No país da insegurança
O colapso da segurança pública é o mais trágico retrato da crise social, moral e política brasileira.
Não é obra de nenhum governo em particular, mas um legado de negligência de cada um dos que se sucederam desde o advento da assim chamada Nova República, a partir dos anos 80.
Ao longo da Era PT, o quadro agravou-se. Em 13 anos e meio de reinado, buscou-se ideologizar o fenômeno, sustentando-se que o crime deriva da injustiça social (e a Lava Jato está aí para mostrar que não). Em decorrência, investiu-se no abrandamento da legislação penal, estimulando-se a impunidade e a expansão do crime.
O resultado mede-se em números. A criminalidade mata por ano no Brasil mais gente que a guerra civil da Síria. São cerca de 60 mil pessoas – uma média de sete homicídios por hora -, estatística que se repete há mais de uma década. E é precária: registra apenas as mortes ocorridas no local dos crimes, excluindo as posteriores e os casos que provocam invalidez ou sequelas psicológicas irreversíveis.
Na Síria, de março de 2011 (início dos combates) a julho de 2015 – quatro anos -, a guerra, segundo levantamento do Observatório Sírio para Direitos Humanos, matou 71.781 civis.
Nesse período, no Brasil, foram assassinadas cerca de 240 mil pessoas, o mesmo número total de mortos, civis e combatentes, no mesmo período na Síria, segundo o mesmo Observatório, uma ONG conceituada, com sede em Londres.
Os homens representam 94,4% das vítimas, jovens em sua esmagadora maioria, de 15 a 29 anos. Há estudos isolados a respeito, destacando-se o Mapa da Violência, produzido pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).
Mas o tema, do ponto de vista político-institucional, jamais constou das prioridades de nenhum dos governos que testemunharam (e permitiram) o descontrole desse quadro.
Há abordagens eventuais, diante de algum caso mais escabroso, como agora, nas matanças desta semana nos presídios de Manaus e Boa Vista, frutos dos já rotineiros conflitos entre facções do crime organizado, Comando Vermelho e PCC.
A simples existência dessas organizações, sem que se mapeiem suas articulações internas e externas, como obtiveram o poder que exercem nos presídios, já configura uma espantosa anomalia.
Passado o impacto, o tema sai de cena, como se não fizesse parte dos dramas nacionais crônicos, como se não tivesse uma dimensão política de enorme envergadura. Não se estuda – não no âmbito institucional – o fenômeno social que representa.
Fala-se em planos nacionais de segurança pública, mas de maneira reativa, para acalmar a opinião pública, como o fez esta semana o ministro da Justiça, Alexandre Moraes. Ninguém crê na eficácia desses planos, nem quem os difunde – e não porque sejam fracos, mas porque dependem menos de sua consistência técnica e mais da determinação política em fazê-los valer.
A ideologização do crime impôs uma inversão de papéis: a criminalização da polícia e a vitimização dos bandidos. Daí a gradual e sistemática promoção de leis que, a pretexto de defender direitos humanos, atenuam penas e intimidam ações repressivas.
Não há dúvida, no entanto, de que a insegurança decorrente da criminalidade é hoje a principal calamidade pública no país. Atribuí-la à questão econômica é uma forma escapista de empurrá-la com a barriga ou de torná-la mote eleitoral ou mantra revolucionário. Até aqui, só fez intensificar o problema, sem dar pistas de solução.
O país sempre padeceu de desigualdade social e vivenciou inúmeras crises econômicas, sem que isso derivasse para a guerra civil. Para que se tenha uma ideia da evolução vertiginosa dos números, em 1980, registraram-se 6.104 homicídios.
Já havia crise, já havia desigualdade, que, inclusive, segundo a propaganda petista, teria diminuído consideravelmente, nestes mais de 13 anos em que as estatísticas de criminalidade só fizeram aumentar. Como então chegamos aos cerca de 60 mil de hoje?
O país ainda aguarda um estudo sério a respeito, no Parlamento e na Academia. Há pistas: expansão do narcotráfico, contrabando maciço de armas pesadas, vitimização do bandido etc.
Mas não se fez ainda um levantamento do conjunto de medidas legais que, nesse período, atenuaram as infrações e inibiram o seu combate. Uma delas, bem recente: a audiência de custódia, instituída pelo Conselho Nacional de Justiça, sob o comando do então presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, que considera esta a medida com que quer ser lembrado no seu período no cargo.
Talvez seja atendido, mas não do modo como imagina. Essa audiência estipula prazo máximo de 24 horas para que um preso em flagrante seja levado diante de um juiz.
O objetivo, além de reduzir a superlotação dos presídios (como se essa fosse a causa e não a consequência), é verificar se os direitos humanos do preso estão sendo respeitados.
Só que, em 24 horas, não é possível averiguar se o detido é um criminoso avulso ou integra o crime organizado. Daí a recorrência de criminosos com extenso prontuário circulando livremente pelas ruas do país, no pleno exercício de seu (digamos assim) ofício.
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