"Parto, logo, de uma pergunta incômoda e até perturbadora: será a crítica literária uma forma de ficção? Decido testar essa hipótese, por mais estranha que ela seja. Críticos _ mesmo os mais dogmáticos mestres da universidade _ partem, sempre, de uma relação subjetiva com os livros. Apaixonam-se por esse ou aquele romance, por razões absolutamente íntimas e singulares. Transformam essa paixão, depois, em um objeto de estudos. Submetem, então, a literatura à triagem severa das teorias, ao rigor dos conceitos, aos grilhões das classificações e das escolas. Espremem, espremem, lutando para chegar ao osso da escrita _ e, enfim, arrancando apenas alguns nacos, escrevem sua crítica literária.... "
"Todo livro se passa, antes de tudo, na mente (caótica, arbitrária, emocionada) de um leitor singular. Sim: UM leitor, este, ou aquele leitor, e não vários leitores. Mesmo quando lidos em voz alta, em círculos de leitura, é na mente de cada um dos leitores, de um modo próprio e inconfundível, que uma ficção se constitui. Livros não existem, dizia Augusto Roa Bastos: cada leitor lê um livro diferente, ainda que tenha nas mãos o mesmo livro. A ficção se constitui, portanto, no confronto entre um texto e as imagens mentais (fantasias, memórias, sonhos - ficções!) que se guardam no interior de quem lê.
Essa leitura original e singular _ leitura apaixonada _ é o ponto de partida de todas as outras leituras secundárias que se produzem de um livro. A partir dela, os críticos desenvolvem suas leituras de segunda ordem: leituras acadêmicas, leituras críticas, leituras especilaizadas, teses e dissertações. Essa leitura original _ ficção (escrita) contra ficção (mental) _ é o ponto de partida de toda leitura. Mesmo da mais ortodoxa e dogmática leitura crítica.... "
"Mais ainda: que a crítica literária é uma espécie disfarçada, envergonhada, arrogante, de ficção...