Em mandato na Câmara, Marielle Franco defendeu minorias
Em seu último discurso no plenário, vereadora do PSOL desabafou ao ser interrompida: 'Vai ter que aturar mulher negra, trans, lésbica, ocupando a diversidade dos espaços'.
Por Gabriel Barreira, G1 Rio
Cria da favela da Maré, como a própria se definia, Marielle Franco (PSOL) foi assessora parlamentar do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) por 10 anos. Na última eleição, decidiu ela própria mergulhar de vez na política. Com mais de 46 mil votos, surpreendendo até mesmo o próprio partido, a socióloga formada na PUC-Rio se elegeu vereadora: a quinta mais bem votada no Rio. Empossada, assumiu a defesa de minorias, como prometido durante a campanha.
Em pouco mais de um ano, apresentou cerca de 20 projetos de lei. Dois foram aprovados. As propostas de sua autoria que não chegaram à aprovação tratam da elaboração de um dossiê sobre a vitimização feminina, a implementação de uma campanha contra o assédio sexual e o apoio ao desenvolvimento cultural do funk.
Elta também propôs a celebração de datas como a da luta "contra o encarceramento da juventude negra" ou a do enfrentamento contra a homofobia. Os dois projetos que passaram pelo crivo dos outros vereadores e pela sanção do prefeito Marcelo Crivella (PRB) foram assinados em conjunto com colegas:
- Restrição de funções que podem ser exercidas por Organizações Sociais (OSs) em hospitais
- Legalização da profissão de mototaxistas.
Como presidente da Comissão permanente da Defesa da Mulher na Casa, Marielle emitiu parecer favorável a projetos como o de seu correligionário Renato Cinco que "proíbe inquirir sobre a orientação sexual" em empresas públicas ou pivadas. No Dia da Mulher, quando falou pela última vez como parlamentar no plenário da Casa, fez uma homenagem à data e propôs uma reflexão.
"O que é ser mulher? O que cada uma de nós já deixou de fazer ou fez com algum nível de dificuldade pela identidade de gênero, pelo fato de ser mulher? A pergunta não é retórica, ela é objetiva, é para refletirmos no dia a dia, no passo a passo de todas as mulheres, no conjunto da maioria da população, como se costuma falar, que infelizmente é sub-representada", disse a vereadora.
Comissão sobre a Intervenção
Marielle havia sido recém-nomeada, em fevereiro, relatora na comissão de representação da Câmara Municipal em Brasília para acompanhar a Intervenção Federal na Segurança Pública fluminense. Publicamente, já havia dito que era contra a atuação do Exército.
"Nesse período, por exemplo, em que a intervenção federal se concretiza na intervenção militar, eu quero saber como ficam as mães e os familiares das crianças revistadas. Como ficam as médicas que não podem trabalhar nos postos de saúde? Como ficam as mulheres que não têm acesso à cidade?", questionou na última vez que usou microfone do plenário da Câmara dos Vereadores, no dia 8.
Nesta quinta-feira, um dia após sua morte, o novo chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, disse que o crime "atenta contra a democracia". Barbosa disse que era amigo de Marielle, depois que foi apresentado a ela por Marcelo Freixo.
Há uma semana, Marielle discursava em plenário quando foi interrompida por um homem que acompanhava a sessão plenária da tribuna e gritou.
"Tem um senhor que está defendendo a ditadura e falando alguma coisa contrária? É isso? Eu peço que a Presidência da Casa, no caso de maiores manifestações que venham a atrapalhar minha fala, proceda como fazemos quando a galeria interrompe qualquer vereador", rebateu, para pouco depois concluir.
"As mulheres negras, por exemplo, quando passam na rua, ainda ouvem homens que têm a ousadia de falar do quadril largo, das nádegas grandes, do corpo, como se a gente estivesse no período de escravidão. Não estamos, querido! Nós estamos no processo democrático! Vai ter que aturar mulher negra, trans, lésbica, ocupando a diversidade dos espaços".
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