O corpo perfeito e a realidade. Por Juliana Doretto
Na 'Visita' de hoje, Juliana decide aceitar-se como é, à luz do sol
DE LISBOA
20/07/2014 06h00
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Chegou o verão aqui na Europa e, com ele, o meu desconforto em usar biquíni. Ir à praia para mim é sempre revelar em público as limitações do meu corpo: a gordura indesejada na barriga; as coxas volumosas demais; a celulite; as estrias...
Com o tempo, a imensidão do mar e a calmaria que ele me traz me fazem esquecer, por momentos, a protuberância na região abdominal. Mas, antes disso, na hora de tirar o short, vêm uma certa vergonha e a lembrança das horas não passadas na academia.
Cuido da alimentação e não sou nada sedentária, apesar de detestar os instrumentos de tortura da musculação. Mas Deus ou a genética ou minha dieta (ou os três) deram-me gordura em locais que me fazem fugir do corpo escultural. E, pelo que olho na praia, a Divina Providência fez várias mulheres assim, como eu.
Nas mais novas, a barriga “chapada” é minoria. Nas mais velhas, há marcas da gravidez e da gravidade. Mas não somos nós, com quilinhos demais e músculos rijos de menos, que aparecemos nas capas de revista e no cinema. Pelo menos não nos dias de hoje.
Estava num posto de gasolina do Algarve, região com praias magníficas, no sul de Portugal, quando entrou na loja de conveniência uma moça com padrões corporais iguais aos das revistas vendidas ali também. Eu, que fui atendida depois da bela senhora, ouvi os comentários dos funcionários sobre as suas qualidades físicas. Eles falavam, nem sempre com palavras muito suaves, de seu corpo escultural, da sua boa altura, de suas curvas bem desenhadas.
Então, parece que nem sempre os estereótipos ficam só nas fotografias das modelos: os homens, de vez em quando, os incorporam.
Gostaria de dizer que as mulheres aceitam o corpo que têm e o que escrevo aqui tem a ver apenas com as minhas inseguranças. Mas os relatos que ouço de outras mulheres me fazem pensar que não estou sozinha nessa sensação.
A observação também me ajuda na confirmação dessa tese. A praia europeia permite o topless. Não é escolha da maioria, mas também não é opção só das que se encaixam nos padrões de beleza contemporâneos. Há mulheres com mais idade (e mais ação da gravidade) de peito nu. E há as que estão “com tudo em cima”, seja lá o que for esse “tudo” e esse “em cima”.
O olhar dos homens banhistas é, em geral discreto, feito de modo a não despertar a atenção daquela que está sendo admirada. As mulheres, por sua vez, fixam os olhos no peito alheio. O que pensarão elas? Reprovação pela seminudez? Inveja dos seios rijos? Desejo de ter coragem de fazer o mesmo? De todo modo, é inegável que o espelho do corpo feminino alheio desperta reações nas mulheres.
De volta à cidade, me olho no espelho de casa, protegida dos olhos públicos. Viro, desviro. Vejo as gordurinhas que me incomodaram na praia. Relativizo algumas, confirmo o desgosto por outras.
Pondero: caminho seis quilômetros, três vezes por semana. Busco, sempre que possível, seguir a dieta mediterrânea. Não irei muito além disso: é o que estou disposta a fazer pela saúde e pela forma. Se decido não gastar mais horas com meus músculos, o que posso fazer? O jeito é aceitar o que sou, comprar uma roupa de banho confortável e me entregar ao mar. Dentro dele, nem me lembro de que tenho um corpo.
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