Cartas de Buenos Aires:
A pobreza argentina só aumenta
Buenos Aires, por exemplo, esconde detrás de uma de suas avenidas mais elegantes, a Avenida Libertador, uma favela enorme, perto dos trilh-os da linha de trem
Há dois meses, enquanto produtores frustrados com as políticas do governo doavam, como forma de protesto, frutas da colheita na Praça de Maio, no centro de Buenos Aires uma cena em particular comoveu os argentinos. Um senhor idoso que, alertado sobre a doação, saiu de casa a mais de duas horas de distância, descobriu tratar-se de um ato simbólico no qual as frutas se acabaram em poucos minutos. Frustrado, chorou diante das câmeras de um canal local.
O aposentado contou que recebia uma pensão correspondente a pouco mais de mil reais e sustentava um filho de 18 anos, que há meses não comia uma fruta. Tinha a expectativa de chegar ao fim de sua vida com um pouco mais de dignidade.
Segundo dados oficiais, divulgados essa semana, o idoso é parte dos quase 10 milhões de argentinos considerados pobres pelas estatísticas oficiais. Ou seja, quase um, em cada três argentinos, está na pobreza.
É um dado alarmante. A gestão anterior de Cristina Kirchner não divulgava estatísticas sobre a pobreza do país pois, segundo o ex-Ministro da Economia, Axel Kicillof, os índices “estigmatizam” os pobres.
Buenos Aires, por exemplo, esconde detrás de uma de suas avenidas mais elegantes, a Avenida Libertador, uma favela enorme, perto dos trilhos da linha de trem. É uma grande cidade de miséria, com cerca de 50 mil habitantes, cuja quase invisibilidade assusta tanto quanto seu tamanho. Está ali, mas ninguém vê, assim como os pobres que tiveram que esperar que as estatísticas oficiais viessem à tona para existir aos olhos do resto da Argentina.
As desculpas começavam pela xenofobia: “a maioria vem dos países limítrofes, como Paraguai e Bolívia, e escolhem viver na favela com outros parentes”. E terminavam por desnudar um país míope que não enxerga além de sua capital. Uma ida ao empobrecido norte argentino e todas essas teorias caem por terra.
O atual governo até tentou atribuir a terrível situação de pobreza do país à gestão anterior. Mas não existem mocinhos e bandidos. Mauricio Macri assumiu há nove meses. Desde então, o índice de desemprego só aumentou. O Presidente retirou os subsídios e deixou soltos os preços. Portanto, disparou a inflação. Não aplicou medidas paliativas e empurrou aqueles que já olhavam a pobreza à pouca distância para o outro lado da linha.
O resultado é o que os argentinos lamentam com a alma pesarosa de tango: de um dos países mais ricos do mundo nos séculos anteriores à sentença de terceiro mundismo, tal qual todo o restante da América Latina.
A classe média igualmente se desespera pois está acuada entre contas de gás e aumentos exorbitantes.
E pensar que, no começo do século passado, costumava-se dizer na Europa “fulano é tão rico como um argentino”.
Buenos Aires nas lentes do fotógrafo argentino Marcos Lopez (
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