Justiça boa é Justiça justa
Themis, a deusa-guardiã dos juramentos dos homens e da lei. Estátua em mármore, 300 aC. (Foto: Museu Arqueológico Nacional de Atenas)
Tema polêmico, que divide o mundo jurídico, a prisão de réus condenados em segunda instância antes de esgotados os recursos nos tribunais superiores foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na noite da última quinta-feira. Passa, portanto, a valer para todos os tipos de processo em todo o país. A decisão mexe profundamente com o Judiciário: dá mais poder e responsabilidade aos tribunais de Justiça e aos tribunais federais regionais, mina a indústria de recursos e, consequentemente, confere maior celeridade à Justiça.
O cumprimento da pena após a condenação em segundo grau já tinha sido aprovado pelo Supremo. Em fevereiro, em uma votação de recurso sobre um roubo – a mesma que foi reafirmada agora –, e no início de outubro, quando foram julgadas ações movidas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo Partido Ecológico Nacional (PEN), ambas questionando a legalidade da prisão antes da conclusão de todas as fases recursais de um processo.
Os placares sempre apertados, 6 a 5 em fevereiro e outubro e 6 a 4 agora, escancaram o tamanho da encrenca. E com idas e vindas. Nas duas primeiras votações, os ministros Edson Fachin, Luís Alberto Barroso, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Cármen Lúcia foram favoráveis à tese de cumprimento da pena após a deliberação da segunda instância. Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Rosa Weber foram votos vencidos. Desta vez, Cármen Lúcia, presidente da Corte, não votou. Rosa Weber também não. E Toffoli mudou de lado.
Perto do que preconizava o ex-presidente do STF, Cezar Peluso, a saída aprovada pelo Supremo é levíssima. Sua proposta era radical: mudar a Constituição e estabelecer que todos os processos terminassem depois de julgados pelos tribunais de Justiça ou pelos tribunais regionais federais, com imediato cumprimento das penas. Os recursos ao STJ e ao STF serviriam apenas para tentar anular a decisão.
Encabeçados pela OAB, os críticos mais ferozes da tese que prevaleceu no Supremo apoiam-se na garantia constitucional de inocência até que uma ação tenha percorrido todos os caminhos possíveis, o que no Brasil chega à jabuticaba perfeita: o único país do mundo com quatro instâncias, três delas recursais. Apontam ainda a hipótese de erros cometidos nas instâncias inferiores, quase que questionando a capacidade dos juízes de primeiro grau e dos tribunais. No fundo, sabem que estão perdendo a possibilidade de procrastinar.
Embora velocidade não seja critério de qualidade, a excessiva morosidade – processos que se arrastam por décadas – beneficia o réu e pune a vítima.
Depois de dar entrada em um fórum local onde ficará por alguns meses ou anos, um processo segue para os tribunais de Justiça ou para tribunais regionais federais, dependendo do tipo de ação. Neles, de forma otimista, tramitam por outros dois ou três anos.
No STJ e depois no STF, um recurso leva em média cinco anos para ser julgado em cada uma das casas, sem contabilizar os agravos possíveis no Supremo. Alguns processos superam 10 anos, outros expiram, simplesmente prescrevem.
Ainda que a percepção popular aponte no sentido contrário, os processos mais céleres no Supremo envolvem políticos com fórum privilegiado, que levam de dois a três anos para ser apreciados. Isso depois da formalização da denúncia, essa, sim, não raro muitíssimo lenta. O presidente do Senado, Renan Calheiros, alvo de 12 inquéritos, que o diga.
Para procuradores e advogados de vítimas, a mudança definida pelo Supremo é mais do que bem-vinda, é determinante. Sem ela, as condenações e penas impostas pela Lava Jato correriam risco, milhares de culpados continuariam recorrendo em liberdade. Sem ela, bandidos continuariam a usar a Justiça para encobrir seus delitos. Com ela, a Justiça, que nem sempre consegue ser tão justa, aumenta a chance de fazer Justiça.