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quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

"Não tenho conseguido assistir as retrospectivas. O ano já foi medonho, e a perspectiva de ver tudo de novo dá vontade de vomitar." / Helena Chagas

Um ano de insanidades 

Insanidade (Foto: Arquivo Google)
No último dia útil de 2016, a única coisa que desejo é que 2017 seja um ano menos insano. Meus votos são de que um pouco de juízo, bom senso e equilíbrio brote das mentes daqueles que têm poder no Brasil – poder político, poder de decisão, poder econômico, influência cultural, soft power. Já aos que, paradoxalmente, têm o poder supremo nas democracias, que é o voto, mas que até se esquecem disso porque só o exercem ocasionalmente, é preciso desejar, acima de tudo, paciência. Muita paciência, ao lado de perseverança e coragem para chegar a 2018.
Não tenho conseguido assistir as retrospectivas. O ano já foi medonho, e a perspectiva de ver tudo de novo dá vontade de vomitar. Mas fica difícil escapar à constatação de que a República continua com os nervos à flor da pele. Incerteza e instabilidade ainda são as palavras de ordem.
É ou não é loucura lembrar que, há exatamente um ano, a presidente era Dilma Rousseff, com um pedido de impeachment acolhido pelo hoje presidiário Eduardo Cunha, nem sonhava em deixar o cargo? Naquele momento, Dilma recorria ao STF, que lhe deu uma decisão favorável sobre o rito do impeachment. E estava mais preocupada em pagar os R$ 57 bilhões das pedaladas fiscais, o que elevou o déficit do ano ao valor sem precedentes de R$ 120 bilhões. Ninguém em torno dela acreditava de verdade no impeachment.
Na ocasião, o PT estava em festa porque, depois de praticar por quase um ano seu esporte preferido, que era atirar no então ministro da Fazenda, havia conseguido derrubar Joaquim Levy, no dia 18 de dezembro. O partido defendia, para a gestão Nelson Barbosa, soluções que passavam por uma alíquota de 40% de Imposto de Renda para os mais ricos, mais crédito do BNDES e a volta da CPMF. Delirava.
E Michel Temer, estava fazendo o que àquela altura? Em dezembro de 2015, Temer, o vice-presidente da República, também não era um exemplo de equilíbrio emocional: chorava as pitangas por se sentir maltratado por Dilma. Uns dias antes, chegara ao conhecimento do país a dramática carta em que o vice reclamava da titular que ela nunca havia confiado nele. Acusava-a também de mentir e sabotar o PMDB no governo. Naqueles dias, Temer virou motivo de chacota dos políticos de Brasília por causa do rompante. Apesar do mi-mi-mi, virou presidente da República.
A única coisa que parece não ter mudado em um ano é a Lava Jato, que já corria solta e chegava perto de amigos do ex-presidente Lula, como José Carlos Bumlai. Em dezembro de 2015, o procurador Rodrigo Janot já estava de olho em Eduardo Cunha, que viu seu processo de cassação começar a tramitar com o apoio do PT e, por vingança, botou o impeachment em tramitação. Tudo guiado por fortes emoções.
Todo mundo sabe o que veio depois, e não vou fazer retrospectiva das insanidades em série porque dá enjôo. Basta ver o que ficou para o réveillon de 2017.
Em tese, as instituições foram respeitadas e o impeachment tramitou dentro dos preceitos constitucionais e sob a égide do STF. Mas a deposição de uma presidente da República com base em pedaladas fiscais, sem um real e concreto crime de reponsabilidade por ato de corrupção ou assemelhados, deixou sequelas. A coisa funcionou mais ou menos como num regime parlamentarista, em que o chefe do Executivo pode ser substituído por incompetência ou qualquer outra razão que o tenha levado a perder o apoio do Congresso. Só que o regime é presidencialista, com presidentes eleitos pelo voto direto, e a instituição do impeachment – usada pela segunda vez em menos de 25 anos – que entrou na Carta para ser uma excepcionalidade, corre o risco de ser banalizada.
No ano mais turbulento das últimas décadas, o novo presidente assumiu com o apoio maciço do Legislativo e o indispensável respaldo constitucional, mas para executar um programa em tudo oposto ao que fora aprovado pelas urnas em 2014. (Apenas para ser justa: a insanidade começou quando a própria presidente reeleita resolveu executar o programa de seu adversário).
É por isso que se pode dizer, no mínimo, que piorou a qualidade de nossa democracia em 2016. Ficou tão fácil derrubar presidentes desagradáveis ou politicamente frágeis que já tem gente pensando em fazer o mesmo com Michel. A virada do ano encontra o presidente patinando na economia e de volta ao alvo político, seja por ter sido mencionado na Lava Jato, seja em função do processo que corre no TSE para cassar a chapa presidencial de 2014.
Se essa moda pega, a cereja do bolo de todas as insanidades será eleger seu eventual substituto indiretamente, por um Congresso adoecido, com suas dúzias de acusados da Lava Jato. Um processo que pode não contar com a garantia de uma arbitragem acima e além de qualquer interesse por parte do Judiciário. Talvez seja mesmo alguma coisa na água, mas os togados também perderam um pouco do juízo e entraram no clima reinante, distribuindo sopapos a torto e a direito por aí, e entre eles próprios.
Não estamos entrando em 2017 nem com o pé direito e nem com o pé esquerdo, mas suspensos, sem chão embaixo nem teto em cima. Muita calma nessa hora.
Apesar de tudo isso, Feliz Ano Novo!

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

"Fora, ONU" // Mary Zaidan

Fora, ONU

ONU (Foto: Arquivo Google)
Bilhões de dólares perdidos para a corrupção, dezenas de políticos delatados e até o presidente da República citado como beneficiário de caixa dois; Câmara que ameaça juízes e promotores, ministros do STF que se acham mais supremos do que a Corte, senadores que se consideram acima da lei. Não há dúvida: o gigante Brasil adora se exibir como república de bananas. Ainda assim, nada dá o direito de gente de fora se meter em descascá-las. Mas foi o que relatores das Nações Unidas fizeram ao lançar um comunicado oficial crítico à PEC do teto, prevista para ser votada em turno final pelo Senado na próxima terça-feira. 
Philip Alson, relator especial da ONU para extrema pobreza e direitos humanos, criticou a decisão do governo brasileiro de “congelar o gasto social do Brasil por 20 anos” (o que a PEC não prevê), chegando a colocar em dúvida a legitimidade do presidente Michel Temer, que não teria submetido seu programa à consulta popular. Como se a antecessora deposta, Dilma Rousseff, tivesse cumprido uma única letra do rol de mentiras da campanha que a elegeu.
Nem o PT, que na legítima luta política tem tentado colocar tropas nas ruas contra a PEC, conseguiria ir mais longe do que Alson.
Ele elogia os resultados que o Brasil alcançou no combate à pobreza nos últimos anos e até reconhece que o país “sofre sua mais grave recessão em décadas, com níveis de desemprego que quase dobraram desde o início de 2015". Mas insiste em um “impacto severo” que a PEC do teto terá sobre os mais pobres. Assim como os petistas e os que escolhem manter a venda bem amarrada aos olhos, o relator da ONU não leu ou não quis ler os números da realidade brasileira. Do pobre cada vez mais pobre, vítima não de uma lei que limita gastos, mas de gastos desenfreados, irresponsáveis, eleitoreiros.
Dados do IBGE divulgados no final de novembro mostram que a crise econômica que assolou o país a partir do primeiro mandato de Dilma, fez os níveis sociais brasileiros retroagirem mais de uma década. Os números destruíram mais do que o propalado legado do PT do ex Lula. Demonstraram, de forma cartesiana, que mais cedo ou mais tarde todos pagam as contas do populismo. E que elas são mais caras para os pobres.
O Brasil herdado do pós-Lula e Dilma até conseguiu reduzir a distância entre pobres e ricos, mas da pior maneira possível: todos perderam - ricos e pobres -, sendo que os 10% mais pobres perderam ainda mais. Embora Alson não veja ou prefira não ver, não há “impacto severo” que possa ser mais grave do que esse.
O documento recebeu também o aval da relatora para Educação da ONU, Boly Barry, que indica a “necessidade de um aumento nos gastos com educação”, algo em torno de US$ 12 bilhões. Sem dúvida, o Brasil adoraria poder contar com isso, embora o resultado recente do PISA -- Programa Internacional de Avaliação de Estudantes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) -- demonstre que a relação investimento-qualidade do aprendizado não é direta: em 15 anos, o país mais do que triplicou os recursos aplicados na educação, sem que isso significasse melhoria. Ao contrário, continua amargando os últimos lugares e caindo ainda mais em cada etapa do teste internacional.
Além de desconhecer o teor da PEC 55 e o que muda com ela, a ONU imiscuiu-se na administração e na política interna do país. Agiu como se a PEC aumentasse o risco social de um Brasil que agoniza pelo desemprego causado por políticas erráticas, a qual os mesmos setores da ONU fingiam não enxergar.
Mais do que pregar a distribuição de dinheiro que não existe -- até porque foi gasto por conta durante uma década --, o comunicado da ONU transformado em carta aberta ao Congresso Nacional desrespeita o governo central e o Legislativo de um dos países membros. Abusa de chavões ideológicos, entre o esquerdismo juvenil e a irresponsabilidade militante. É tudo de que o Brasil, imerso em recessão e problemas gigantescos, não precisa.
Os olhos dos brasileiros, em especial daqueles que assumiram a cidadania e foram às ruas, só enxergam o combate à corrupção e a punição de quem roubou o país. Mas para além de condenar e prender está a concertação, a urgência de tentar colocar a economia em ordem, de gastar menos (e não roubar mais), sem o que o país não conseguirá ficar em pé, muito menos gerar emprego e renda.
Caso contrário, o pobre que hoje já está mais pobre ficará cada dia mais pobre. E não há ONU que cuide disso.


segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Ferreira Gullar no blog de Ricardo Noblat





POEMA DA NOITE

Traduzir-se

Ferreira Gullar
Ferreira Gullar (Foto: Divulgação)
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?

Ferreira Gullar

domingo, 4 de dezembro de 2016

"Bipolaridade demais, senso de menos" / Mary Zaidan


POLÍTICA

Bipolaridade demais, senso de menos

Bipolar (Foto: Arquivo Google)
Mary Zaidan
Política não é cartesiana. Nela, dois mais dois por vezes não somam quatro, e o antagonismo simplista é quase sempre um equívoco. Dizer isso em um planeta que tem preferido a grita (o nós x eles) à análise de fatos e à maturação de ideias beira o extemporâneo. Mas trata-se de prudência obrigatória, quanto mais diante de temas tão palpitantes quanto medidas para coibir a corrupção e o abuso de poder.
Em um país onde a carteirada é quase uma instituição e o “sabe com quem está falando” ainda é prática corrente, discutir abuso de autoridade seria benéfico. A rigor, muito mais útil para o cidadão comum do que para os poderosos. Especialmente em um ambiente em que os fortes são muitíssimo fortes - protegidos por foro privilegiado, que engloba políticos e altos servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário, e tribunais especiais, caso de militares e policiais --, e os fracos, fraquíssimos, até por não ter recursos para pagar advogados.
Mas longe de querer “coibir e punir condutas que escapem ao Estado democrático de direito, ao pluralismo e à dignidade da pessoa”, como o presidente do Senado, Renan Calheiros, expressa na justificativa de seu projeto de lei contra abuso de autoridade, os tais poderosos só passaram a se preocupar com o dito abuso depois de se tornarem alvo de escutas, prisões temporárias e preventivas, condenações. Em suma, até o Mensalão cutucá-los e a operação Lava-Jato seguir o rastilho de pólvora espalhado por delatores, tudo prestes a explodir.
Na semana passada Renan colheu duas derrotas. Perdeu por 44 a 14 a votação que pretendia conferir urgência ao projeto contra a corrupção aprovado pela Câmara dos Deputados, no qual se anexaram punições a magistrados e procuradores. E virou réu no Supremo, por crime de peculato, por 8 votos a 3. Na próxima terça-feira pretende votar o seu projeto sobre abuso - um texto com 45 artigos, entre eles alguns ainda mais draconianos do que o aprovado na Câmara.
Rechaçado pelo Ministério Público Federal (MPF), autor das 10 medidas contra a corrupção encaminhadas ao Parlamento como projeto popular com o aval de mais de dois milhões de signatários, o projeto que saiu da Câmara é um Frankenstein. Aprovado na fatídica madrugada em que os brasileiros choravam pelos chapecoenses mortos em um acidente aéreo bárbaro, o texto cravou de morte o coração da proposta e acrescentou punições a juízes e procuradores, algo completamente fora do corpo e do script.
O país reagiu diante do monstro construído: bradou nas redes sociais, perturbou o WhatsApp dos deputados, convocou um panelaço para o horário nobre e gente para as ruas neste domingo.
Renan não se fez de rogado. Obcecado para punir quem pode por direito puni-lo, tentou atropelar o processo legislativo. Perdeu. Mas imagina que pode dar o troco. Não nas medidas contra a corrupção, que tanto ele quanto a Câmara preferem ver adiadas para as calendas agora que já não podem mais incluir nelas a anistia ao caixa 2, mas na votação de seu projeto. E com especial apreço pelo artigo 30, que pune com pena de reclusão de um a cinco anos quem der “início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa, sem justa causa fundamentada”, sem que se diga o que vem a ser a tal “causa fundamentada”.
A urgência de muitos dos políticos – um terço dos 81 senadores e 148 dos 513 deputados são alvo de algum tipo de inquérito ou ação penal – faz com que o país não consiga ter uma lei contra o abuso de autoridade que realmente sirva à cidadania. E abusos não faltam. Não raro sem punição. Quase 50 juízes condenados por corrupção tiveram penas pífias – perda do cargo e afastamento com direito a aposentadoria integral – e poucos promotores acabaram atrás das grades depois de crimes severos, incluindo homicídio. Políticos com mandato na cadeia também se contam nos dedos.
Juízes e procuradores não são infalíveis – ninguém é. Erram e até abusam. Mas, como disse o juiz Sérgio Moro no plenário do Senado, “não podem ser intimidados por interpretações ou juízo de valor a respeito das provas proferidas nos processos sob sua responsabilidade”. Ao mesmo tempo, não há lógica em se imaginar provas ilícitas válidas em um processo ou o horror de pessoas delatando outras para auferir vantagens financeiras – o “reportante do bem” -- como pretendem os autores das 10 medidas contra a corrupção.
Por interesses próprios e inconfessáveis, por ignorância, oportunismo ou má-fé, esse debate tão necessário ao país se faz em favor de quem quer se livrar da Justiça. E se deixa aprisionar na paixão maniqueísta entre quem é contra e a favor das 10 medidas do MPF, contra ou a favor de se coibir abusos. Como na síndrome, a bipolaridade refuga o bom senso.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

"Falido, fedido e vingativo" / Nelson Motta

Falido, fedido e vingativo

O ‘AI-5 do crime organizado’ foi aprovado na Câmara para amordaçar a Justiça e salvar parlamentares da Lava-Jato
Renan Calheiros, presidente do Senado (Foto: Divulgação)

Renan Calheiros, presidente do Senado (Foto: Divulgação) 
Chega a ser comovente, mas não pelos motivos que ele imagina, ver Renan Calheiros, de olho rútilo e lábio trêmulo, falando na OAB que o nosso sistema político está “falido, fedido e caquético”, como se não tivesse nada a ver com isso, como se o sistema tivesse chegado à podridão por si mesmo, sem a colaboração decisiva dos parlamentares e, principalmente, dele.
Mas ele diz que a culpa é da legislação, não dos que a avacalharam: são vítimas do sistema perverso... Como alguém no poder há tanto tempo, com 12 processos no STF, pode falar isso sem rir ou avermelhar? Não é só o sistema que está falido, fedido e caquético...
Com tantos escândalos e privilégios indecentes, sempre às custas do contribuinte, Renan deve saber como chegamos tão baixo. E como ele contribuiu para isso. São os mesmos que corromperam e aviltaram o sistema que vão reformá-lo? Ensandecido com a reação da Lava-Jato, Renan tentou até votar com urgência no Senado o “AI-5 do crime organizado” aprovado na Câmara para amordaçar a Justiça e salvar os parlamentares, mas o que resta de bom senso e dignidade na Casa o impediu.
No Brasil, os bandidos querem julgar os xerifes. Depois de tratar os juízes e procuradores com tanto desprezo e hostilidade, esperamos que Renan seja acusado e julgado por eles com o desprezo e a hostilidade que merece. Que se faça justiça e ele apodreça na cadeia. Já o deputado baiano Aleluia é radicalmente contra a instituição do “reportante do bem”, chamado whistleblower nos Estados Unidos, que permite a qualquer cidadão denunciar crimes e receber recompensas.
O deputado diz que vamos virar uma “República de delatores” (os Estados Unidos viraram uma?), ele prefere que continuemos como uma “República de ladrões”, e se esqueça de que só existe delator se houver crimes a delatar... agora só falta propor uma lei que torne a omertà obrigatória.
Em uma de suas últimas entrevistas, Paulo Francis dizia não acreditar em reencarnação, “mas, se houver, vou levar meu ectoplasma para Brasília e infernizar essa canaille.” Domingo, o ectoplasma de Francis vai estar gritando na rua.
       Nelson Motta é jornalista

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

"O documento do PMDB que saudou o povo e pediu passagem a uma nova ordem de coisas, é uma frágil pinguela." / Ricardo Noblat


POLÍTICA

O Brasil esperneia na maca

Ricardo Noblat
Brasil (Foto: G1)
O novo está sendo gestado. Mas os primeiros sinais do seu possível nascimento bastaram para fazer o velho Brasil do compadrio e da corrupção estrebuchar na maca em desespero e desatar no choro dentro de presídios.
O mundo despediu-se de fato do século XX com a morte de Fidel Castro. Por aqui, em matéria de maus costumes políticos, o século passado ainda suspira e ameaça abortar o que se anuncia.
Há duas semanas, no programa Roda Viva da TV Cultura, perguntei ao presidente Michel Temer o que ele achava do projeto de anistia do caixa dois em discussão na Câmara dos Deputados.
Temer respondeu, sem alongar-se sobre o assunto: “Criminalização do caixa dois é decisão do Congresso e não posso interferir. Se eu disser uma coisa ou outra vão dizer que eu estou defendendo.

Os defensores do projeto – leia-se: a esmagadora maioria dos deputados – preferem chamá-lo de “criminalização do caixa dois”, como Temer chamou. Na verdade, trata-se de uma anistia em causa própria.
Porque se virar lei, anistiará todos os que doaram ou se beneficiaram de dinheiro não declarado à Receita e à Justiça Eleitoral. Dinheiro sujo, portanto.
Em São Paulo, na última sexta-feira, Temer confidenciou ao líder do PSD, deputado Rogério Rosso (DF), que não permitirá mais qualquer anistia.
Ontem à tarde, em Brasília, na companhia dos presidentes da Câmara e do Senado, Temer afirmou: “No caso da anistia, em dado momento viria para a presidência vetá-la ou não. É impossível sancionar matéria dessa natureza”.
Ora, ora, ora... Mudou Temer ou o Natal?
Temer mudou para sobreviver à crise política desatada com a revelação do depoimento  prestado à Polícia Federal pelo ex-ministro da Cultura Marcelo Calero.
O que Temer classificara de “episódio menor”, meteu-se Palácio do Planalto adentro, subiu de elevador até o terceiro andar e arrombou a porta do gabinete presidencial. Ali, instalou-se e nem tão cedo sairá.
Calero disse à polícia que não foi só Geddel Vieira Lima, secretário do governo, que o pressionou para que recuasse no embargo à construção de um prédio de 30 andares em Salvador aonde ele comprara um apartamento.
Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil, também pressionou. E, além dele, o próprio Temer. Geddel acabou perdendo o emprego. Temer tenta segurar o seu.
Por isso, deu o dito pelo não dito quanto à anistia do caixa dois e procura um novo secretário de governo com biografia impecável, à prova de futuras delações da Lava-Jato.
Certamente não o encontrará em suas vizinhanças. Temer está condenado a perder em breve para a Lava-Jato alguns dos seus auxiliares de maior confiança. Já perdeu quatro em seis meses. Continua impopular.
Este é o paradoxo Temer: a “ponte para o futuro”, pretensioso nome dado a documento do PMDB que saudou o povo e pediu passagem a uma nova ordem de coisas, é uma frágil pinguela.
Por enquanto, a nova ordem só tem a ver com uma gestão mais racional da economia em pandarecos. Em tudo o mais, é o antigo que ferido de morte esperneia para não sair de cena.
Qual é a saída? Fora da lei não há saída, não pode haver. Ela manda que Temer governe até 2018 quando se elegerá o novo presidente.
Faltam 33 dias para o fim do ano. No próximo, caberia ao Congresso escolher um substituto de Temer caso ele fosse impedido de completar o mandato.
Logo ao Congresso, depósito de todas as mazelas nacionais que se deseja varrer... E aí? Vai encarar?
Foto: G1

domingo, 27 de novembro de 2016

" O presidente não se cansa de errar: ainda patina no ajuste das contas e esborrachou-se de vez no plano ético." / Mary Zaidan

Gente indigesta

Indigesto (Foto: Arquivo Google)
Alçado ao cargo maior da República depois dos escândalos de corrupção que destroçaram o PT, do acirramento das crises política e econômica - aprofundadas pela incompetência e soberba de Dilma Rousseff -, e pela pressão das ruas, o presidente Michel Temer só tinha duas alternativas: acertar ou acertar. Nos rumos da economia e na moralidade com a coisa pública. Mas não se cansa de errar: ainda patina no ajuste das contas e esborrachou-se de vez no plano ético.
Para a economia, Temer chamou Henrique Meirelles, aplaudido pelo mercado, mas já um tanto incapaz de, só na lábia, manter a animação do setor produtivo.  Um público angustiado com a ausência de liderança política para acelerar a aprovação de medidas emergenciais no Congresso. Menos cuidadoso, Temer correu riscos ao nomear Romero Jucá (PMDB-RR) para o Planejamento, e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) para o Turismo, ambos enrolados com a Lava-Jato. Teve de despachá-los antes mesmo de eles esquentarem as cadeiras.
No Senado, o ex-ministro Jucá continuou líder do Governo, tendo sido o maestro da inclusão, na vigésima-quinta hora, de parentes de políticos na nova versão da repatriação de dinheiro não declarado depositado e mantido no exterior. Algo que deveria ser vetado por Temer se algum juízo ainda lhe restar.
Na sexta-feira, quem saiu foi Geddel Vieira Lima, que se autoimolou tarde demais para poupar o chefe da imoralidade de ter protegido o amigo em algo indefensável: o uso do Estado em benefício próprio.
Geddel, então ministro de Governo, um dos mais próximos do presidente, teria feito pressão para que o ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero, interviesse na liberação da obra do La Vue, embargada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Empreendimento de luxo, localizado na Ladeira da Barra de Salvador, o prédio teve autorização para no máximo 13 andares. Antes do embargo, Geddel teria comprado um apartamento 10 andares acima, hoje, um pedaço de ar ou brisa.
O caso, tão corriqueiro na política dos tempos pré Lava-Jato - a ponto de Geddel, políticos aliados e o próprio Temer considerarem que morreria com o tempo -, ganhou corpo quando Calero denunciou a pressão de Geddel, logo depois se demitir. E mais ainda quando se revelou que Calero tinha ido à Polícia Federal para uma denúncia formal, na qual teria incluído o presidente Temer e até, supostamente, uma conversa gravada. Algo que não combina com o relato anterior do ex-ministro, feito no sábado, 19, de que o presidente teria desautorizado Geddel ao dizer a ele, durante a conversa no Planalto: “O presidente sou eu, não o Geddel”.
Ainda que existam pontos que não se ligam nas versões dos ex-ministros Geddel e Calero, nada justifica a participação de um presidente da República nessa história. Temer nem poderia se permitir discuti-la. Trata-se de uma obra privada, na qual um de seus auxiliares tinha interesse pessoal – queria desembaraçá-la, mesmo que ao arrepio da legalidade. Algo fora do escopo da coisa pública, fora dos interesses do país. Portanto, pecado difícil de purgar.
Além de complicar Temer, o episódio Geddel espalhou veneno em alvos inesperados. No afã de mais uma vez criticar a mídia, o ex Lula se entregou à Lava-Jato: “Vocês percebem que não dão destaque ao apartamento do Geddel como deram ao meu tríplex”, disse, inflamado, em discurso para uma plateia fiel na Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). Um ato falho. Uma confissão.
Iguaria para a oposição, o episódio Geddel vai subsidiar pedidos de impeachment de Temer, acareações, desconfianças entre aliados, brigas sem fim no cotidiano das pessoas, já expressas nas redes sociais.
Em suma, mais pimenta em um caldeirão de instabilidades que ninguém mais aguenta.Indigesto, Geddel, quem o apoia, coisa que cheire ou com ele se pareça, é tudo que o país não quer mais ter de engolir.

sábado, 26 de novembro de 2016

Delatores ameaçados ! É pouco ou quer mais...? / Revista IstoÈ

Delatores ameaçados

As pressões para que testemunhas desmintam seus depoimentos incluem ameaças de morte sob a mira de revólveres e promessas de incendiar moradias com a família em casa
Germano Oliveira, Istoé
Entrevista da advogada Beatriz Catta Preta ao Jornal Nacional (Foto: Reprodução / TV Globo)
Beatriz Catta Preta (Foto: Reprodução / TV Globo)
A advogada Beatriz Catta Preta abre a porta de casa localizada na rua Hungria, bairro Jardim Europa, São Paulo, e se depara com o doleiro Lúcio Bolonha Funaro no sofá da sala brincando com seus dois filhos. Ela estremece. Funaro saca uma arma, aponta para sua cabeça e desfia um rosário de ameaças. Para não realizá-las, impõe a Catta Pretta uma condição: que convença seu cliente, o empresário Julio Camargo, ex-consultor da Toyo Setal, a não sustentar denúncias contra seu aliado, o então presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha. Em negociação de delação premiada, no início de 2015, Camargo havia se comprometido a dizer aos investigadores da Lava Jato que Cunha recebeu US$ 5 milhões de propinas na venda de navios-sondas da Samsung para a Petrobras em 2008.

Funaro, que já havia sido defendido por Catta Preta no episódio do mensalão, tinha acesso à residência da advogada, mas àquela altura já era uma espécie de capanga de Cunha. A ameaça surtiu efeito. Num primeiro momento, sob a orientação de Catta Preta, Camargo livrou a cara do deputado. Só em maio deste ano, Camargo decidiu revelar os subornos recebidos por Cunha e forneceu os detalhes mais sórdidos do pagamento de propina em contas na Suíça. Iniciava-se ali o processo de perda do mandato de Cunha e da conseqüente prisão pela Lava Jato.
As criminosas ameaças de Funaro a Catta Preta, até então uma jurista responsável por defender dezenas de delatores da Lava Jato, levaram a advogada a abandonar os clientes e a praticamente encerrar a profissão. Mas desnudou uma faceta obscura do mundo das delações premiadas.
Saiba mais
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Beatriz Catta Preta (Foto: Reprodução / TV Globo)

"Temer, refém de si mesmo" / Ruy Fabiano

Temer, refém de si mesmo

Temer (Foto: Marcos Alves)Michel Temer (Foto: Marcos Alves)
O presidente Michel Temer está na berlinda – não só ele, mas sobretudo a visão pragmática que concebeu para tornar seu curto mandato (que pode encurtar ainda mais) uma gestão de resultados. Concebeu uma equipe à imagem e semelhança do Congresso.
Se lá não há santos – e não há -, Temer entendeu que em seu entorno também não deve haver. É o que os fatos indicam.
Geddel Vieira Lima, mais um ministro que sai no rastro de denúncias de corrupção, é a cara da maioria do Congresso. E é ali que Temer pretende inspirar confiança, em troca de votos.
A lógica é simples: o governo precisa aprovar com urgência temas polêmicos, como a PEC do teto dos gastos públicos. Já a aprovou com folga na Câmara e deve aprová-la no Senado. Há ainda na fila as reformas previdenciária, tributária e trabalhista.
É improvável que as efetue, não ao menos na completude necessária. Mas se já obtiver uma meia-sola, terá feito muita coisa.
Para tanto, é o que se depreende de sua conduta, precisa cativar o colegiado parlamentar, transmitindo-lhe segurança, neste momento em que a Lava Jato está nos calcanhares da maioria. Se colocasse como líder no Congresso alguém de perfil diferenciado – isto é, de ficha limpa -, correria o risco de intimidar seus parceiros.
Isso explica a insistência com o senador Romero Jucá, demitido do ministério do Planejamento, mas reabilitado como líder do governo no Congresso. Em tese, se alguém não tem condições morais para ser ministro, não pode ser líder. Em tese.
Na prática, e dentro da visão pragmática que Temer concebeu, pode e deve, desde que tenha trânsito junto à maioria e competência para fisgar seu apoio. Quanto a isso, Jucá, Geddel, Elizeu Padilha, Moreira Franco, entre outros, são indiscutivelmente talentosos.
Tal opção mostra a essa plateia que o presidente é solidário às suas aflições, razão pela qual retardou ao máximo a saída de Geddel e tentou negociar com o ministro denunciante, Marcelo Calero, uma reconciliação discreta e harmoniosa.
Não deu certo – e por uma razão simples: Calero é de outra turma – Sérgio Cabral, Eduardo Paes, a esquerda fluminense. E cumpria outra missão: detonar Temer. Não era um aliado, mas um infiltrado, egresso da prefeitura carioca, íntima de Lula e Dilma.
A ocasião se apresentou e ele apertou o gatilho. Geddel supôs estar falando com um companheiro de viagem, mas se enganou – e demorou para perceber. Temer idem.
Calero saiu atirando, jogando para a plateia a quem Temer deu as costas: a opinião pública. Muniu-se de provas, chegando ao extremo de gravar uma audiência com o presidente, para detonar não apenas o ministro infrator, mas, sobretudo, o seu chefe.
Deu certo. Temer sai chamuscado do episódio e perde pontos até perante a parcela da população que torcia pelo êxito de seu mandato-tampão – não por ele, mas pela necessidade de o país alcançar alguma estabilidade até as próximas eleições.
Esse contingente hoje se reduziu. O PT vibrou com a performance de Calero e avisa que pedirá o impeachment de Temer, o que dá consistência à tese de que o ministro denunciante não agiu por impulso corretivo, mas também por pragmatismo.
É possível que, em meio a mais essa decepção – a que se soma a do comportamento tíbio do Planalto diante das tentativas parlamentares de se auto-anistiarem dos crimes de caixa dois e propinas -, o PT possa encontrar eco para além de sua hoje esquálida militância. A saída de Temer, avisam os movimentos de rua, constará das manifestações agendadas para o próximo dia 4.
Temer, ao que parece, não entendeu que a principal demanda da sociedade, mais que o próprio saneamento da economia, é a ética. Dispõe-se ao sacrifício, até porque é inevitável, mas não sob a batuta de quem lesou ou age em favor dos que lesaram o país.
O PT foi deposto por corrupção. Ter por sucessor o partido que a ele se associou ao longo de todo o processo de rapina ao erário, o PMDB, já estava difícil de deglutir. Cabia a esse partido, em tais circunstâncias, caprichar na conduta, como o fez, por exemplo, Itamar Franco, após o impeachment de Collor.
Itamar afastou do governo o seu principal colaborador, o então chefe da Casa Civil, Henrique Hargreaves, tão logo este foi denunciado, condicionando sua volta a que provasse sua inocência.
Hargreaves provou e voltou. Temer, em nenhum dos casos análogos, agiu com presteza; em nenhum fez profissão de fé na luta contra a corrupção. Em recente entrevista, chegou a considerar uma eventual prisão de Lula um desserviço ao país, pelo potencial de desestabilização que supõe sinalizar.
Com isso, mostrou que teme algo, que é refém dos que o precederam no cargo. Enfim, tornou-se refém de si mesmo.
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