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segunda-feira, 21 de abril de 2014

Pra que serve o Legislativo?

20/04/2014 às 09h32 

 Anatomia de uma maracutaia Elio Gaspari 

 A doutora Dilma Rousseff ganhou um presente. A Câmara e o Senado puseram a bola na marca do pênalti, para que ela vete o dispositivo da Medida Provisória 627, que alivia as multas devidas pelos planos de saúde que negam aos clientes o atendimento contratado. Enfiaram num texto que tratava de outros assuntos uma nova sistemática para a cobranças dessas penalidades. É o PróDelinquente. Se uma operadora nega ao freguês um procedimento médico, ele se queixa à Agência Nacional de Saúde e tem seu direito reconhecido, a empresa deve pagar uma multa de R$ 2 mil. Se essa mesma empresa nega dez procedimentos, pagará R$ 20 mil. Com a mudança, se o plano de saúde negar de dois a 50 procedimentos, pagará duas multas (R$ 4 mil, em vez de até R$ 100 mil). Daí em diante, haverá uma escala. Quanto pior o serviço da operadora, menor será a multa. A empresa que estivesse espetada com mais de mil multas pagaria apenas o equivalente a 20. Incentivando a infração, se um plano nega dois procedimentos, paga R$ 4 mil. Se nega mil procedimentos, paga R$ 40 por cada infração. O PróDelinquente foi um dos 523 contrabandos enfiados na MP 627. Como emenda parlamentar não é o vírus da gripe, que vem no ar, alguém a pôs no texto. O relator da Medida Provisória foi o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ele chegou a defender o dispositivo durante a votação pela Câmara. Dias depois, recuou, explicando-se: a mágica foi discutida com os ministérios da Saúde e da Fazenda, bem como com a Casa Civil da Presidência. Como esses prédios não falam, faltou dizer com quem discutiu o assunto. Além de Cunha, o relator da MP, não há registro de outro parlamentar patrocinando a iniciativa. A mágica foi aprovada na Câmara com o beneplácito das lideranças do governo e da oposição. Remetida ao Senado, aconteceu a mesma coisa. Tantos são os interesses embutidos na MP que os senadores preferiram apressar a tramitação, esperando que a doutora Dilma vete o PróDelinquente. Criou-se um novo absurdo. Os senadores abdicaram da prerrogativa republicana do consentimento. Se o Senado aprova um projeto esperando que o Executivo vete a maluquice, fica a pergunta: para que serve o Senado, cujos doutores têm assistência médica gratuita? Quando a doutora Dilma vetar o PróDelinquente (se vetar), ficará no heroico papel de defensora da Viúva, dos pobres e dos oprimidos, mesmo sabendo-se que seu governo e sua base aliada permitiram que o contrabando fosse colocado na Medida Provisória e aprovado no Congresso.
 Uma lição que vem da China O doutor Eduardo Cunha, relator da MP 627, fez uma breve villegiatura pela China. Teve a oportunidade de conhecer a inovação que o presidente Xi Jinping introduziu na política do Império do Meio. Convivendo com uma cleptocracia na qual há espertalhões amigos e inimigos, ele parece ter mudado o padrão de combate aos larápios. Há dois anos, ele afastou o czar da segurança chinesa (Zhou Yongkang, mas não adianta tentar memorizar esse nome). Desde então, dedica-se a desmantelar seu aparelho. Na semana passada, prendeu pelo menos dois mandarins, mas a novidade está em outra ponta. Em vez de sair prendendo, o companheiro avança sobre o patrimônio dos comissários. Com todas as ressalvas que devem acompanhar detalhes da política interna chinesa, já teriam sido confiscados US$ 14,5 bilhões de 300 amigos e protegidos do comissário. Antes de ir para o aparelho de segurança, ele fez fama na burocracia do petróleo. Condenar ladrão a viver como pobre talvez seja mais prático do que mantê-lo na cadeia.
 A pior tacada A Comissão de Valores Mobiliários encaminhou à Polícia Federal o inquérito que trata de tráfico de informações com operações das empresas de Eike Batista nas bolsas de valores. Quando a OGX parecia ser uma fábrica de milionários, Eike, o homem mais rico do Brasil, foi a um jantar em Miami, na casa do milionário Jeffrey Soffer, marido da modelo Elle McPherson. Lá, conversando com Alex Rodriguez, que estava com sua mulher, Cameron Diaz, disse-lhe que nos próximos dias sua empresa anunciaria fantásticas descobertas de petróleo. Alex, o melhor jogador de beisebol dos dias de hoje, sacou o telefone, foi para um canto e conversou com seu corretor. Trouxe de volta o recado do operador: Ele disse para eu esquecer essa história e não voltar a mencioná-la, porque, se o fizesse, iríamos os dois para a cadeia. Grande corretor. Alex Rodriguez esteve a um passo   da pior tacada de sua vida. Cada dólar que tivesse posto na OGX valeria hoje um centavo.
  PT Pela primeira vez desde 2005, quando surgiu o escândalo do mensalão, o PT enfrenta uma divisão perigosa. De um lado, a turma do partir para cima, defendendo qualquer companheiro, em qualquer situação, liderada pelo deputado Cândido Vaccarezza. De outro, o grupo que prefere jogar alguma carga ao mar. Nele, fica o presidente do partido, Rui Falcão. Falta pouco para que se possa dizer que a nação petista tem dois blocos: um com alguma ideologia e algum fisiologismo; outro, só com fisiologismo.
  Aritmética As últimas pesquisas são insuficientes para que se preveja o resultado da próxima eleição, mas uma mesma conclusão atravessa todos os números: o PT está sem puxador de votos. Um mau desempenho da doutora Dilma afetará todo o partido. Cobras da PF O andar de cima da Polícia Federal, como o Itamaraty, é um ninho de cobras que alimentam inconfidências sobre promoções e remoções. O último assunto desse ofidiário são as transferências ocorridas nos quadros da Polícia Federal do Paraná, onde rolam as investigações sobre as atividades do doleiro Alberto Youssef e suas conexões no triângulo dos três pês: PT, PP e Petrobras.
  Tropa na Copa O Planalto está com transtorno bipolar quando lida com a Copa. Como diria a doutora Dilma, no que se refere aos seus discursos, ela anuncia que não vai tolerar desordens e que as Forças Armadas serão mobilizadas para garantir a ordem. Conversa de comissário de polícia. No que se refere à marquetagem, contrata agências de publicidade para adocicar o evento. Presidente zangado, o Brasil já teve um, o general João Figueiredo (1979-1985). Deu no que deu.
  García Márquez Para a memória de Gabriel García Márquez: Havia um jantar em Havana, e Fidel Castro, um retardatário imperial e compulsivo, chegou atrasado. Faltava Gabriel García Márquez. Quando ele chegou, o Comandante alfinetou-o: As pessoas mais importantes sempre são as últimas a chegar. Por isso, e também porque vim de longe, respondeu o escritor.

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