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segunda-feira, 11 de maio de 2015

Jabor deve substituir Abujamra na TV Cultura... // portal Imprensa.


Arnaldo Jabor pode comandar novo talk show que substituirá "Provocações" na TV Cultura

Redação Portal IMPRENSA 11/05/2015 10:00


O jornalista e cineasta Arnaldo Jabor é cotado para comandar um novo programa na TV Cultura. A atração será um talk show que ocupará o espaço de "Provocações", apresentado por Antônio Abujamra, que morreu no último dia 28 de abril. 

Crédito:Divulgação
Jornalista pode substituir horário que era de Antônio Abujamra

De acordo com a Folha de S.Paulo, a ideia é colocá-lo no ar também às terças-feiras. Abujamra estava à frente da atração desde 2000. O corpo dele foi encontrado pelo filho, o músico André Abujamra, na casa onde ele morava, em São Paulo (SP).

Jabor, que também é cineasta, dramaturgo e escritor, atua como comentarista na rádio CBN e em telejornais da Globo, além de publicar semanalmente n'O Globo. No início de abril, ele deixou de publicar sua coluna no jornal O Estado de S. Paulo depois de 14 anos. 

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sexta-feira, 17 de abril de 2015

"Estadão" demite 125 profissionais entre eles Arnaldo Jabor

Após onda de demissões, "Estadão" anuncia fim da coluna de Arnaldo Jabor

Redação Portal IMPRENSA 14/04/2015 14:30
Nesta terça-feira (14/4), o jornal O Estado de S. Paulo utilizou um simples parágrafo na última página do "Caderno 2" para anunciar que a coluna de Arnaldo Jabor deixará de ser publicada no jornal. "Arnaldo Jabor. A partir de hoje, a coluna deixa de ser publicada".

Crédito:Divulgação
Arnaldo Jabor deixa de publicar colunas no "Estadão"
O cineasta mantinha coluna no Estadão há 14 anos. Sua estreia aconteceu em 10 de julho de 2001, logo após não ter contrato renovado a concorrente Folha de S.Paulo. No anúncio, o jornal prometia: "polemista nato, Jabor promete incendiar as páginas do "Caderno 2" com suas inflamadas opiniões sobre política".

No período em que atuou no jornal, o cineasta e jornalista chegou a ser escolhido em 2008 como o colunista mais popular na pesquisa realizada pelo Barômetro de Imprensa/FSB.

O fim da coluna de Jabor ocorre logo após recente a onda de demissões em massa no Estadão, que gerou a saída de 125 profissionais, entre eles 40 jornalistas.

Arnaldo Jabor falando de otimismo apesar de tudo que acontece no Brasil / CBN / 17/04/2015





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Copie o frame para ouvir Arnaldo Jabor  falando que devemos ter otimismo

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Uma quantidade grande de felicidade obrigatória e uma pequena porção de insatisfação com a realidade / Felicidade é um produto ?

A alegria é um produto de mercado

22 de fevereiro de 2011 | 0h 00

Arnaldo Jabor - O Estado de S.Paulo
Está chegando o carnaval. Antigamente o carnaval vinha aos poucos, com as cigarras e o imenso verão, com as marchinhas de rádio que aprendíamos a cantar. Hoje, o carnaval se anuncia como um prenúncio de calamidade pública, uma "selva de epiléticos", com massas se esmagando para provar nossa felicidade. A alegria natural do brasileiro foi transformada em produto.
Hoje em dia é proibido sofrer. Temos de "funcionar", temos de rir, de gozar, de ser belos, magros, chiques, tesudos, em suma, temos de ter "qualidade total", como os produtos. Para isso, há o Prozac, o Viagra, os "uppers", os "downers", senão nos encostam como mercadorias depreciadas.
O bode pós-moderno vem da insatisfação de estar aquém da felicidade prometida pela propaganda. É impossível ser feliz como nos anúncios de margarina, é impossível ser sexy como nos comerciais de cerveja. Ninguém quer ser "sujeito", com limites, angústias; homens e mulheres querem ser mercadorias sedutoras, como BMWs, Ninjas Kawasaki. E aí, toma choque, toma pílula, toma tarja preta. Só nos resta essa felicidade vagabunda fetichizada em êxtases volúveis, famas de 15 minutos, "fast fucks", "raves" sem rumo.
A infelicidade de hoje é dissimulada pela alegria obrigatória. "A depressão não é comercial", lamentou um costureiro gay à beira do suicídio, mas que tinha de sorrir sempre, para não perder a freguesia.
O mercado nos satisfaz com rapidez sinistra: a voracidade, a tesão, o amor. E pensamos: Eu posso escolher o filme ou música que quiser, mas, nessa aparente liberdade, "quem" me pergunta o que eu quero? A interatividade é uma falsificação da liberdade, pois ignora meu direito de nada querer. Eu não quero nada. Não quero comprar nada, não quero saber nada, quero ficar deprimido em paz.
Acho que a depressão tem grande importância para a sabedoria; sem algum desencanto com a vida, sem um ceticismo crítico, ninguém chega a uma reflexão decente. O bobo alegre não filosofa pois, mesmo para louvar a alegria, é preciso incluir o gosto da tragédia. No pós-guerra, tivemos o existencialismo, a literatura com gênios como Beckett e Camus ou o teatro do absurdo, o homem entre o sim e o não, entre a vida e o nada.
Estava neste ponto do artigo, quando me chegou às mãos um artigo chamado Elogio da Melancolia, de Eric G. Wilson, da Universidade de Wake Forest. Veio a calhar. Com destreza acadêmica, ele aprofunda meus conceitos. Ele escreve:
"Estamos aniquilando a melancolia. Inventaram a ciência da felicidade. Livros de autoajuda, pílulas da alegria, tudo cria um "admirável mundo novo" sem bodes, felicidade sem penas. Isto é perigoso, pois anula uma parte essencial da vida: a tristeza."
Ele continua:
"Não sou contra a alegria em geral, claro... Nem romantizo a depressão clínica, que exige tratamento. Mas, sinto que somos inebriados pela moda americana de felicidade. Podemos crer que estamos levando ótimas vidas livres, quando nos comportamos artificialmente como robôs, caindo no conto dos desgastados comportamentos "felizes", nas convenções do contentamento. Enganados, perdemos o espantoso mistério do cosmo, sua treva luminosa, sua terrível beleza. O sonho americano de felicidade pode ser um pesadelo. O poeta John Keats morreu tuberculoso, em meio a brutais tragédias, mas nunca denunciou a vida. Transformou a desgraça em uma fonte vital de beleza. As coisas são belas, porque morrem - ele clamava. A rosa de porcelana não é tão bela como aquela que desmaia e fenece."
Li também num texto de Adauto Novaes uma citação de Paul Valéry: "O que seria de nós sem o socorro do que não existe? Se uma sociedade elimina tudo que é vago ou irracional para entregar-se ao mensurável e ao verificável, ela poderia sobreviver? (...) tudo o que sabemos e tudo que podemos hoje acabou por opor-se ao que somos. A ordem exige a ação de presença de coisas ausentes".
Ou seja - digo eu -, o que seria de nós sem as coisas vagas com que podemos sonhar?
A resposta a isso eu encontrei num texto de Vargas Llosa publicado no El País: "Palavras como "espírito, ideais, prazer, amor, solidariedade, arte, criação, alma, transcendência" significam ainda alguma coisa? (...) Antes, a razão de ser da cultura era dar resposta a esse tipo de perguntas, porém o que hoje entendemos por cultura está esvaziada por completo de semelhante responsabilidade. Hoje o que chamamos de cultura é um mecanismo que nos permite ignorar assuntos problemáticos; é uma forma de diversão ligeira para o grande público esquecer-se do que é sério, como uma fileira de cocaína ou férias de irrealidade."
Aliás, este é o grande sonho do mercado: a satisfação completa do freguês. No entanto, a melancolia, a consciência do tempo finito é o lugar de onde se contempla a beleza. Há uma conexão entre tristeza, beleza e morte. Só o melancólico cria a arte e pode celebrar a experiência do transitório resplendor da vida. A melancolia, longe de ser uma doença, é quase um convite milagroso para transcender a banalidade cotidiana e imaginar inéditas possibilidades de existência. Sem a melancolia, a terra congelaria num estado fixo. Mas se permitimos que a melancolia floresça no coração, o universo, antes inanimado, ganha vida, subitamente. Regras finitas dissolvem-se diante de infinitas possibilidades. Mas, por que não aceitamos isso? Por que continuamos a desejar o inferno da satisfação total, a felicidade plena?
Por medo. Escondemo-nos atrás de sorrisos tensos porque temos medo de encarar a complexidade do mundo, seu mistério impreciso, suas terríveis belezas. Usamos uma máscara falsa, um disfarce para nos proteger deste abismo da existência. Mas, este abismo é nossa salvação. A aceitação do incompleto é um chamado à vida. A fragmentação é liberdade. É isso aí, bichos - como se dizia em tempos analógicos. 

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sábado, 17 de maio de 2014

"As locomotivas estavam prontas para partir, mas alguém torceu uma das alavancas e elas se foram na direção oposta" (Oswald de Andrade)

Arnaldo Jabor
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O Brasil está com ódio de si mesmo

06 de maio de 2014 | 2h 07
Arnaldo Jabor - O Estado de S.Paulo
O Brasil está irreconhecível. Nunca pensei que a incompetência casada com o delírio ideológico promoveria este caos. Há uma mutação histórica em andamento. Não é uma fase transitória; nos últimos 12 anos, os donos do poder estão a criar um sinistro "espírito do tempo" que talvez seja irreversível. A velha "esquerda" sempre foi um sarapatel de populismo, getulismo tardio, leninismo de galinheiro e agora um desenvolvimentismo fora de época. A velha "direita", o atraso feudal de nossos patrimonialistas, sempre loteou o Estado pelos interesses oligárquicos.
A chegada do PT ao governo reuniu em frente única os dois desvios: a aliança das oligarquias com o patrimonialismo do Estado petista. Foi o pior cenário para o retrocesso a que assistimos.
Antes dessa terrível dualidade secular, a mudança de agenda do governo FHC por sorte criou um pensamento mais "presentista", começando com o fim da inflação, com a ideia de que a administração pública é mais importante que utopias, de que as reformas do Estado eram fundamentais. Medidas simples, óbvias, indutivas, tentaram nos tirar da eterna "anestesia sem cirurgia". Foi o Plano Real que tirou 28 milhões de pessoas da pobreza e não este refrão mentiroso que os petistas repetem sobre o Bolsa Família ou sobre o PAC imaginário.
Foi um período renegado pelo PT como "neoliberal" ou besteiras assim, mas deixou, para nossa sorte, algumas migalhas progressistas.
Tudo foi ignorado e substituído pelo pensamento voluntarista de que "sujeitos da história" fariam uma remodelagem da realidade, de modo a fazê-la caber em suas premissas ideológicas. Aí começou o desastre que me lembra a metáfora de Oswald de Andrade, de que "as locomotivas estavam prontas para partir, mas alguém torceu uma alavanca e elas partiram na direção oposta".
Isso causa não apenas o caos administrativo com a infraestrutura morta, como também está provocando uma mutação na psicologia e no comportamento das pessoas. O Brasil está sendo desfigurado dentro de nossas cabeças, o imaginário nacional está se deformando.
Há uma grande neurose no ar. E isso nos alarma como a profecia de Lévi-Strauss de "que chegaríamos à barbárie sem conhecer a civilização". Cenas como os 30 cadáveres ao sol no pátio do necrotério de Natal, onde os corpos são cortados com peixeiras, fazem nossa pele mais dura e o coração mais frio. Defeitos e doçuras do povo, que eram nossa marca, estão dando lugar a sentimentos inesperados, dores nunca antes sentidas. Quais são os sintomas mais visíveis desse trauma histórico?
Por exemplo, o conceito de solidariedade natural, quase 'instintiva', está acabando. Já há uma grande violência do povo contra si mesmo.
Garotos decapitam outros numa prisão, ônibus são queimados por nada, com os passageiros dentro, meninas em fogo, presos massacrados, crianças assassinadas por pais e mães, uma revolta sem rumo, um rancor geral contra tudo. O Brasil está com ódio de si mesmo. Cria-se um desespero de autodestruição e o País começa a se atacar.
Outro nítido efeito na cabeça das pessoas é o fatalismo: "É assim mesmo, não tem jeito não". O fatalismo é a aceitação da desgraça. E vêm a desesperança e a tristeza. O Brasil está triste e envergonhado.
Outro sintoma claro é que as instituições democráticas estão sem força, se desmoralizando, já que o próprio governo as desrespeita. Essa fragilização da democracia traz de volta um desejo de autoritarismo na base do "tem de botar para quebrar!". Já vi muito chofer de táxi com saudades da ditadura.
A influência do petismo também recriou a cultura do maniqueísmo: o mal está sempre no outro. Alguém é culpado disso tudo, ou seja, a 'media conservadora' e a oposição.
A ausência de uma política contra a violência e a ligação de muitos políticos com o tráfico estimula a organização do crime, que comanda as cadeias e já demonstra uma busca explícita do horror. A crueldade é uma nova arte incorporada em nossas cabeças, por tudo que vemos no dia a dia dos jornais e TV. Ninguém mata mais sem tortura. O horror está ficando aceitável, potável.
O desgoverno, os crimes sem solução, a corrupção escancarada deixam de ser desvios da norma e vão criando uma nova cultura: a cultura da marginalidade, a "normalização" do crime.
Uma grande surpresa foi a condenação da Copa. Logo por nós, brasileiros boleiros. Recusaram o 'pão e circo' que Dilma/Lula bolaram, gastando mais de 30 bilhões em estádios para "impressionar os imperialistas" e bajular as massas. Pelo menos isso foi um aumento da consciência política.
Artistas e intelectuais não sabem o que pensar - como refletir sem uma ponta de esperança? Temos aí a "contemporaneidade" pessimista.
Cria-se uma indiferença progressiva e vontade de fuga. Nunca vi tanta gente falando em deixar o País e ir morar fora. As mutações mentais são visíveis: nos rostos tristes nos ônibus abarrotados, na rápida cachaça às 6 da manha dos operários antes de enfrentar mais um dia de inferno, nos feios, nos obesos, no desânimo das pessoas nas ruas, no pessimismo como único assunto em mesas de bar.
Vimos em junho passado manifestações bacanas, mas sem rumo; contra o quê? Um mal-estar generalizado e sem clareza, logo escrachado pelos black blocs, a prova estúpida de nosso infantilismo político.
É difícil botar a pasta de dente para dentro do tubo. Há uma retroalimentação da esculhambação generalizada que vai destruindo as formas de combatê-la. Tecnicamente, não estamos equipados para resolver as deformações que se acumulam como enchentes, como um rio sem foz.
E o pior é que, por trás da cultura do crime e da corrupção, consolida-se a cultura da mentira, do bolivarianismo, da preguiça incompetente e da irresponsabilidade pública.
O Brasil está sofrendo uma mutação gravíssima e nossas cabeças também. É preciso tirar do poder esses caras que se julgam os "sujeitos da história". Até que são mesmo, só que de uma história suja e calamitosa.

sexta-feira, 7 de março de 2014

"Somos um país sob anestesia, mas sem cirurgia"...

Arnaldo Jabor
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Ano novo, vida nova?

14 de janeiro de 2014 | 2h 06

Arnaldo Jabor - O Estado de S.Paulo
Vivemos um momento histórico em que tudo parece desabar, o que pode nos levar ao chamado "delírio de ruína", como chamam os psiquiatras. No entanto, 2013 foi um ano didático e creio que as deficiências seculares de nossa formação estão vindo à tona. Assim, estamos evoluindo de costas, aprendendo com os horrores. Dos porões do atraso já surgem luzes, em nossa 'jornada de imbecis até o entendimento'. Isso. O título de uma peça de Plínio Marcos serve bem para descrever o caminho que trilhamos em 2013. Temos razões até para um desconfiado otimismo. Qual será a lista de nossas esperanças?
Por exemplo, finalmente a família Sarney está servindo para alguma coisa: o horror do Estado (que possuem há 50 anos) está vindo a furo, como um tumor. O povo do Maranhão está menos iludido em sua desgraça. A prisão dos mensaleiros já tinha alertado sobre o estado de nossas penitenciárias. O medo máximo dos 'dirceus' era cair perto da 'boca do boi', nas celas que matam milhares de desespero e de faca, estilete, decapitação.
Em seguida, estourou Pedrinhas, abrindo finalmente as cortinas de gente intocável, aliada com sua 'cordialidade' criminosa. Sarney sumiu e Dilma também, pois não pode perder o aliado para a reeleição. Mas, já sabemos mais sobre isso. Didático: Sarney pauta a Dilma. Será que ela vai ficar ofendida?
Aprendemos que detalhes explicam muito. Já sabemos que os cardápios de Roseana e Cid Gomes são parecidos. Cid gosta de escargot, caviar, salmão e outras iguarias, custando 3 milhões para o Ceará; Roseana já prefere grandes quantidades: 850 quilos de filé 'mignon', duas toneladas e meia de camarão, 200 quilos de salmão e 80 de lagostas. Dois menus que são uma aula de ciência política brasileira.
Já aprendemos que, além de 'esquerda' e 'direita', temos de pensar na qualidade da vida e do interesse público. Como dizia Marco Aurélio (não o Garcia nem o de Mello, claro, mas o imperador): "O que é bom para a abelha tem de ser bom para a colmeia".
Muitos já entendem que o Estado não é a 'solução', mas é o 'problema'. Já sabem que um Estado gigante suga como um vampiro a sociedade e não devolve em serviços e reformas o que nós emprestamos a ele. Já sabemos que a sociedade acordou, apesar de amedrontada pelos fascistas dos black blocs, como vimos em junho de 2013.
Entrou em nosso entendimento (ao menos para os que sabem ler e não são o 'estrume' das oligarquias) que a corrupção não é um pecado moral, mas uma forma de governo. Já aprendemos que não há um contrato sem aditamento superfaturado, já sabemos que ladrões e bolcheviques se unem por um mesmo fim: pilhar o Estado, em nome de uma ideologia oportunista.
Alguns (ou muitos?) intelectuais com má consciência já devem ter entendido que substituir o possível pelo imaginário, o presente por um 'futuro', o singular pelo geral destroem a administração da vida real. Somos um país sob anestesia, mas sem cirurgia, como dizia Simonsen.
Hoje, temos de aceitar a impossibilidade de uma harmonia final. Não há solução -, mas, 'processo'. Nunca teremos um país perfeito, resolvido, nunca chegaremos "lá". Devemos abandonar uma política "central, geral, total", como nos planos quinquenais da URSS ou nos "saltos para a frente" da China de Mao. Somente uma política econômica indutiva, imaginosa, descentrada e pragmática pode ir formando um tecido de parcialidades que acabem por mudar o conjunto.
Ao menos estamos mais no presente. A importância da internet, dos celulares, a interdependência com o vasto planeta nos livrou um pouco da alma de tupiniquim, de vira-latas paranoicos.
Já começamos também a entender a diferença entre causas e consequências. Miséria é consequência. A injustiça é endêmica e de tal modo paralisante que inviabilizou até agora uma real 'luta de classes'. Os excluídos já nasceram derrotados "desde Cabral".
Como dizem as avós: "Há males que vêm para o bem" - a ditadura nos trouxe a "fome de democracia"; a piração oligárquica e corrupta de Collor nos trouxe uma "fome de República", de modernização do País. O julgamento do STF e a dificuldade de sua realização durante oito anos nos mostrou a evidência de que o Judiciário tem de ser reformado urgentemente.
A falência fiscal do Estado nos deu uma espécie de "orfandade" diante do gigante quebrado, mas criou mais autonomia nos empreendedores.
Deixou claro que o Estado tem de existir para a sociedade e não o contrário, como ainda é hoje.
Aprendemos que a tal "mão invisível do mercado" pode nos dar bananas, claro. No entanto, o conceito de "mercado" dinamiza a autorregulação da vida social e econômica do País, sim. Mercado é um termômetro, um sensor dos desejos sociais, mercado relativiza certezas burras e poderes autoritários. Talvez já tenhamos aprendido que a culpa de nosso atraso não é de imperialistas e canalhas de fora. Mudar o País tem de ser uma luta contra os canalhas de dentro. Não precisamos de invasores e inimigos, com esta multidão de saúvas que nos corroem.
Infelizmente, muita gente hoje ainda acredita que um governo de estatizações e tardio desenvolvimentismo, governo que ainda trabalha em cima de categorias velhas como 'democracia burguesa', 'moralidade pequeno-burguesa', 'patrimônio nacional' e o novo sujo "bolivarianismo" esteja no caminho certo. Não conseguem aceitar o óbvio: o Brasil estava preparado pelo Plano Real e o governo de FHC para decolar. Veio o Lula e jogou tudo para trás, aliado principal de Sarney e até do Severino, lembram? Ele levava macarrão como propina no restaurante do Congresso. A continuar assim (se a Dilma vencer), teremos uma brutal recessão em 2014/15, e o aparelhamento descarado do Estado talvez impeça um retorno à racionalidade perdida. Aí, 2014 será um "ano interessante", como dizem os chineses: um ano de desgraças, erros crassos e teimosia burra.
E estará provada a maldição, a famosa praga chinesa: "Tomara que você viva em tempos interessantes". Só nos resta desejar ano novo, vida nova.
Mas, que vida?

terça-feira, 26 de novembro de 2013

"Vida para além das paredes de meu quarto...." / Arnaldo Jabor

ARNALDO JABOR
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A verdadeira vida

26 de novembro de 2013 | 2h 16

ARNALDO JABOR - O Estado de S.Paulo
A primeira vez que eu vi Rimbaud, senti que havia uma outra vida para além das paredes cinzentas de meu quarto. Eu com 17 anos de idade, sem amor nem sexo, não li Rimbaud apenas; eu o vi, diante de mim, "como um gracioso filho de Pan - em torno de sua fronte coroada de flores, seus olhos, duas órbitas preciosas, giravam. Seu peito parecia uma cítara e acordes ressoavam em seus braços louros e seu coração batia em seu ventre onde dormia um sexo duplo". Nesse dia, vi que ele morava em outra vida, "la vraie vie" ( a verdadeira vida), como ele a chamava.
Não havia internet naquele tempo e a literatura era tudo; a poesia era a promessa de outra realidade, impalpável. Li depois, em Artaud, uma profunda definição de arte: "A arte não é a imitação da vida; a vida é que é a imitação de alguma coisa transcendental com que a arte nos põe em contato". Se é que arte tem definição, entendi que aquele era o campo de Rimbaud quando li seus poemas com o coração disparado. "Eu a reencontrei. O quê? A eternidade. É o mar alado partindo com o sol." Minha vida mudou. Rimbaud abria a consciência como uma droga. Anos mais tarde, tomei LSD e vi que a experiência de Rimbaud era lisérgica. Jim Morrison, Kurt Cobain eram Rimbaud.
Eu vivia em vertigem. Não sabia o que queria, mas não queria a vida de meus pais, escurecida por uma infelicidade que não percebiam. Minhas conversas com meu amigo "Broca" beiravam a loucura. Delirávamos a beira-mar, nos paredões da Urca, nas noite daquele tempo. Onde andará Broca, o gênio que gritava para as pedras, onde fervilhavam caranguejos e guaiamuns: "Oisive jeunesse à tout asservie, par delicatesse j'ai perdu ma vie!" E eu contracantava: "Temos de ser absolutamente modernos!". E os guaiamuns agitavam as antenas espantados.
"Temos de conseguir o desregramento de todos os sentidos", nos ensinava Rimbaud, com sua cara de linda bicha louca, no quadro de Fantin-Latour. Partimos então para os prostíbulos - nossa ideia de desregrar sentidos. Não havia drogas ainda, nem uma reles maconha ao alcance de burguesinhos como nós. Enchíamos a cara de Cuba Libre (Coca-cola com rum) e íamos para os bordéis, que pareciam salas de visitas de classe media, com "meninas" sentadas em volta, discretas, num silencio de velório, e indo conosco para a cama emburradas como para um sacrifício - homenagem à virtude perdida. As prostitutas tinham uma aura de transgressão, de loucura de que nos orgulhávamos, os dois corajosos lutadores contra a caretice. Naquele tempo a verdade era inatingível.
Hoje, a "verdade" se proclama visível. O Google tem todos os sentimentos catalogados, mas falta-nos sentir o gosto de alguma coisa vaga que nunca se atinge. Qual seria a emoção de um "gamer" ao ler: "Enquanto os fundos públicos são desperdiçados em caridade, um sino de fogo róseo soa entre as nuvens"? O jovem teria um tédio infinito. Ninguém quer atingir mais nada. Está tudo aí, classificado.
A realidade era nosso delírio. Olhávamos com desprezo os comuns ou então elevávamos os mais vulgares vagabundos à condição de seres tocados por uma aura imerecida. Até que um dia o Broca se apaixonou. Se enamorou de uma colegial sóbria e virgem, claro. Todas eram virgens. Começou a rarear seu amor ao "desregramento"; ia de mãos dadas ao cinema e já olhava com uma ponta de desdém a minha "maldição". Eu o desprezei naquele namoro, muito mais para Lamartine que para nosso deus maldito. Mas aquele amor me tocou. "Minha vida era um festim aberto a todos os corações", murmurava.
Um dia, chegou a minha vez. Não sei como fui capturado pelas duas Terezinhas. Uma era magrela e feiosa e a outra era gorda. Sei que moravam juntas e tinham amantes, mas não eram prostitutas não. Preferi a Terezinha gorda, rosto bonito, muito gorda, mas dividida por uma cintura finíssima e formas sólidas. Deitado em seu corpo nu, parecia estar em um colchão macio, farto, onde me aconchegava como num grande berço protetor. Eu sentia que ela estava encantada com aquele garoto extasiado. Ela tinha algo de vaca e de mãe.
Só pensava nela. Saía do colégio de uniforme, corria para seu apartamento conjugado no Lido e me jogava em seus braços, com um fervor que aos poucos foi entediando Terezinha gorda - percebi eu, algumas vezes, durante meus delírios poéticos. "Por vezes vejo no céu praias infinitas cobertas por brancas nações em júbilo", frases do "além", segundo ela, que era espírita, médium e também funcionária publica que - dizia triste - tinha de contar com a ajuda de um senhor que era seu chefe de seção. Mesmo assim, eu via em Terezinha uma Vênus primitiva, com ancas fecundas, os seios escapando do sutiã negro, com uma luz de grandeza inatingível e misteriosa. No entanto, ela estava diferente, eu via, e já forjava uma admiração por meu "gênio", traída por um desinteresse crescente.
Até que um dia ela disse que não dava mais para eu vir ali, que seu protetor estava voltando de viagem e que eu tinha de arranjar uma moça da minha idade. Ficou com o rosto impassível mesmo quando comecei a chorar, sentindo-me um poeta abandonado, pois "quando se tem fome e sede, alguém nos expulsa!". Foi quando a outra Terezinha, a feia, gritou da janela: "Ih, o Peçanha está chegando" - e saiu correndo porta afora. A gorda amada me empurrou para o hall, coberto de lágrimas, no momento exato em que um sujeito forte e careca cruzou por mim na escada e meteu o pé na porta, dando para ouvir seu berro de "quem é esse merdinha aí?". Eu descia correndo, mas voltei ao ouvir uns gritos lá dentro, olhei pelo olho mágico e vi, como numa luneta convexa, o sujeito arrancando a roupa de minha gorda metafísica e cobrindo-a de bofetadas, que ela recebia com as faces coradas de alegria e um fio de sangue escorrendo-lhe da boca, enquanto lambia o peito cabeludo do sujeito, também banhada em lágrimas. Ali, no olho mágico eu vi então a "la vraie vie" (a verdadeira vida) que Rimbaud deve ter visto quando Verlaine tentou matá-lo com dois tiros. Quando saí, a rua estava diferente.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

""Somos a decadência de um prognóstico de esperança..." / Ensaio sobre Proust / Arnaldo Jabor

ARNALDO JABOR
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Cem anos de Marcel Proust

19 de novembro de 2013 | 2h 12

ARNALDO JABOR - O Estado de S.Paulo
Há cem anos, saiu o primeiro livro de Tempo Perdido de Proust, comemorou outro dia o proustiano fita azul Mario Sergio Conti. Também já escrevi aqui sobre esse gênio raro e volto hoje, citando-me, apesar de "citação em boca própria ser vitupério".
Sim, eu confesso que custei a ler Proust, e até 2007 só conhecia No Caminho de Swann, como muita gente. Depois, me decidi, tranquei-me por quatro meses e não fiz outra coisa se não ler a obra completa de mais de 3 mil paginas. Quando acabei, tive vontade de começar de novo. Fechei o livro como se perdesse um amigo. Como pude viver tanto tempo sem conhecer este grande herói da solidão da arte, que nos ofertou sua própria vida, uma vida que ele viveu "fora" da vida mesma, solitário observador da malta de mundanos, quando frequentava os salões da Terceira República francesa, ainda com os ecos do Segundo Império?
Aquela sociedade era a perfeita lente de aumento sobre paixões e vaidades rasteiras em sua aparente sofisticação, ali, antes e durante a Primeira Guerra, uma sociedade oscilante entre a aristocracia decadente e a burguesia afluente, ali, no começo do antissemitismo do século 20 e das tragédias que iam culminar em Hitler e que deixou rastros até hoje. Como nós, ele viveu à beira de catástrofes anunciadas - qual serão as nossas? Ele se trancou no quarto e partiu para a epopeia de "irrelevâncias" que guardassem verdades profundas sobre a sociedade francesa (e humana). No turbilhão de acontecimentos terríveis, ele se refugiou para escrever e salvar-se pela beleza e pela arte.
Proust ilumina o momento mais fecundo do modernismo, ele, um cubista dos sentimentos, sob o mesmo vento que batia em Joyce, Picasso, Freud, Einstein, vergado sob a relatividade do espaço-tempo, sofrendo a explosão do Sentido, a irrupção do Inconsciente. Mais que Joyce (perto de Proust, ele parece um frio fazedor de trocadilhos), ele inventa a literatura moderna.
Na vida que levo, comentando a vergonha de nossa política, tive a sensação de ter lido-vivido uma coisa muito relevante, que entrevia o mistério inalcançável da existência, emoção que, em literatura, só tive com Shakespeare e com a Ilíada.
O leitor vai torcer o nariz e perguntar, irritado com meu entusiasmo: "Mas, afinal, por quê? Qual é a dele, desse tal de Proust, que dizem que era veado?".
Não quero fazer filosofia barata, mas acho que "a dele" era a seguinte: Proust encetou uma tarefa impossível - atingir o real. E a beleza dessa impossibilidade acendeu a luz irradiante da obra. Ele busca a dissecação dos sentimentos na poética, assim como Freud, na tradição cientifica. Proust fez a geometria das emoções, descrevendo amores, inveja ou medo com a nitidez de um teorema, com a limpidez de um mapa de geógrafo. Irritava-se quando diziam que ele era um microscópio dos detalhes, pois ele queria descobrir leis, regras fixas que resumissem o diagrama dos comportamentos.
Que imensa coragem a sua marginalização escolhida! Que solidão! O que fez esse homem ficar à margem da vida, vivendo-a "dentro", no sofrimento de tudo ver sobre a feliz insanidade dos homens comuns, ele, uma bicha solitária em pleno preconceito dos anos 10, ele, com uma sensibilidade que doía a cada ridículo, ele que transformou a própria anomalia em arte total, ele que escreveu uma Ilíada interior, um Homero de aparentes irrelevâncias, sem fim nem começo, indo da infância até a morte num trajeto circular e recorrente, indo da natureza que examinava em detalhes até os salões de duques e príncipes, ele que se detinha nos irisados matizes de uma corola das flores nos bosques até os tremores de cílios da vaidade, os lábios vorazes da glória mundana, a dentadura brutal do rancor, o esgar da inveja, o desespero da solidão sexual nos bordéis para masoquistas, a crueldade dos amores egoístas, o ciúme como tortura desejada, tudo em uma sociedade se contorcendo sob a luz negra da Primeira Guerra, Paris trêmula, com viciados se comendo no breu dos túneis do metrô, sob as bombas dos aviões alemães, a bravura sem prêmio de soldados, a covardia de duques arrogantes, o horror do caso Dreyfus, dividindo a sociedade em antissemitas e democratas, o ridículo profundo que ele analisava com compaixão e sem dele se excluir, ele, que tudo via com uma mente épica e com o olho feminino atento tanto para as nuances do vermelho Carpaccio das sedas da duquesa e dos azuis Veronese de um robe de Fortuny, como para a morte latejando nas artérias de velhos príncipes nos salões, e sempre imolando a vida à arte, querendo deixar algum vestígio no Tempo, pensando não em leitores que o aprovassem, mas generoso para criar "leitores de si mesmos", (como ele escreveu), para ser uma espécie de lupa que lhes desse meios de se lerem. Esta é a sensação de vazio que me toma. Enquanto eu o lia, eu me lia, estava perto de verdades profundas, aparentemente tão rasas e mundanas. E agora que acabei, penso: "Que será de mim sem ele?". A mediocridade geral da República volta como uma maré suja, as notícias do erro nacional, as imagens da feiura, a morte da beleza batem à porta.
Escrevo este artigo com sentimento de culpa (vejam vocês), pois estou falando de Proust em vez dos presos do mensalão. Que vão pensar de mim? Imagino o leitor: "Será que ele está querendo se exibir, bancar o culto? Como ousa falar de alguém 'artístico', neste mundo em que a superficialidade, a mediocridade da arte está na razão direta da profundidade crescente da tecnociência?".
É verdade. Talvez seja um pecado falar essas coisas. Proust viveu em um mundo acabado, no inicio do século 20, quando ainda havia a extraordinária importância da arte, da pintura, música, literatura. E havia alguma esperança de Sentido, quando este "sentido" já se esvaía e os grandes artistas do modernismo tentavam salvar o afogado. Talvez o maior êxtase de ler Proust resida em nos lembrarmos de como era a beleza, como era a esperança na arte.
E tem mais: nós não estamos no futuro desse tempo passado, não. Nós somos sua decadência
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terça-feira, 29 de outubro de 2013

Vida e Morte em Veneza / Arnaldo Jabor

Arnaldo Jabor
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Vida e morte em Veneza

29 de outubro de 2013 | 2h 19

Arnaldo Jabor - O Estado de S.Paulo

Estou em Veneza. Estava precisando mesmo de um pouco de arte, impregnado de todos os bodes do Brasil, pois sou esponja das notícias e dos fatos que elas escondem. Esse dias aqui têm sido um banho de purificação contra escândalos da Justiça, bandidos do PCC, balas perdidas, frases pomposas de ministros, mentiras de fisiológicos, ladrões de casaca, que envenenam minha função de comentarista.
Mergulhei na espantosa beleza da cidade e nas obras da Renascença que atulham aquela antiga República do comércio entre o Oriente e Ocidente e bateu-me a verdade óbvia: a grande obra de arte só floresce onde há dinheiro.
Sim, puros românticos, nos palácios dos Doges, nas igrejas bizantina-cristãs, nos tetos, portais, afrescos, em tudo jorram as encomendas da vaidade dos poderosos ou dos sacerdotes de Deus, que empresavam as oficinas de artesãos, comandadas por gênios como Tintoretto, Veronese, Ticiano. Fiquei dias dentro da Scuola Grande di San Rocco, na Academia, tudo.
Depois eu fui ver a casa de Peggy Guggenheim, onde estão tesouros da arte moderna dos primeiros 40 anos do século 20. E, em seguida, fui ver a arte contemporânea na Bienal de Veneza. Assim, nos últimos dias eu vi a Renascença, o Modernismo e o "pós-modernismo", se esse nome ainda cabe.
Foi um show de contrastes que me deu uma certeza: sem esperança não há arte. Mesmo nas obras de encomenda de duques e cardeais do século 16, feitas por empregados que podiam ir até em cana se não satisfizessem os poderosos, havia um fervor religioso ou meramente fabril, havia uma fé na beleza, nos ventos novos que humanizavam a figura. A genialidade de Tintoretto não buscava mais a representação estática de uma imobilidade submissa, mas a esperança de captar algum momento de agonia ou de triunfo.
Fui também à Fundação da Peggy Guggenheim, em sua casa à beira do Canal. Lá estão Picasso, Matisse, Kandinsky, Magritte, Pollock, tantos... E é deslumbrante ver o entusiasmo da nova arte que se desenhava no início do século 20, a arte como a militância por uma beleza construtiva, o olho humano sendo enriquecido, na "esperança" de que a modernidade se aperfeiçoasse, unida às grandes utopias do século 20. Os artistas modernos queriam repensar o mundo nas suas formas; e mesmo em um conceito deprimido, havia na atitude um desejo de mudança para algo melhor.
Depois, fui à Bienal de Veneza. A sensação dominante é a de que há qualquer coisa "faltando" na arte contemporânea. Há uma ausência, uma "hiância", como escreveu Mallarmé, um grande vazio em museus e bienais. Os pavilhões repetem os códigos e repertórios: terra arrasada, materiais brutos e sujos, desarmonia, assimetria, uma busca deliberada da feiura, uma clara vergonha de ser "arte".
A fruição poética é impedida como se o prazer fosse uma coisa reacionária, ignorando o "mal do mundo", que tem de ser esfregado na cara do espectador para que ele não esqueça o horror social e político que nos assola. Só que o mundo mudou muito. Depois do 11 de setembro, principalmente, ficou nítido que o mundo é hoje pior que qualquer representação deprimida. A destruição que vemos na vida, o império da sordidez mercantil, a ignorância no poder, o fanatismo do terror, a boçalidade da indústria cultural, o beco sem saída do racismo e do fundamentalismo, a destruição ambiental, em suma, toda a tempestade de bosta que nos ronda, está muito além de qualquer "denúncia" artística; o mal é tão profundo, tão difuso, que denunciá-lo mecanicamente, destruindo a própria arte como uma "prova do crime" virou uma ociosa cumplicidade. Em geral, é uma "arte engajada" no desespero.
A Bienal de Veneza (furada por alguns talentos individuais, claro: Paul McCarthy, Ai Weiwei, Nicola Constantino, maravilhosa argentina, ou Pawel Althamer) virou um parque temático de deprimidos, um muro de lamentações inúteis. Não adianta mais "chocar" ninguém, pois nada é mais chocante que a miséria global e a estupidez universal do inferno de hoje. O absurdismo do pós-guerra, nos anos 50, a arte pop, todo o desespero crítico ou paródico tinha um claro alvo construtivo em sua militância. Havia esperança na angústia. Hoje, sobrou apenas a psicose como bandeira, a melancolia como "denúncia" de uma vida sem solução. Lembro-me de uma frase de um crítico americano que disse que "antigamente os artistas de vanguarda queriam chocar a classe média; hoje a classe media é que choca os artistas". É claro que a arte tem de acusar o golpe do tempo atual. Mas não pode ser uma vitimização simplista, um desespero oportunista. Nada que haja na Bienal nos choca mais que uma explosão da discotecas onde morrem 300 jovens, nada é pior que a África ou a lama das favelas e periferias. Nada. E, aí, vemos a verdade: grande parte da arte contemporânea está aquém da realidade. É muito óbvio o uso do santo nome de Marcel Duchamp em vão para justificar uma distopia fácil. Que performance ou instalação será mais contundente que a destruição de Nova York, do WTC? Que cadáver exposto dentro de garrafas ou cavalos mortos ou ruínas são mais assustadoras que a eternidade da guerra Israel-Árabe ou do inferno da Síria?
Nunca esqueço da frase de Stravinski: "A obra de arte deve ser exaltante". Não se trata de uma cegueira complacente com o erro, mas uma ação exaltante da vida, da existência humana, exaltante de algo que está se perdendo. Muitos artistas se acham "militantes", mas estão abrindo mão da reflexão na arte para o eixo do mal capitalista. Críticos e curadores seguem de cabeça baixa, sem coragem de denunciar oportunismos, por medo de serem chamados de caretas ou reacionários. Será que o "novo" não pode ser um "belo" que denuncie, com sua luz, a injusta vida? Um bom exemplo é a obra de um gênio grafiteiro como Basquiat.
Em matéria de eventos de destruição esquemática do capitalismo, ninguém é melhor artista que os homens-bomba.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Arnaldo Jabor e o voo da galinha // Estadão

Arnaldo Jabor
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O voo da galinha

01 de outubro de 2013 | 2h 24

Arnaldo Jabor - O Estado de S.Paulo
A extensa reportagem da revista inglesa The Economist sobre o Brasil devia servir como um programa de governo para a presidenta Dilma.
A revista é reconhecidamente a melhor do mundo em seriedade e profundidade de informação. No entanto, nossa raivosa e arrogante Chefa considerou a matéria uma espécie de oposição à sua administração cada vez mais 'bolivariana': "A revista está mal informada, etc." e repetiu os slogans que seus assessores petistas lhe sopram. É tão impressionante isso tudo. O tom geral da matéria deplora, lamenta que o Brasil, com todas as condições para uma decolagem, um 'take off', esteja jogando tudo para o alto, tanto pelo olho nas eleições quanto pela teimosia ideológica de enfiar o País dentro de um programa arcaico e inútil. Claro que os governistas acusarão a revista de "imperialista", de "neoliberal", de estar do lado das "grandes corporações" - o mesmo uso que fizeram sobre a espionagem americana na Petrobrás (será que descobriram por que a Petrobrás comprou uma refinaria no Texas por 1 bilhão e 200 milhões de dólares que não consegue vender nem por 100 milhões?).
Essa gente que está no poder bota sempre a culpa de nossa indigência em alguém de fora. Nosso amigo e líder Nicolás Maduro, da Venezuela, disse que a falta de papel higiênico, de comida e de energia é tudo culpa dos Estados Unidos. Seguimos sua linha.
Aliás, preparem-se para uma eventual reeleição da Dilma que, ao que tudo indica, vai partir para o 'bolivarianismo' explícito, como já declara o PT e em seu site. Será que a nova Dilma vai se 'cristinizar' para a construção do 'socialismo imaginário' que justificou o 'mensalão'?
Na realidade, a revista, em seu artigo chamado Será que o Brasil se detonou?, praticamente só faz perguntas. "Por quê?" - pergunta a revista o tempo todo.
Por que, entre os países emergentes, nós temos o pior desempenho? Terá sido apenas um voo de galinha (chicken flight?), pois aproveitamos muito mal a enxurrada de dinheiro que entrou aqui nos últimos anos? Por quê? Por que o governo não ataca os problemas principais, enunciados por qualquer economista sério do mundo e se detém em remédios demagógicos, como buscar médicos medíocres em Cuba para fazer propaganda socialista nas cidades pobres, como o ridículo trem-bala, como os estádios bilionários para a Copa, que até nosso povo 'futeboleiro' condenou nas manifestações? Por que o famoso PAC, com seu 'desenvolvimentismo tardio' não consegue terminar nem 20% das obras propostas? Por que o governo não consegue privatizar (opa: 'fazer concessões') nem rodovias, nem ferrovias, nem aeroportos, sem errar várias vezes, sem conseguir redigir contratos decentes, atraentes? Por que o rio S. Francisco continua parado, com grandes regos secos que o Exército fez? Por que não explicam à população as causas dos atrasos, em vez de gastarem bilhões em propaganda enganosa? Por que o número de carros dobrou em 10 anos e as estradas continuam podres e paralisadas? Por que a China acaba de cancelar a compra de 2 milhões de toneladas de soja por causa da dificuldade do 'gargalo Brasil'? Por que a maior produção de soja no mundo fica na fila infinita de caminhões porque não há silos, detidos pela burocracia mais atrasada do planeta? Por que a inflação pode se descontrolar de novo? Por que contrataram mais de 100 mil pelegos para boquinhas no governo, em vez de cortar custos da atividade-meio? Por que estimular o consumo, sem estimular o aumento da oferta? Por que os preços no Brasil são o dobro de qualquer país do mundo, sendo que o chamado 'Big Mac Index', a ferramenta de comparação de preços, mostra que nosso Big Mac é 72% mais caro que em qualquer lugar e carros custam 45 mais caro que no México, EUA? "Ah... porque a carga tributária é de 36% do PIB e nos outros países semelhantes não passa de 21%." Então, por que não lutar por uma reforma tributária profunda, em vez de jogadas periódicas premiando uma ou outra atividade? Por quê? "Ah, porque é muito difícil passar no Legislativo..." Mas, por que não usar toda a força da maioria que têm para isso? Por que a agroindústria, tão esquecida pelo governo (que gosta mais do MST), nos salva todo ano com sua lucratividade? Será que vai bem justamente porque o governo não se meteu? Por que o SUS é a porta do inferno? Por que a educação zero está impedindo a produção nacional, sem mão de obra para nada? Por que temos o recorde mundial de analfabetismo funcional? Por que será que os investidores internacionais têm medo de vir para cá, ultimamente? Será que é porque eles sabem que nós mudamos regras, não respeitamos contratos nem marcos regulatórios e porque nós queremos lhes enfiar o Estado goela abaixo? Por que será que, de todo o dinheiro arrecadado para as aposentadorias no País, 50% é para pagar apenas 20 % dos aposentados (setor público, claro), enquanto a outra metade é para pagar os 80% restantes? Por que somente 1,5% do PIB é investido em infraestrutura, quando no resto do mundo é por volta de 4%? Por quê? Nossa infraestrutura é a 114 pior entre 148 países.
Ou seja, continuamos sob 'anestesia mas sem cirurgia' (Simonsen). Por quê? Talvez a resposta esteja em Platão e sua carroça. Ele disse que é dificílimo guiar um carro com dois cavalos diferentes - um bom marchador e outro manco e lento. É nosso destino, em um governo dividido entre o 'bolivarianismo' e as necessidades óbvias, reais do País. Ao contrário do que proclamam, o óbvio pragmatismo administrativo não é 'de direita' não, e seria bom para o crescimento e para reduzir a desigualdade.
A matéria do The Economist tem a boa intenção de nos acordar para a racionalidade; não quer nos destruir, não é da 'oposição'. A reportagem da revista, que é lida no mundo inteiro, serve para nos lembrar da famosa frase de Reagan (sim, o reacionário) - perfeita para nos definir: "O Estado não é a solução; o Estado é o problema".
Ah, sim; a revista esqueceu de mencionar uma importante força da natureza que nos impele para o erro: a muito esquecida categoria política da... Burrice.