre a cassação e a  suspensão dos direitos políticos por oito anos.

Com isso, o país teve de engolir a esdrúxula situação de ter uma presidente destituída de seu mandato que pode ser candidata a qualquer cargo público no ano que vem – até mesmo à Presidência da República.
Mais do que beneficiar Dilma, o STF legiti
mou uma nova leitura do artigo 52 da Constituição, válida para qualquer um que venha a ser deposto por crime de responsabilidade ou qualquer outro.
Recentemente, a Corte aprontou de novo. O ministro Edson Fachin endossou, com velocidade ímpar, a delação premiadíssima dos irmãos Batista, que dava sustentação à primeira denúncia do ex-procurador-geral Rodrigo Janot contra o presidente Michel Temer.
Com a reviravolta provocada pela até hoje pouco explicada gravação “acidental” que pegou Janot de calças curtas e quase despiu Fachin, o ministro relator da Lava-Jato mandou prender o falastrão Joesley Batista e seu interlocutor Ricardo Saud. Mas, curiosamente, poupou Marcello Miller, ex-braço direito de Janot, que dias antes da polêmica delação trocara a PGR pela JBS de Joesley.
Fachin, assim como Janot, teria sido enganado.
Longe de desculpá-lo, o ludibrio dos irmãos Batista enxerta mais incertezas e, obviamente, macula a imagem do Supremo, que, no mínimo, tratou com pouco zelo uma denúncia que envolvia o presidente da República.
As idas e vindas no processo da dupla Joesley e Wesley, que, com aval do STF, conseguiram as chaves do Paraíso e adentraram as portas do inferno, criaram inseguranças quanto às delações já firmadas e, pior, as que ainda estão por vir.
O caso Aécio é mais um nesse rol. Fora os excessos verbais de ministros que parecem se deliciar com o som da própria voz, tudo nele é inédito. Não há consenso nem mesmo dentro do Supremo se a decisão tem lastro constitucional.
De novo, a criatividade do STF suga o crédito e o respeito que a Corte maior, tão necessária para a estabilidade do país, deveria gozar. Vira piada, troça, papo de botequim.
(Foto: Pixabay)

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Eduardo Cunha e sua lista...


POLÍTICA

A lista de Eduardo Cunha

Antônio Cruz (Foto: Agência Brasil)Eduardo Cunha (Foto: Antônio Cruz / Agência Brasil)
Ricardo Noblat
Parte da delação do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso em Curitiba desde outubro do ano passado, já foi aceita pelo Ministério Público Federal. E é nela que reside a revelação que mais assombra seus ex-colegas da Câmara: a lista dos que receberam dinheiro para votar a favor da abertura do processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff.
Cunha não se limitou a dar os nomes – a maioria deles do PMDB. Citou as fontes pagadoras e implicou o presidente Michel Temer. Reconheceu que ele mesmo em alguns casos atuou para que os pagamentos fossem feitos. Contou o que viu e acompanhou de perto e o que ficou sabendo depois. Não poupou nem aqueles deputados considerados mais próximos dele. Teve uma razão especial para isso.
É o troco que dá aos que antes satisfizeram suas vontades e depois o abandonaram quando mais precisou da ajuda deles.  Cunha foi do céu ao inferno num período de 17 meses. Eleito presidente da Câmara em primeiro turno no dia 1 de fevereiro de 2015 com 267 votos de um total de 513, acabou cassado no dia 12 de setembro do ano seguinte por 450 votos. Somente 10 deputados votaram por sua absolvição.
Tanto Cunha quanto o Ministério Público têm pressa em fechar acordo em torno do restante da delação. Se isso ocorrer, ela poderá servir de base para uma nova denúncia contra Temer. Ou, no mínimo, para provocar um terremoto na base de sustentação do governo no Congresso, fragilizando-o ainda mais. Temer já foi informado a respeito e reagiu com tranquilidade

quinta-feira, 6 de julho de 2017

"Lula é o chefe" / Ruy Fabiano

Lula é o chefe

Lula piscando (Foto: Arquivo Google)(Foto: Arquivo Google)
O perigo do “Fora, Temer” é ofuscar o protagonismo do PT no maior processo de rapina já perpetrado ao Estado brasileiro – aliás, a qualquer Estado. A corrupção como método de governo.
O PMDB, partido que Temer presidiu por longo tempo, e cuja parceria com o PT o levou à vice-presidência de Dilma Roussef, praticou a corrupção clássica, que, embora obviamente criminosa, cuidava de não matar a galinha dos ovos de ouro.
A do PT, não. Não se conformava em enriquecer os seus agentes. Queria mais: saquear o Estado para financiar um projeto revolucionário de perpetuação no poder. Daí a escala inédita, mesmo em termos planetários. Só no BNDES, o TCU examina contratos suspeitos de financiamentos, que incluem países bolivarianos e ditaduras africanas, na escala de R$ 1,3 trilhão. Nada menos.
Poucos países têm tal PIB. A Petrobras, que era uma das maiores empresas do mundo, desapareceu do ranking mundial. Deve mais do que vale. O PT banalizou o milhão – e mesmo o bilhão.
As delações da Odebrecht e da JBS, entre outras de proporções equivalentes (Queiroz Galvão, OAS, Andrade Gutierrez, UTC etc.) mostram quem estava no comando: Lula e o PT. Os demais beneficiários estão sempre vários degraus abaixo. Eram parceiros – e, portanto, cúmplices -, mas sem comando.
Por essa razão, soou como piada de mau gosto – ou um escárnio à inteligência nacional - a afirmação de Joesley Batista de que Temer era o chefe da maior quadrilha do erário. A ação implacável do procurador-geral Rodrigo Janot procurou reforçar aquela afirmação, que obviamente não se sustenta.
Os irmãos Batista, no governo Lula – e graças a ele -, ascenderam da condição de donos de um frigorífico em Goiás à de proprietários da maior empresa de produção de proteína animal do mundo, com filiais em diversos países. Tudo isso em meses.
O segredo? A abertura dos cofres do BNDES, de onde receberam algo em torno de R$ 45 bilhões. Tal como Eike Baptista, são invenções da Era PT. Temer nada tem a ver com isso, ainda que tenha sido – e está provado que foi – beneficiário do esquema.
Mas chefe jamais. Temer e o PMDB são a corrupção clássica, igualmente criminosa, mas em proporções artesanais. É grave e deve ser investigada e punida. Mas enquanto a rapina peemedebista cabe em malas, a do PT exige a criação de um banco, como a Odebrecht acabou providenciando no Panamá para melhor atendê-lo.
É, portanto, estranho que, diante de evidências gritantes como as que Rodrigo Janot dispunha sobre Lula, não tenha se indignado na medida que o fez em relação a Temer e Aécio, cujas respectivas prisões pediu. Jamais denunciou Lula ou Dilma.
Muito pelo contrário. Até hoje não explicou porque destruiu uma delação premiada do ex-presidente da OAS, Leo Pinheiro, que comprometia Lula. Não o sensibilizaram tampouco as delações do casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura, que, inclusive, revelaram um esquema de financiamento de campanhas em países bolivarianos com dinheiro roubado da Petrobras.
E o casal deixou claro a quem obedecia: Lula e Dilma, fornecendo detalhes sórdidos do esquema: entre outras aberrações, uma conta fria de e-mail pela qual Mônica trocava informações com Dilma, com o objetivo declarado de obstrução de justiça.
E o caso do ex-ministro Aloizio Mercadante, que tentou silenciar Delcídio Amaral, que se preparava para uma delação premiada? Ofereceu-lhe dinheiro e intermediações no STF para soltá-lo. O que Janot fez com aquela fita, cuja nitidez dispensou perícias técnicas? Mercadante continuou ministro até a saída de Dilma. E o que Janot falou a respeito? Suas indignações, de fato, têm sido seletivas, dando ensejo justificado a suspeitas de engajamento.
Temer está em maus lençóis pelo que fez – e deve ser investigado. Ele, Aécio e quem mais tenha delinquido. Mas não se deve perder de vista o senso das proporções. Lula é o chefe.
Atualização
O ex-ministro Aloizio Mercadante reafirma que as conversas que teve com o Sr. Eduardo Marzagão, assessor do então senador Delcidio do Amaral, não retratam qualquer tentativa de obstrução da Justiça, mas um gesto de apoio pessoal. Nas conversas. Mercadante diz expressamente que não interferiria na estratégia jurídica de Delcídio e nem na decisão por eventual delação. Sugeriu, apenas, que a defesa buscasse a rediscussão da prisão do Senador junto ao Senado Federal, com absoluta legalidade e transparência, uma vez que acreditava na ausência dos requisitos para a detenção.
O caso já foi analisado pela Comissão de Ética Publica da Presidência da República, sendo que Mercadante foi absolvido por unanimidade. Na decisão, a referida Comissão, que é formada por cinco membros, sendo três juízes de carreira, afirma que, nas  gravações, não se verifica a tentativa de obstrução de justiça. "Com efeito, as transcrições das conversas que constam do presente processo indicam apenas o oferecimento de auxílio a um colega de partido - gestões políticas junto ao Senado e, após o relato do assessor acerca de dificuldades financeiras sofridas pelo ex-Senador, promessa de que 'iria ver' no que poderia ajudar, 'na coisa do advogado' - sem que fique caracterizada conduta ilícita", afirma a decisão do conselheiro-relator, Américo Lacombe, que é ex-desembargador e ex-presidente e ex-corregedor do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
Mercadante reafirma que jamais intercedeu junto a qualquer autoridade para tratar deste tema. Reitera que confia plenamente na Justiça e no Ministério Público Federal, colocando-se, como sempre, à disposição das autoridades para todos os esclarecimentos necessários.
Assessoria Mercadante

"Fora os fora da lei" / Mary Zaidan


Aécio Neves (Foto: Alexandre Cassiano)

Fora os fora da lei

Os elogios causaram estranheza e eram desnecessários. Mas, goste-se ou não, o ministro Marco Aurélio de Mello acertou ao devolver o mandato ao senador Aécio Neves, suspenso pelo ministro Edson Fachin desde 18 de maio. O tucano, flagrado pedindo dinheiro ao delator Joesley Batista, pode até ter culpa no cartório, mas suspeição não é critério (ou não deveria ser) para interromper um mandato popular, seja de quem for. Quanto mais quando um único juiz decide fazê-lo.
Mais de três dezenas de senadores são alvos de investigação no Supremo. Só Renan Calheiros (PMDB-AL) tem 12 delas nas costas. O ex-líder do PMDB, que ao ver o presidente Michel Temer abatido migrou para a oposição, exemplifica bem os pesos e medidas do STF. Acusado de peculato, virou réu em dezembro do ano passado e não foi suspenso, continua a exercer seu mandato. É o que a lei prevê até ser julgado e ter a sua sentença proferida.
Diante do gigantismo da bandidagem, os bilhões afanados e a cada vez mais sofisticada rede do crime de corrupção, a descrença popular nos políticos é compreensível. Para muitos, a melhor solução é linchar todos, jogar na cadeia os 32 senadores investigados e a outra centena de deputados. Prender o presidente Temer e seus auxiliares. Justiçar em vez de fazer Justiça.
Apedrejar sem investigar remete a práticas da Idade Média, que só perseveram entre uma minoria fundamentalista do Islã. Mas, de certa forma, é o que tem sido feito por aqui. Delação virou prova, vazamentos determinam as sentenças populares, na maior parte das vezes tecida por torcida, ignorância, má-fé ou tudo isso.  
Tem-se uma briga de facções, todas arremessando pedras, usando a suspeita ou a investigação de crimes ainda não comprovados para destruir seus oponentes. E o fazem sem medir consequências – todas elas danosas à democracia e ao Estado de Direito.
Para proteger o ex Lula, também enrolado em cinco processos, um deles perto de ser finalizado na primeira instância, os que apedrejam Temer o fazem sob o mesmo argumento que o presidente tem usado contra a Procuradoria-Geral da República (PGR): a perseguição. E os que querem ver Lula na cadeia possivelmente amargarão a frustração de o ex ser condenado por Sérgio Moro, mas continuar em liberdade. Não por bondade do juiz de Curitiba, mas por ser réu primário. É a lei.
Lula fora da cadeia causará tanta indignação e descrença na Justiça quanto a soltura de Aécio ou a possível – e até previsível – decisão da Câmara de Deputados de não autorizar que o processo contra Temer ande.
Se isso ocorrer, vão proliferar as teorias de um grande acordo para livrar todos, algo almejadíssimo, mas quase ficcional.
Um acordão é desejo de 10 em cada 10 investigados. Frequenta jantares de Brasília. Mas amarga a mais doce das sobremesas quando os convivas se confrontam com a imensa impopularidade de uma eventual anistia.
Há ainda os que se consideram senhores da concertação e se arvoram a falar em nome da salvação nacional – que não deixa de ser um acordo, visto que à margem da lei.
Gente do porte do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que recentemente passou a só ver saída com eleições gerais, tese que atraiu apoio de Lula e Renan, e outros tucanos de alta plumagem, que pregam parlamentarismo-já, rejeitado em plebiscito há pouco mais de uma década.
Gente que teria responsabilidade de apregoar a Constituição e que escolhe fazer pouco dela. Gente que deveria saber que é na crise que se revela o valor da Carta. Que mudá-la açodadamente é permitir que ela se mova de acordo com a força do vento – diga-se, de um aventureiro qualquer.
Não deveria existir condenação sem investigação e prova -- ainda que imaterial, já que corruptos não passam recibo. Não deveria existir alternativa fora da lei, muito menos fora da Constituição. Pior: quando a sensação geral é a de que há mais bandidos do que mocinhos, qualquer um acha que pode encarnar o xerife.
  •  Aécio Neves (Foto: Alexandre Cassiano)

terça-feira, 28 de março de 2017

"Compram-se leis e governos" ... / José Casado

José Casado: 

Compram-se leis e governos

Marcelo Odebrecht pagou R$ 50 milhões pelo ‘Refis da Crise’, obra de Lula. Quatro anos depois, repassou a propina à campanha da chapa Dilma-Temer

Publicado no Globo
Na manhã de segunda-feira 31 de março de 2014, o empresário Marcelo Odebrecht recebeu uma planilha financeira organizada por Hilberto da Silva, chefe do Departamento de Operações Estruturadas da empreiteira.
Calvo, dono de um sorriso que lhe repuxa o olho direito, Hilberto era o terceiro a comandar um dos mais antigos núcleos operacionais da construtora, o de pagamento de propinas. Norberto, fundador e avô de Marcelo, tivera a assessoria de Benedito da Luz. Emílio, o pai, nomeara Antonio Ferreira. Marcelo, o herdeiro, assumiu em 2006, escolheu Hilberto e pôs a unidade no organograma do grupo, disfarçada como “Operações Estruturadas”. Conferiu a planilha: restavam R$ 50 milhões na conta, desde 2010. Só ele sabia a origem e o destino daquele dinheiro. Depois de quatro anos adormecido no caixa paralelo, chegara a hora de repassá-lo à campanha de reeleição da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer.
“O que eu acho que contamina a campanha de 2014 é esse dinheiro do Refis”, ele disse em depoimento no Tribunal Superior Eleitoral, no último 1º de março. “Esse, sim, foi uma contrapartida específica”, acrescentou.
Por trás da propina de R$ 50 milhões à campanha Dilma-Temer, segundo Marcelo, está a história da compra de uma medida provisória (nº 470, ou “Refis da Crise”) no fim do governo Lula.
Era 2009. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, negociava com empresas devedoras da Receita e da Previdência Social. “Eu sei que, no meio dessa discussão de 2009, aí, sim, nesse caso específico, o Guido me fez uma solicitação, de que tinha uma expectativa de 50 milhões para a campanha de 2010 dela, tá?” — relatou Marcelo, em juízo. “Foi o único pedido, digamos assim, de contrapartida específica que o Guido me fez, no contexto de uma negociação, tá?” A MP chegou ao Congresso com 61 artigos. De lá saiu com 140. O juiz quis saber se a expectativa fora atendida já na medida provisória ou, depois, no Congresso. Marcelo explicou: “As coisas nunca são atendidas prontamente. Na verdade, uma parte se consegue via governo. Depois você tenta incluir algumas emendas, aí, a Fazenda acaba vetando algumas, então, é o que se consegue. A gente conseguiu algo que era pelo menos razoável para a gente”. Lula sancionou o “Refis da Crise” em janeiro de 2010. Reduziu em até 75% nas dívidas acumuladas com a Receita e o INSS, deu 15 anos para pagamento do saldo e anistiou as multas. Premiou os devedores, tradicionais financiadores de campanhas. Puniu quem pagava em dia seus tributos.
A “contrapartida específica” de R$ 50 milhões não foi usada na eleição de 2010. Ficou na “conta-corrente do governo” — definições do próprio Marcelo —, no setor de propinas. Em março de 2014, quando acabava o mensalão, e começava a Lava Jato, ele resolveu aumentar a aposta: aos R$ 50 milhões pelo “Refis da Crise”, acrescentou R$ 100 milhões. Megalômano, passou a se achar “o inventor” da reeleição de Dilma-Temer, como disse em juízo.
Habituara-se a comprar leis e governantes, transferindo os custos aos contratos da Odebrecht com o setor público — os brasileiros pagaram várias vezes a mesma conta. Até hoje, ninguém se preocupou em construir mecanismos institucionais para impedir a captura do Executivo e do Legislativo pela iniciativa privada, como Marcelo e outros fizeram.

quinta-feira, 16 de março de 2017

"Vem aí o caixa zero" / Mary Zaidan

http://noblat.oglobo.globo.com/artigos/noticia/2017/03/vem-ai-o-caixa-zero.html

Vem aí o caixa zero

Caixa dois (Foto: Arquivo Google)

Caixa oficial de campanha irrigado por propina, caixa dois com e sem propina, propina fora dos períodos eleitorais para garantir maioria parlamentar ou para comprar votações de interesse do pagante, propina para rechear bolsos de amigos, para satisfazer mimos. Sem meias palavras ou tergiversações, crimes.

É claro que há diferenças na gravidade, na frequência, na premeditação. É assim para qualquer delito. Roubar é roubar, seja um doce ou um milhão. Mas, assim como ninguém arquiteta o furto de um doce, dificilmente garfa-se um milhão sem planejamento. Quanto mais bilhões.  Não por outra razão, busca-se punir o ato de acordo com o dolo.

Na política não deveria ser diferente. Mas é. Ou, pelo menos, tem sido. 
Nesta semana, possivelmente amanhã, quando o Supremo receber a segunda lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, com as novas dezenas de políticos enrolados na Lava-Jato, os citados continuarão tentando aliviar o dolo para descriminalizar o ato.
Nada de novo. É o que sempre fizeram.
Nem mesmo vão se dar ao trabalho de adaptar o discurso depois de a Segunda Turma do STF considerar que a doação eleitoral oficial não exclui a hipótese da origem ilegal do dinheiro. Continuarão a exibir as contas aprovadas, como se elas fossem atestado de lisura. E aquelas declarações que realmente são idôneas vão se misturar com as que não são.
Mas se é possível enxergar diferenças e eventuais injustiças entre contas e mandatos limpos, que não foram contaminados pela roubalheira que se apoderou do Estado durante os governos Lula da Silva e Dilma Rousseff, o caixa dois a todos une. De Arnaldo Malheiros Filho, defensor de Delúbio Soares no processo do mensalão, para quem o caixa dois era “deslize típico da democracia brasileira”, ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que até condena a prática, mas a considera apenas como “um erro que precisa ser reconhecido, reparado ou punido”.
Ainda que não esteja tipificado no Código Penal, caixa dois não é simplesmente um “erro”.  Tem condenação expressa no artigo 350 do Código Eleitoral – “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais”--, com pena de reclusão de até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias de multa. E sabe-se lá porque essas punições nunca são aplicadas.
Além de ser crime, “caixa dois é uma agressão à sociedade brasileira”, como disse a hoje presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, ao passar um pito em Malheiros Filho, que, na mesma sessão, em 2012, insistia em tratar o ilícito como “recursos movimentados paralelamente”.
Adicionando mais elementos ao debate, o ministro do Supremo, Gilmar Mendes, que atualmente preside o TSE, levanta a hipótese de que dinheiro limpo pode, em tese, ter financiado caixa dois.
Não é de todo improvável, embora se some aí o crime moral de financiar expectativa futura, algo usual em campanhas. Sabe-se que empreiteiras do porte da Odebrecht, bancos e outras grandes empresas, espalhavam recursos para todos os candidatos. Não queriam correr o risco de ficar mal lá na frente caso A ou B vencesse. E um pouco ou muito mais – por dentro e por fora - para o candidato predileto, aquele que, com certeza, devolveria o investimento com lucro. Não por outro motivo, as notícias sobre a conta só da Odebrecht com Lula-Dilma ultrapassaria a casa dos US$ 300 milhões.
O emaranhado entre o lícito e o ilícito, o delito maior ou menor, só ajuda os que têm contas a prestar. Além de juntar todos os políticos no mesmo balaio, os que se locupletaram buscam misturar os crimes, tirar o peso da premeditação, do dolo.
Na verdade, embora digam que não, temem mais os efeitos da quebra de sigilo das delações da Odebrecht do que a citação na nova lista de Janot, que, como a anterior, apresentada há exatos dois anos, demora a sair do lugar. Dos 50 nomes de 2015, apenas 25 são alvos de inquéritos. E só três – Aníbal Gomes (PMDB-CE), Nelson Meurer (PP-PR) e Gleisi Hoffmann (PT-PR) – viraram réus no STF. Depois de cassado e antes de ter seu processo aberto no Supremo, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) está preso temporariamente em Curitiba.
E quem se lembra dos demais?
Na ponta do lápis, a conta é que a lista em si não produzirá efeitos penais até as eleições de 2018. As delações, ao contrário, podem ser devastadoras. Com ou sem provas, que só são apresentadas nos autos, elas chegam como bomba na opinião pública. Não poupam nem os poucos inocentes.
Pior: as confissões podem criar embaraços adicionais à na nova tentativa dos deputados e senadores de aprovar anistia para delitos passados, de zerar o caixa. Algo que, ao contrário de separar o joio do pouco trigo, unirá pequenos e grandes delitos, de primários e reincidentes

segunda-feira, 6 de março de 2017

"A república continua a bordo do imponderável, refém de uma investigação policial, a Lava Jato,"...

A República contaminada

A república continua a bordo do imponderável, refém de uma investigação policial, a Lava Jato, que tem sido uma história sem fim – uma espécie de trailer da eternidade.
Crise brasileira (Foto: Arquivo Google)O depoimento de Marcelo Odebrecht ao TSE, na quinta-feira, além de confirmar o que já se sabia – o financiamento criminoso da campanha de Dilma e Temer em 2014 -, inseriu mais um nome no rol dos infratores: a ex-presidente Dilma Roussef. Nos termos do que foi dito, ela não apenas sabia de tudo, como a tudo comandou.
Fará companhia a Lula e à falange de petistas que delinquiram na luta pela preservação do poder. Ela bem que avisara na campanha: “Para vencer as eleições, faremos o diabo”. Fizeram. Não pode se queixar de agora estar indo para o inferno.
Não apenas tinha conhecimento do dinheiro “contaminado” (expressão de Marcelo Odebrecht), como negociou diretamente com ele o repasse das propinas extorquidas da Petrobras, indicando sucessivamente seus intermediários para embolsá-las: Antonio Palocci e, depois, o então ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Palocci já está preso, embora não por esse delito específico, que agravará seu contencioso penal. Mantega foi preso e depois solto, mas deve retornar em breve ao xadrez.
O delito não se resume ao dinheiro contaminado na origem, num total de R$ 150 milhões, mas também (e sobretudo) ao que remunerava: a medida provisória 470, editada em 2009, ainda na vigência do governo Lula, garantindo benefícios à Brasken, empresa do grupo Odebrecht, relativos ao crédito prêmio de IPI e IPI Zero. O texto da MP foi elaborado pela área jurídica da própria Odebrecht.
O pagamento pelo benefício ficou acertado para a campanha de 2014, a Dilma e sua equipe. Segundo as planilhas da Odebrecht, desse total, Lula teria embolsado R$ 23 milhões e Palocci R$ 8 milhões. Odebrecht confirmou também ter dado R$ 10 milhões ao então presidente do PMDB e candidato a vice, Michel Temer, que confirma a doação, mas alega ter sido legítima e registrada no TSE.
A defesa de Temer se empenha em separar as contas de campanha, dispondo-se a comprovar a diversidade de métodos e fontes. Ainda que o consiga, talvez não seja suficiente.
A jurisprudência, que já cassou chapas de governadores e prefeitos em situações análogas, é a de considerar as campanhas de presidente e vice como uma coisa só.
O impacto dessas revelações, cuja novidade está apenas no fato de agora estarem oficializadas, será potencializado com a divulgação das delações premiadas dos 77 executivos da mesma Odebrecht, prometida para já pelo procurador-geral Rodrigo Janot.
Pelo que já vazou, vem aí uma descarga de nitroglicerina, sem precedentes, que pegará meio Congresso, incluindo seus presidentes, Rodrigo Maia (Câmara) e Eunício Oliveira (Senado), além de seus maiores figurões. Temer é também citado, assim como seu chefe da Casa Civil, Elizeu Padilha, alvo recente de acusação de recebimento de propina de R$ 4 milhões, feita por um ex-colaborador da Presidência e amigo íntimo de Temer, o advogado José Yunes.
Dentro do imponderável que governa o país, não se exclui a hipótese de cassação do mandato do presidente da república e da impossibilidade de sua linha sucessória parlamentar sucedê-lo, o que remeteria a transição à presidente do STF, Carmem Lúcia.
Ela teria de convocar eleições em 60 dias, por via indireta, pelo Congresso, cuja metade (ou quase isso) estará sob graves acusações de corrupção. Nessa hipótese, não se sabe o que fazer, nem mesmo como estará o país. Tudo é possível, menos nada.
Em contraste, a área econômica tem obtido bons resultados, ameaçados, no entanto, pelo terremoto na política. A percepção desses ganhos pelo público não é imediata e corre o risco de não se consumar antes mesmo de ser percebida. Em tal contexto, as chances de reformas polêmicas como a trabalhista e a previdenciária se reduzem significativamente. A república está contaminada.