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terça-feira, 28 de junho de 2016

José Casado...> "Mais de 800 mil servidores públicos federais foram vítimas de fraude no sistema de créditos consignados."

terça-feira, junho 28, 2016

Silêncio no sindicalismo - 

JOSÉ CASADO

O GLOBO - 28/06

A quietude sobre maracutaias no crédito aos servidores, na Petrobras e nos fundos de pensão é a trilha sonora das fissuras na base sindical do PT: 46% da CUT são do setor público


Mais de 800 mil servidores públicos federais foram vítimas de fraude no sistema de créditos consignados.

A imposição de taxa extra sobre cada pagamento realizado nos últimos cinco anos por funcionários endividados proporcionou ganho lotérico (mais de R$ 100 milhões) a pessoas vinculadas ao PT, na maioria emergentes do ativismo sindical. A polícia prendeu um ex-ministro de Lula e Dilma, Paulo Bernardo.

Roubados, também, foram mais de 500 mil sócios dos fundos de pensão de Petrobras, Caixa e Correios. Devem atravessar as próximas duas décadas com cortes na renda de aposentadorias e pensões. Os negócios suspeitos da última década corroeram o patrimônio de Petros, Funcef e Postalis, que somaram déficit de R$ 33,6 bilhões apenas no ano passado. Metade da conta será paga pela sociedade, via aportes extras das empresas estatais.

As estranhas transações foram realizadas por gestores vinculados ao PT de Lula e Dilma e ao PMDB de Michel Temer, Renan Calheiros e Eduardo Cunha. A maioria teve origem no ativismo sindical e ascendeu no loteamento político.

Sindicalismo não é sinônimo de rapinagem. Porém, merece reflexão o fato de que nos últimos 12 anos os principais gestores dos fundos de Petrobras, Banco do Brasil, Caixa e Correios tenham saído das fileiras do Sindicato dos Bancários de São Paulo. Vieram dali, também, expoentes da burocracia do PT como Ricardo Berzoini, ex-presidente, e João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do partido, arquitetos de outra iniciativa que redundou em fraude, a Bancoop.

A opção pela alavancagem de ativistas sindicais ao papel de gestores, no loteamento político das estatais e fundos de pensão, foi uma característica dos governos Lula e Dilma. Foi assim que Petrobras ganhou dois Josés (Dutra e Gabrielli).

As razões tiveram mais a ver com perspectivas de poder e negócios do que com ideologias. Havia um projeto de mando, desenhado desde os primórdios do PT e da CUT, por Luiz Gushiken, então presidente dos bancários de São Paulo.

Casta emergente no PT, os sindicalistas atuaram como força-tarefa, privilegiando algumas empresas no acesso às gôndolas de dinheiro público, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador, fonte dos recursos subsidiados do BNDES.

Exemplar é o caso de Marcelo Sereno, antigo dirigente do PT e chefe de gabinete da Casa Civil sob José Dirceu. Sereno é personagem recorrente nos escândalos da Loterj, mensalão, da Petrobras e dos fundos de pensão. Sua biografia une a direção da CUT-Rio, Dirceu, os ex-governadores Anthony Garotinho e Benedita da Silva, o presidente do PT-Rio Washington Quaquá, o deputado suspenso Eduardo Cunha e figuras como Ricardo Magro, dono de 21% do grupo Galileo.

Preso ontem, Magro está no centro de uma fraude a 350 mil associados da Petros e Postalis — negócio de R$ 80 milhões com debêntures de universidades, que prejudicou também 15 mil estudantes no Rio, na maioria pobres e dependentes do crédito governamental.

É notável o silêncio sobre as maracutaias no crédito consignado ao funcionalismo, na Petrobras e nos fundos estatais, entre outras. É a trilha sonora das fissuras na maior base sindical do PT: 46% dos vinculados à CUT pertencem ao setor público.

terça-feira, 31 de maio de 2016

"A multiplicação de patetas" / José Casado

terça-feira, maio 31, 2016

A multiplicação de patetas - 

JOSÉ CASADO

O GLOBO - 31/05

De Sarney a Lula, de Dilma a Renan, o que choca é a naturalidade da conivência, o ambiente de cumplicidade, a consciência de ilícitos, sem lembrança do interesse público


A conversa ganhou um tom confessional:

— O Michel, presidente... Eu contribuí pro Michel.

— Hum...

— Não quero nem que o senhor comente com o Renan. Eu contribuí pro Michel pra candidatura do menino... Falei com ele até num lugar inapropriado... na Base Aérea.

— Mas alguém sabe que você me ajudou?

— Não, sabe não. Ninguém sabe, presidente.

Com oito décadas e meia de vida, seis delas dedicadas ao artesanato da imagem de raposa política, o ex-presidente José Sarney conversou com o aliado Sérgio Machado com a naturalidade de quem se imagina com poder de influir sobre ministros do Supremo ou qualquer magistrado. Efeito, talvez, de meio século de interferências em indicações, promoções e remoções de juízes.

Na intimidade caseira, assentado na longa convivência e conivência com Machado, sentiu-se confortável para confessar a “ajuda” secreta do ex-presidente da Transpetro, que sabia estar sob investigação por corrupção em negócios feitos durante uma década no grupo Petrobras.

Trombou no gravador ambulante e, pela própria voz, colocou-se sob suspeitas. A “contribuição” sigilosa e outras transações agora devem ser expostas pelo mais novo “colaborador do complexo investigatório denominado Caso Lava-Jato” — identificação de Machado no acordo recém-homologado pelo juiz Teori Zavascki.

Hipocondríaco, Sarney procurava um elixir político, como também faziam Lula, Dilma Rousseff, Renan Calheiros, Romero Jucá e outros do PT, PMDB, PP e PSDB. Lula, por exemplo, começara o ano mobilizando sua tropa aliada no Congresso para modificar a essência das leis sobre colaboração de pessoas físicas e empresas. A origem delas remonta a abril de 1989 na Câmara, na comissão criada por iniciativa de Miro Teixeira, com participação de Michel Temer, relator, do então deputado Sigmaringa Seixas, hoje advogado de Lula, e José Genoino, ex-presidente do PT.

Lula, com a mesma singeleza de Sarney, julga decisivo o seu seu poder de influência. Na manhã de segunda-feira, 7 de março, por exemplo, queixava-se ao prefeito do Rio, Eduardo Paes, dos “meninos” do Ministério Público: “Eles se sentem enviados de Deus”. Paes concordou: “Os caras do Ministério Público são crentes, né?”. Lula reforçou: “É uma coisa absurda (...) Eu acho que eu sou a chance que esse país tem de brigar com eles pra tentar colocá-los no seu devido lugar. Ou seja, nós criamos instituições sérias, mas tem que ter limites, tem que ter regras...” Antes de dormir, falou ao advogado Sigmaringa Seixas de sua frustração com Rodrigo Janot. Lula entendia que ele tinha um dever a cumprir, a genuflexão em agradecimento por nomeá-lo procurador-geral da República: “Essa é a gratidão... Essa é a gratidão dele por ele ser procurador” — lamentou.
De Sarney a Lula, de Dilma a Jucá e Renan, os grampos escandalizam porque expõem o modo arcaico de se fazer política no Brasil. Há delitos previstos no Código Penal. Chocante, porém, é a naturalidade da conivência, o ambiente de cumplicidade, a consciência de ilícitos dos agentes públicos. É notável que os diálogos gravados não contenham sequer resquícios de lembrança do interesse público, ou mesmo referências à honestidade. Convergem na intenção de “acabar” com as investigações, em autodefesa. Talvez seja o milagre da multiplicação de patetas.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Pode ficar pior... ! / José Casado

Foi ruim? Pode piorar - JOSÉ CASADO

O Globo - 19.04 

Quem se chocou com as cenas da votação na Câmara, pode ter certeza de que só viu as cenas mais suaves. Governo e Congresso são prisioneiros de uma crise de legitimidade

Ganharam os historiadores. Terminaram a semana com fartura de material sobre o anacronismo dos métodos de se fazer política no Brasil. Quem se chocou com a votação da Câmara, pode guardar a certeza de que só assistiu às cenas mais suaves.

São duas as razões para as sucessivas evocações a Deus, na votação que deflagrou a destituição do governo Dilma. Primeiro, Ele nunca reclama. Segundo, todos sabem que é o único sem qualquer culpa nessa história.

A retórica chula, às vezes ressentida, predominante no microfone da Câmara, continha uma mensagem objetiva sobre o estado de decomposição das relações entre as forças políticas dominantes. Governo e Congresso estão enjaulados numa grave crise de legitimidade.

O Judiciário contribuiu, de forma decisiva, na última década. O Supremo Tribunal Federal estimulou quando abriu uma janela para o florescente negócio da criação de partidos.

Eliminou a exigência de desempenho eleitoral mínimo (cláusula de barreira) e mudou a “propriedade” do mandato. Subtraiu-a do eleitor e entregou à burocracia partidária.

Já são 35 partidos com registro oficial. Na vida real, são pessoas jurídicas de direito privado, com acesso privilegiado aos cofres públicos. Têm garantido o usufruto de propaganda no rádio e na televisão, sustentada por isenções fiscais. E, também, a garantia de uma fatia do orçamento federal, via Fundo Partidário, estimada em R$ 900 milhões neste ano.

Os governos Lula e Dilma metabolizaram essa fragmentação no delírio da montagem da “maior base parlamentar do Ocidente”, como definia José Dirceu. Ampliaram para quatro dezenas os ministérios e aumentaram para 23 mil os cargos-chave na administração utilizáveis segundo a conveniência política, além da partilha do comando das empresas estatais. Deu no mensalão e nos inquéritos sobre corrupção na Petrobras e outras empresas estatais.

Quem ficou chocado com as cenas do início do impeachment, talvez se apavorasse com o mercado livre que antecedeu a votação em Brasília.

Lula, principal negociador das salvaguardas ao mandato de Dilma, descreveu como uma “Bolsa de Valores”. Deputados comentavam as “cotações” do relativismo ético: R$ 1 milhão por ausência, R$ 2 milhões pelo voto no plenário.

O pacote incluía adicionais em cargos, créditos e mimos diversos para prefeitos e governadores aliados — da desapropriação de terras à doação de áreas cultiváveis na floresta amazônica, parte em terras indígenas.

No caos, o PT de Lula e Dilma passou a disputar espaço com novos aliados, como o Partido Trabalhista Nacional. Chapadinha, deputado pelo PTN, levou uma diretoria do Incra no Pará. Os petistas locais souberam da negociação e promoveram uma greve no Incra de Santarém.

No sábado, véspera da votação, imprimiu-se uma edição extra do Diário Oficial. Ficaram visíveis 63 nomeações emergenciais para 22 órgãos federais. Dilma perdeu por 72%.

É com essa lógica anacrônica que os generais de Dilma preparam a batalha final no Senado. O governo acha que tem 22 votos. Precisa garantir mais seis e somar 28 para evitar o “Tchau, querida!” dos senadores.

Deus, é claro, não tem nada com isso.

terça-feira, 12 de abril de 2016

Um governo fora dos trilhos... / José Casado

Trem fantasma

Um trem sem destino certo com um porto sem acesso devido à ferrovia imaginária sugerem a dimensão do desgoverno instalado. Essa é a essência do debate sobre o impeachment
José Casado, O Globo
Trem abandonado (Foto: Arquivo Google)
São 1.527 quilômetros desde os campos de melancia e soja de Figueirópolis, no Tocantins, até o mar na Ponta do Malhado, porto sonhado na Ilhéus do início do século XX pincelada por Jorge Amado no romance sobre a sertaneja retirante Gabriela, pele da cor de canela, perfume de cravo, rosa na orelha, sorriso nos lábios e desejo sempre boiando no ar.
Lá no cais enferrujam 60 mil toneladas de trilhos comprados à China e à Espanha para a ferrovia “da integração da Bahia com o Centro-Oeste" anunciada por Lula em 2006, e renovada por Dilma em comícios nas duas últimas campanhas presidenciais.
Uma década se passou e menos de um terço dos carris foram cravados no solo. Essa via férrea mal começou a sair do papel, e já consumiu R$ 4 bilhões em dinheiro público.
Seria comum na paisagem político-administrativa onde quase tudo parece construção, mas já é ruína. O extraordinário é que o plano dessa estrada de ferro estabelece, literalmente, a ligação da vila de cinco mil habitantes no sul do Tocantins a lugar nenhum.
Não é trivial, como costuma repetir a presidente. O governo constrói uma ferrovia que “não prevê o exato ponto final de destino" do trem — constataram auditores do Tribunal de Contas da União em relatório concluído há dez dias, depois de analisar a documentação produzida durante mais de uma década pelo Ministério dos Transportes e pela empresa estatal Valec, sob supervisão da Agência Nacional de Transportes Terrestres.
Se já era ruim, ficou muito pior, demonstrou o relator do caso no TCU, André Luis de Carvalho: enquanto Brasília tocava a partitura eleitoral da bilionária construção de um trecho ferroviário que não desembocaria em porto nenhum, em Salvador o governo estadual regia o início de obras de R$ 3 bilhões, para erguer em Ilhéus um complexo portuário “sem o devido acesso ferroviário".
Lula e Dilma entregaram a área de Transportes ao Partido da República (PR), liderado pelo ex-deputado Valdemar Costa Neto, cujo prontuário de carceragem resume a história recente do balcão de negócios instalado no Congresso — do mensalão ao processo de impeachment em andamento, incluídos os inquéritos sobre corrupção na Petrobras e outras estatais.
Numa simbiose com Costa Neto, Lula levou o “querido companheiro Juquinha", José Francisco das Neves, para o comando da Valec. Dilma o manteve por um tempo. Mês passado o “querido companheiro" foi preso, acusado de corrupção pela Camargo Corrêa, uma das empreiteiras que privilegiou em acordos que incluíam o PT e o PMDB do vice Michel Temer, um político sempre inebriado com a própria voz diante do espelho.
Um trem sem destino certo com um porto sem acesso devido à ferrovia imaginária sugerem a dimensão do desgoverno instalado. Essa é a essência do debate sobre o impeachment. De Lula a Temer, não há inocentes, como se vê no julgamento em curso na Câmara.
Os líderes prosseguem na condução do espetáculo de um trem fantasma, sem porto previsto para chegar. Todos sabem que no fim haverá uma plateia de eleitores empobrecidos numa economia devastada. É previsível: o troco das ruas virá nas urnas.
José Casado é jornalista

terça-feira, 5 de abril de 2016

""Mais de um terço dos recursos de trabalhadores aplicados via FI-FGTS nos últimos oito anos foi direcionado a uma dezena de empresas, hoje processadas por crimes de cartel, corrupção, lavagem de dinheiro em negócios com a Petrobras e outras estatais..." / José Casado


POLÍTICA

Perdas e danos

Recursos de trabalhadores aplicados via FI-FGTS nos últimos oito anos foi direcionado a uma dezena de empresas, hoje processadas por crimes de cartel e corrupção
FGTS (Foto: Arquivo Google)
José Casado, O Globo
O dinheiro é fácil e barato para empresários com amigos no centro do poder. O lucro é certo para empresas privadas privilegiadas.
É jogo de um único perdedor, a quem nem é preciso dar satisfações: trinta milhões de pessoas, submetidas à poupança compulsória no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, donas de um patrimônio bilionário (mais de R$ 207 bilhões, em janeiro).
Sobram perdas para os trabalhadores, a começar pela corrosão monetária (TR+ 3% ao ano) imposta ao fundo.
Há muito mais. Neste mês reluz o reconhecimento do prejuízo de R$ 1 bilhão investidos na Sete Brasil — figurante em dois de cada três inquéritos criminais no Supremo e na Justiça Federal sobre a megalomania, má gerência e corrupção que devastaram a Petrobras nos governos Lula e Dilma.
Sete Brasil é apenas um dos negócios ruins na carteira FI-FGTS. Trata-se de um braço do Fundo de Garantia, criado em 2007, para ampliar a transferência de dinheiro barato dos cofres públicos para os de grupos privados já beneficiados por um banco estatal, o BNDES, com empréstimos a custos abaixo do mercado. Detalhe relevante é que o FI-FGTS também financia o BNDES, onde aplica 19% do patrimônio.
Recursos da poupança compulsória dos trabalhadores, já dilapidada pelos padrões de baixo rendimento e indigente governança, passaram a ser partilhados entre empresas de imóveis, saneamento, petróleo, aeroportos, estaleiros, papel e celulose. Houve significativa concentração em poucas empresas privadas, a maioria de capital fechado.
Resultado: mais de um terço dos recursos de trabalhadores aplicados via FI-FGTS nos últimos oito anos foi direcionado a uma dezena de empresas, hoje processadas por crimes de cartel, corrupção, lavagem de dinheiro em negócios com a Petrobras e outras estatais. Todas estão à beira do precipício, e com o dinheiro de trinta milhões de pessoas.
Metade dos recursos usados para compra de participações acionárias foi dirigida ao grupo Odebrecht. Uma das beneficiárias foi a Odebrecht Ambiental, de saneamento. Em 2013, o FI-FGTS pagou R$ 315 milhões para aumentar em 5% sua posição no controle (30% do capital).
Esse investimento equivalia a uma avaliação da empresa em R$ 6,3 bilhões, ou seja, 22 vezes seu lucro operacional registrado em 2012 (R$ 273 milhões). A exorbitância foi percebida porque valorizava a empresa numa escala seis vezes acima da maior do setor, a Sabesp.
Mensagens eletrônicas que levaram à prisão de Marcelo Odebrecht, um dos acionistas, lançaram luz sobre suas relações com o representante da Central Única dos Trabalhadores no Comitê de Investimentos do fundo FI-FGTS, André Luiz de Souza.
O jogo de interesses obscuros se repete na década, sempre com placar final certo — prejuízo para os donos do patrimônio do Fundo de Garantia. Quando se amplia o horizonte, percebe-se que as perdas provocadas pelas estranhas transações já superam R$ 100 bilhões. É a dimensão do rombo somado em 2015 pela Petrobras, Eletrobras, Correios e fundos de pensão estatais (Previ, Petros, Funcef e Postalis). Nos Correios a situação ficou tão crítica que a estatal só garante o pagamento de salários até setembro.
José Casado é jornalista

quarta-feira, 30 de março de 2016

Governo e Congresso precisam de oftalmologista para apreciar a situação atual o Brasil / José Casado

29/03/2016
 às 16:35 \ Opinião

José Casado: Perdidos na escuridão

Publicado no Globo
─ Como é a cegueira?
— Uma das primeiras cores que se perde é o negro — respondeu o escritor de 86 anos, há quatro décadas sem visão. — Perde-se a escuridão e o vermelho também… Naquela direção, onde está a janela, há uma luz. Vejo movimento mas não coisas. Não vejo rostos e letras.
A névoa densa na política deste outono deixou governo e Congresso em estado de anopsia similar ao descrito por Jorge Luis Borges na sua última entrevista, em 1985, ao repórter Roberto D’Ávila. A bruma encobre a transformação do país numa fábrica de desilusões.
Foram 13.100 novas demissões a cada dia útil dos últimos 12 meses no mercado formal de trabalho. Antes do carnaval, pesquisadores do IBGE contaram nove milhões de pessoas à procura de ocupação em 3.500 cidades. A perspectiva é de que esse contingente aumente para 13 milhões no segundo semestre.
Encerra-se o capítulo da “inclusão social”, celebrado na marquetagem eleitoral da última década, com uma combinação nefasta de mais desemprego e declínio na renda familiar dos mais pobres (7,4%). A reversão do bem-estar social, pelo aumento na desigualdade, acaba de ser confirmada por pesquisadores como Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas.
Há um fenômeno novo, detectou a Associação das Empresas de Transportes Urbanos: as pessoas reduziram seu movimento nas maiores cidades. Ônibus levam menos um milhão de passageiros por dia, em comparação a 12 meses atrás. Na periferia, segundo a entidade, cresceu a preferência pela viagem de bicicleta ou a pé.
Na região mais industrializada registrou-se o fechamento de 20 fábricas a cada dia útil, informa a Junta Comercial do Estado de São Paulo. Perderam-se 4.451 indústrias paulistas, 24% mais que nos 12 meses anteriores. Agora, avança-se no quarto ano seguido de recessão, com inflação alta e recorde mundial de juros.
Governo e Congresso se mantêm numa cegueira deliberada. A oposição em transe dedica-se à demolição de pontes para o futuro com “bombas” legislativas, como a de R$ 330 bilhões da semana passada, que turvou uma das raras iniciativas construtivas dos últimos tempos — o acordo feito pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) para aprovação da Lei das Estatais.
O governo perde-se em desvarios. Dilma Rousseff fez do Planalto um escritório de advocacia 24 horas. Faz comícios e, quando não insinua seu desejo de prisão para o juiz que autorizou o grampo do telefone de uma pessoa investigada, Lula, recita imaginário “golpismo” num pedido de impeachment, previsto na Constituição que o PT se recusou a subscrever.
Esconde que o seu partido, sob comando de Lula, apoiou nada menos que 50 petições similares contra três presidentes entre 1990 e 2002. Foram 29 contra Fernando Collor, quatro contra Itamar Franco e 17 contra Fernando Henrique Cardoso. Lula superou 34 pedidos de impeachment. Dilma somava 49 até ontem à noite — no último é acusada de usar seu poder constitucional para proteger um investigado, dando-lhe “auxílio direto” para escapar “do juiz natural das investigações”.
A luz sobre negociatas como modo de governo, nos inquéritos sobre corrupção, cegou os que fazem política. Tateiam paredes do labirinto da crise que construíram, e não enxergam a saída.

terça-feira, 22 de março de 2016

Locupletemos todos.... / José Casado

Nova frente - 

JOSÉ CASADO

O GLOBO - 22/03

Avançam investigações sobre a burocracia sindical, que conduziu negócios suspeitos na Petrobras e nos fundos de pensão, deixando um legado de prejuízos bilionários


As investigações em Curitiba avançam em uma nova frente, a do sindicalismo. Desde o início deste ano, duas dúzias de dirigentes sindicais dos setores químico, petroleiro e bancário passaram ao centro de inquéritos sobre corrupção na Petrobras e outras estatais.

Trata-se do lado até agora pouco visível da metamorfose de parte dos movimentos sindicais e sociais mais atuantes desde os anos 60 em grupamentos de agitação e propaganda alinhados ao Partido dos Trabalhadores.

Essa transformação foi possível graças à concepção corporativa da política disseminada na era Lula, num flerte com a alternativa da democracia direta. Parecia paradoxal, porque a premissa dessa forma de organização tende a resultar em governantes autômatos. Lula, no entanto, manipulou-a com astúcia. Metabolizou entidades e movimentos organizados. Viraram instrumentos.

A cooptação não se restringiu à vertente sindical trabalhista. Alcançou a Fiesp. O empresário Paulo Skaf, que encobriu com o manto do impeachment a exótica sede piramidal da Avenida Paulista, elegeu-se presidente da Fiesp em 2004 com auxílio de Lula, José Alencar e José Dirceu, em manobra conduzida por Aloizio Mercadante.

Fiel, continuou a burocracia sindical trabalhista, imobilizada em atividades remuneradas pelos cofres públicos. Ela mudou o foco do ativismo, concentrando-se na luta permanente pela impugnação das iniciativas de adversários do partido e do governo. Hoje, sobram porta-bandeiras em defesa de Lula, Dilma e também das empresas processadas por corrupção na Petrobras e em outras estatais. Só não se percebem evidências de preocupação com a origem, os métodos e as perdas resultantes dessa combinação de interesses cleptocratas.

Os efeitos se espraiam, por exemplo, nas estranhas transações decisivas para os déficits da Petrobras (R$ 34,5 bilhões em 2015) e dos fundos de pensão das estatais (Previ, Funcef, Petros e Postalis devem somar R$ 70 bilhões).

A conta vai subir. Na Petrobras, revelou a repórter Cláudia Schuffner, o Conselho de Administração pediu investigações sobre um elenco de decisões de sindicalistas responsáveis pela área de Recursos Humanos, com potencial de novas e bilionárias perdas para a companhia.

Em oito anos, esses burocratas sindicais aumentaram em 2.300% o passivo trabalhista da estatal. Passou de R$ 500 milhões para R$ 12,3 bilhões entre 2006 e 2014. É o dobro das perdas com corrupção registradas pela empresa.

Os delitos estão sendo mapeados. Calcula-se que o custo de algumas cláusulas dos acordos feitos com entidades como a federação dos petroleiros contribua para ampliar em R$ 40 bilhões, no médio prazo, o estoque de dívidas trabalhistas da empresa.

No papel de gestores, os burocratas sindicais inflaram os próprios ganhos (média de R$ 40 mil mensais). Entre outras coisas, permitiram-se adicionais equivalentes aos de periculosidade e de expediente noturno pagos aos “peões” das refinarias e das plataformas marítimas. Alguns lucraram em dobro: estenderam à faina noturna, em gabinetes confortáveis e refrigerados da sede na Avenida Chile, a intermediação (remunerada) de interesses de fornecedores privados em negócios com a companhia estatal.

quarta-feira, 9 de março de 2016

Lula não sabe pedir desculpas ao Brasil, à História, à sua biografia e ao caseiro Francenildo... / José Casado



08/03/2016
 às 16:36 \ Opinião

José Casado: Dez anos depois…Publicado no Globo 

Francenildo em frente à famosa casa
do lago Sul

Dilma Rousseff, ontem, em Caxias do Sul (RS), para militantes do Partido dos Trabalhadores: — O presidente Lula, justiça seja feita, nunca se julgou melhor do que ninguém.

Lula, sexta-feira, em São Paulo: — Antes deles (policiais, procuradores e juízes) já fazíamos as coisas corretas nesse país… Eu fui melhor que todos. Eu fui melhor que todos cientistas políticos, fazendeiros, advogados e médicos que governaram este país.
Lula é um hábil ator da política-espetáculo. Soube com antecedência e reagiu de forma estudada. “Vou ser preso ou vão fazer a minha condução coercitiva”, avisou na véspera a Gilberto Carvalho — contou o ex-secretário presidencial à repórter Natuza Nery.
O momento mais espontâneo da sexta talvez tenha sido a conversa gravada e divulgada pela aliada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Ao telefone com a presidente, Lula disse o que pensa sobre as instituições, sugerindo um rumo para o processo sobre corrupção na Petrobras: “Que enfiem…” Não se conhece resposta de Dilma.
Lula sabe, também, que deverá ser denunciado. É a tendência da Procuradoria com base em evidências sobre as finanças de cinco grandes empreiteiras, responsabilizadas por quase 70% da corrupção comprovada em negócios da Petrobras durante o governo Lula. Entre outras transações, os procuradores descreveram pagamentos de R$ 560 mil mensais ao ex-presidente, de 2011 a 2014. Lula defendeu-as: “Já se deram conta de que o salário de muita gente na Justiça vem dos impostos que pagam essas empresas?”
Preferiu dever respostas substantivas, como se desejasse entregar-se às suspeitas. Reverberou contra as instituições e voltou a sinalizar que a História é ele. Arrematou com seu estado de espírito: “Indignado”, “magoado” e “perseguido”.
Por coincidência, neste março completam-se dez anos daquela que talvez tenha sido a maior das injustiças cometidas pelo Estado brasileiro contra um cidadão comum: Francenildo dos Santos. Aos 24 anos, ganhava por mês (R$ 370) quase 1.500 vezes menos do que Lula recebeu das cinco empreiteiras do caso Petrobras.
Caseiro no Lago Sul, em Brasília, em 2006 testemunhou cenas dos porões do poder, como o trânsito de malas de dinheiro em ambiente de festas libertinas. Num ano eleitoral marcado pelo inquérito do mensalão, confirmou à repórter Rosa Costa que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, frequentava a casa.
Convocado à CPI, foi silenciado pelo senador Tião Vianna (PT), que obteve uma liminar no Supremo. O número do seu CPF foi levado da Secretaria da Receita, comandada por Jorge Rachid, para o Palácio do Planalto. Ali, Lula se reunia com o ministro Palocci e o presidente da Caixa, Jorge Mattoso. À noite, o ministro recebeu de Mattoso um envelope com a violação do sigilo bancário de Francenildo na Caixa, relatou o repórter João Moreira Salles.
O governo espalhou cópias de extrato bancário onde constava depósito de R$ 30 mil. Tornou o caseiro suspeito de corrupção, a soldo dos “inimigos” eleitorais. A farsa não durou. Foi comprovado que o dinheiro fora doado pelo pai do caseiro, em parcelas, para ajudá-lo a comprar uma casa.
Desempregado e com a vida vasculhada, Francenildo aguentou firme. Até sugeriu que a devassa se estendesse ao seu voto na eleição de 2002: ajudara a eleger Lula presidente, de quem jamais recebeu sequer um pedido de desculpas.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

O DNA de uma tragédia guardada em tela de telefone móvel / José Casado

terça-feira, fevereiro 23, 2016

Na memória do telefone - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 23/02

Preso, o empreiteiro Marcelo Odebrecht não fala, mas suas anotações orientam a investigação que, agora, passou a ter a colaboração direta do governo dos Estados Unidos


A prisão de “Vaca” o deixou inquieto. Àquela altura de abril de 2015, porém, mais preocupante era a situação de “RA”, um de seus principais assessores. Sempre dissera ao próprio e às famílias — inclusive à sua — que se algum dia pegassem alguém dele, iria “lá” para proteger. Assim fez no outono. Achou que “RA” seria preso, levou-o para casa. Aumentava o perigo, agora precisava pensar num Plano B.

Na madrugada de uma quinta-feira da primavera passada, pegou seu iPhone preto de bordas cinzas, abriu a pasta “Calendário” e começou — era um homem que anotava:

“Delação/fallback (RA)” — escreveu. O registro “fallback” era para não esquecer: alternativa extrema em cenário de prisão de “RA”, esgotados todos os recursos para livrá-lo.

Acrescentou: “— Livrar todos e soh eu.” Ou seja, nessa hipótese, “RA” aceitaria o acordo de delação, mas em bastes restritas: livraria todos, deixando-o exposto, sozinho, diante do juiz, procuradores e policiais federais.

Mostraria o plano a “RA”, e, com ele, passaria a todos a mensagem devida: no limite, era com ele — e, como até as crianças em casa sabiam, não entregava ninguém. Continuou desenhando um roteiro sobre o que “RA” diria num acordo. Por exemplo, sobre “Vaca”:

“— Era amigo e orientado por eles pagou-se Feira de cta que eles mandaram. ODB pagava campanha a priori, mas eh certo que aceitava indicações a título de bom relacionamento.”

A organização (“ODB”) adotara a prática de adiantar financiamentos de campanha, mas só das principais. Aceitava sugestões, eventuais.

Seguiu, pensando na voz de “RA” em depoimento: “Campanha incluindo caixa 2 se houver era soh com MO, que não aceitava vinculacao.”

Outra vez, ele posto no alvo. E se, nessa altura, o inquiridor argumentasse sobre “PRC”, o diretor da estatal, primeiro preso e delator premiado do caso? Então, “RA” poderia retrucar: “PRC soh se foi rebate de cx2”.

Agora anotava em espasmos: “Nosso risco eh a prisão” ... “Acordo Leniência CGU?” — sim, era preciso cogitar. E ver com advogados: “Risco Swiss? E EUA?” Porém, ainda mais urgente, era a conversa com o mineiro, governador, com quem previa logo se encontrar. Registrou:

“FP: — Ela cai eu caio; — Dar a dimensao”.

Essas notas na memória de um telefone celular são de Marcelo Odebrecht (“MO”), ex-presidente da empreiteira homônima, e orientam a investigação judicial. Ele está preso há oito meses. “Vaca” é João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, preso em 15 de abril do ano passado. “RA” e “MF” são Rogério Araújo e Marcio Faria, ex-assessores de Marcelo na Odebrecht e seus companheiros de cela por quatro meses — foram soltos em outubro. “FP” é Fernando Pimentel, governador de Minas Gerais, segundo a polícia. “Ela” não teve a identidade sugerida no inquérito.

Os riscos sobre as contas na Suíça, temidos por ele, se tornaram fatos nas cortes de Curitiba, Brasília e Berna.

Ontem surgiu uma novidade: o Ministério Público Federal anunciou a ativa cooperação judiciária do Departamento de Justiça dos Estados Unidos na investigação sobre lavagem de dinheiro em que a Odebrecht é personagem central, com transferências a partir de bancos em Nova York. Na prática, significa a abertura de processo contra a empresa nos EUA, onde a Petrobras já se defende em tribunais.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Petrobras, uma empresa sem inocentes... / José Casado / coluna de Augusto Nunes

02/02/2016
 às 16:00 \ Opinião

José Casado: 

Para Oslo, não há inocentes

Publicado no Globo
Há um ano no comando da Petrobras, o administrador Aldemir Bendine ainda não conseguiu reverter o ceticismo de investidores sobre os rumos da “nova companhia”, como costuma qualificar. Na quinta-feira passada, viu-se confrontado pela desconfiança.
Enquanto Bendine divulgava no Rio o seu “abrangente, estruturante, complexo e revolucionário” projeto de mudanças administrativas na Petrobras, a 10,4 mil quilômetros de distância, em Oslo, o Banco Central da Noruega anunciava a revisão dos investimentos do país em ações da empresa brasileira “por causa do risco de corrupção grave”.
O governo da Noruega é dono de uma fatia de 0,61% do capital da Petrobras. Comprou ações da estatal , no governo Lula, com o dinheiro de um fundo formado com royalties do petróleo.
O aviso sobre a possível retirada de capital ainda neste ano é importante porque esse fundo norueguês é o maior investidor global. Seus ativos superam US$ 750 bilhões, soma do PIB da Argentina e do Chile, e incluem 1,3% das ações de nove mil empresas relevantes em 75 países.
A reclassificação da Petrobras foi recomendada pelo Conselho de Ética do fundo, depois de seis meses de análises e consultas à administração Bendine. O órgão concluiu que “a Petrobras tem responsabilidade pela corrupção grave”. Alertou sobre “o risco inaceitável” de a empresa ter cometido crimes puníveis na Noruega. Também advertiu sobre o perigo de “atos semelhantes no futuro”, por duvidar que o controle anticorrupção da estatal seja “suficientemente eficaz”.
Cinco conselheiros examinaram provas judiciais sobre subornos pagos a diretores e gerentes: “O alcance da corrupção indica que o resto da direção da empresa deve ter tido conhecimento do que acontecia”, escreveram.
A estatal argumentou ser vítima de crimes cometidos por ex-empregados. Eles refutaram: “À luz dos fatos, isso dá a impressão de que a empresa nega qualquer responsabilidade.”
A Petrobras vai enfrentar problemas similares nos Estados Unidos, prevê Isabel Franco, especialista na legislação americana anticorrupção. “A diplomacia pode até conseguir que a promotoria peça uma punição mais leve. Mas na SEC (Comissão de Valores Mobiliários), a Petrobras e seus diretores não têm como escapar. Não haveria como explicar aos que já foram punidos.” Na lista de sanções da SEC por corrupção destacam-se Siemens, Alstom, Halliburton, BAE, Total e Alcoa, entre outras.
Em Oslo, quatro grupos (Sevan, Akastor, Uglands e Acergy) começaram 2016 sob investigação por suspeita de pagamento de US$ 43 milhões em propinas ao ex-diretor da Petrobras Jorge Zelada e o gerente Eduardo Musa, condenados ontem em Curitiba.
A procuradora norueguesa Marianne Djupesland rastreia pagamentos a Zelada e Musa feitos pelos brasileiros, Raul Schmidt Felippe Jr. e João Henriques, e pelo francês Miloud Alain Hassene Daouadji.
A dimensão extraterritorial da corrupção na Petrobras fez o Conselho de Ética do fundo sugerir às autoridades da Noruega que considerem o caso como paradigma, um “sinal claro para o Brasil e o resto do mundo” de que “ninguém vai ficar sozinho — nem os executivos seniores, nem os melhores políticos, nem os funcionários públicos.”
Bendine precisa ser mais eficaz para erguer a “nova companhia”, como imagina.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

"Lula construiu e Dilma sustentou até agora um Plano de Saneamento que só existiu nos discursos dos últimos 3.200 dias..."

Enquanto isso...

Depois de nove anos, ‘GT’ do governo conclui: Lula construiu e Dilma sustentou até agora um Plano de Saneamento que só existiu nos discursos dos últimos 3.200 dias

Aconteceu num janeiro de nove anos atrás. Lula estava na primeira semana do segundo mandato, quando sancionou a Lei do Saneamento Básico (nº 11.445/2007): “Estamos dizendo ao mundo: ‘olha, o Brasil está entrando na esfera do Primeiro Mundo e, de cabeça erguida, define, de uma vez por todas que, a depender do governo federal, não haverá momento na história futura deste país em que a gente deixe de priorizar o saneamento básico.”’
Governava há quatro anos, reelegera-se há dois meses e continuava fascinado por culpar adversários pelo retrocesso. Estribado na ênfase, arrematou: “Nós temos que trabalhar o dobro do que o governo passado para que a gente possa recuperar a irresponsabilidade a respeito do saneamento básico.”

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

“Passamos a garantir, para o futuro, uma massa de recursos jamais imaginada para a Educação e para a Saúde.”, palavras da presidente Dilma em outubro de 2014



POLÍTICA

Já é ruína

Ruinas (Foto: Arquivo Google)
José Casado, O Globo
Numa noite de outubro, dois anos atrás, ela convocou uma cadeia nacional de rádio e televisão para comunicar: “Passamos a garantir, para o futuro, uma massa de recursos jamais imaginada para a Educação e para a Saúde.”
Enlevada num tom de realismo mágico, anunciou a alquimia: “A fabulosa riqueza que jazia nas profundezas dos nossos mares, agora descoberta, começa a despertar. Desperta trazendo mais recursos, mais emprego, mais tecnologia, mais soberania e, sobretudo, mais futuro para o Brasil.”
Arrematou, com esmero ilusionista: “Começamos a transformar uma riqueza finita, que é o petróleo, em um tesouro indestrutível, que é a Educação de alta qualidade. Estamos transformando o pré-sal no nosso passaporte para uma sociedade mais justa.”
Para gerenciar a riqueza submersa a mais de quatro mil metros no Atlântico, Dilma Rousseff criou a estatal Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A.(PPSA). Deu-lhe amplos poderes para defender os interesses da União, o que inclui a gestão dos contratos de partilha, controle dos custos e das operações de exploração e produção de todo petróleo extraído da camada pré-sal.
Não é pouco. A combalida Petrobras, que nesses campos já produz mais de um milhão de barris, planeja concentrar investimentos numa área de tamanho equivalente a 150 mil campos de futebol, a 170 quilômetros de distância do litoral do Estado do Rio. Libra, como é conhecida nos mapas marítimos, é uma das maiores áreas do planeta reservada à exploração de petróleo. Foi leiloada a uma sociedade composta pela Petrobras, a anglo-holandesa Shell, a francesa Total e as chinesas CNPC e CNOOC.
Dilma continua com o seu discurso surrealista, com toques de absolutismo groucho-marxista: “Eu represento a soberania nacional, do pré-sal, a defesa dos 30%, a defesa do conteúdo nacional... Esse golpe (o processo de impeachment) não é contra mim, é contra o que eu represento, contra a soberania, contra o modelo de partilha do pré-sal”— disse semanas atrás a uma plateia de sindicalistas aliados do governo.
Longe do espelho d’água do Palácio do Planalto, sobram certezas sobre o desgoverno na condução dos negócios do pré-sal. A empresa estatal (PPSA) criada para recolher a “massa de recursos jamais imaginada” para Saúde e Educação mal começou e já está sucateada.
Tem 15 empregados, acumula prejuízos e patrimônio líquido negativo. Sem dinheiro, atravessou 2015 sobrevivendo da caridade privada. Fornecedores cederam-lhe licenças temporárias gratuitas de software.
Perplexos, auditores do Tribunal de Contas da União registraram: “Há sérios riscos de se comprometer ou até inviabilizar a realização de importantes tarefas técnicas, tais como: a) interpretação sísmica e modelagem geológica; b) construção de modelos estáticos e dinâmicos para simulação de fluxo em reservatórios petrolíferos; c) análise de dados de perfuração de poços e de desempenho petrofísica; d) testes de modelagem de escoamento.”
É real a ameaça aos resultados econômicos para a União, adverte o tribunal.
Com 28 meses de existência, a estatal do pré-sal pode ser vista como novo símbolo do governo Dilma. Parecia que ainda era construção, mas já é ruína.
José Casado é jornalista