Postagem em destaque

"O MAL sempre esteve a serviço do BEM "

Rasgando o Verbo. Todos de uma certa forma foram avisados sobre o Apocalipse e que ele não representaria o fim do mundo, mas o fim de uma Er...

Mostrando postagens com marcador Roberto Damatta. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Roberto Damatta. Mostrar todas as postagens

domingo, 23 de setembro de 2012

As promessas de doses de felicidades feitas gratuitamente por políticos....

http://www.imil.org.br/artigos/ptfraldas/

Fraldas

13 de setembro de 2012
Autor: Roberto DaMatta

Roberto DaMatta
Um velho amigo, Álvaro Acioli, me lembra uma frase do ferino Eça de Queiroz: “Os políticos e as fraldas devem ser trocados frequentemente e pela mesma razão”. Citação mais do que apropriada neste momento em que somos legalmente impingidos com a “propaganda eleitoral gratuita”, essa marcha de caras e promessas que precedem o ritual democrático da mais alta importância: a hora de trocar certos atores por meio de uma escolha – a eleição.
A troca, data vênia, das fraldas, para ficarmos com o velho Eça, tem suas etiquetas. No nosso caso, ela promove na TV um desfile hierarquizado por tempo de exposição dos candidatos; um tempo subordinado ao poder do partido de cada aspirante. Os bem aquinhoados partidariamente têm mais tempo. Os sem-tempo tentam definir em segundos uma vida e um programa.
É quando eu me dou conta do absurdo dessa competição eleitoral dando a muitos alguns segundos, enquanto poucos podem desempenhar o papel de estrelas, o que, aliás, fazem com brilho estupendo. O modelo encenado é o de um baralho de messias. Em cada carta surge um algarismo, um naipe e um santo. Todos, porém, dotados da capacidade de prometer doses de felicidade que vão melhorar o nosso mundo e, naturalmente, o deles. O programa deixa ver como nossa concepção de poder é feita com altares e promessas: com relações de simpatia mais do que laços ideológicos e competências. Salta aos olhos a linguagem do compadrio e do parentesco como um atestado da habilidade dos candidatos.
Não estou me referindo a apoio ou simpatia política, que é uma prerrogativa da democracia eleitoral. Falo da linguagem pela qual esse apoio se molda – na maioria dos casos em termos de relacionamentos pessoais, por contraste a programas partidários. Nos anos de chumbo, quando havia censura e as eleições eram proibidas, tínhamos programas extremadamente partidários. Agora que gozamos do direito à liberdade, fechamos com o apoio pessoal fundado mais na diferenciação do candidato pelo parentesco do que pela correlação cívica ou política.
Salta aos olhos a contradição configurada pelo retorno às velhas distinções, como diria Pierre Bourdieu, pelo compadrio e pelo parentesco, justamente num ritual no qual o que deveria valer seria o indivíduo em suas competências individuais e não pelo seu relacionamento com quem diz que o conhece. Nesse rito individualista e moderno de mudança, voltamos aos laços perpétuos e grupais de família e parentesco.
Curioso como reescrevemos a república pelos velhos textos aristocráticos. Claro que existem correligionários, mas é preciso distinguir alianças entre cidadãos livres, caso não se queira correr o risco de heranças malditas, como foi o caso – fiquemos nos Estados Unidos – do governo Bush.
Um dos riscos de toda república é ver legitimada a receita monárquica que ela própria ultrapassou por meio de um retorno dos laços de sangue que reinventam velhas dinastias
Um dos riscos de toda república é ver legitimada a receita monárquica que ela própria ultrapassou por meio de um retorno dos laços de sangue que reinventam velhas dinastias.
* * * *
As famílias de candidatos me levaram a pensar no meu amado e saudoso irmão Renato. Relembrei de uma viagem ao povo apinayé que fizemos quando ele tentou trocar a vida de economista pela de antropólogo, a profissão que seu irmão mais velho ainda tenta aprender. Corria os anos 70. Viajamos 30 horas de Brasília a Tocantinópolis, no Tocantins, num velho ônibus, e chegamos ao único hotel local, o da dona Raimundinha, coberto da poeira vermelha que fazia parte do batismo de quem se aventurava a percorrer o Brasil antes dos sertões virarem grotões eleitorais eletrônicos. Eu me lembro bem das revistas policiais em Brasília e, muito mais, do maravilhoso banho que tomamos, bem como do delicioso prato de feijão com arroz e ovo frito comido pelas 11 da noite, preparado pela dona do estabelecimento, a própria dona Raimundinha cuja vida, por si só, daria – ela mesma dizia – um romance.
Na aldeia fomos recebidos pelos apinayé os quais, para surpresa do irmão, realizaram uma comovente saudação lacrimosa. Chora-se na chegada, jamais nas partidas. Eu me enfiei no meu velho e malfeito estudo da organização social; Renato, interessado em descobrir o segredo do desenvolvimento econômico, aproveitou para investigar os elos comerciais numa aldeia onde protoempresários e consumidores iniciavam suas atividades.
Logo meu irmão chegou a um resultado categórico. Havia na aldeia uma venda que pertencia a um indígena que era a encarnação do empresário clássico de Joseph Schumpeter. Ele vendia tudo o que os apinayé precisavam: cartuchos, sal, açúcar, fósforo, querosene para lamparinas, bolachas, azeite, velas e cachaça. Uma estante bisonha mostrava aos compradores o sortimento da venda e revelava a iniciativa do comerciante. Mas em vez desse empresário promover um novo ciclo econômico, ele trazia de volta as velhas relações de família e parentesco, cuja norma principal era dar sem nada pedir. Assim, quando alguém queria “comprar” alguma coisa, mandava um menino que não entrava na venda como um consumidor anônimo e impessoal, portador de um dinheiro que fechava as trocas, mas como um “sobrinho”, um “neto” ou um “irmão” do dono do negócio que, ao fim e ao cabo de nosso tempo de campo, estava para falir, pois as obrigações do parentesco (baseadas na reciprocidade) englobavam as do comerciante (fundadas no lucro que demanda distanciamento e impessoalidade).
Para se ter mercado (seja de bens, serviços ou de cargos públicos), é preciso desmanchar pela crítica os papéis sociais estabelecidos. E, conforme sabemos, uma coisa não sufoca a outra de modo automático, como querem os crentes, os ingênuos e os malandros. Pelo contrário, quando mais impessoalidade, mais os termos de relacionamento tradicionais eram invocados. Não é fácil trocar fraldas. Parece familiar, não?
Fonte: O Estado de S. Paulo, 12/09/2012

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Política em tempos liberiais

Você está em Notícias > Cultura
Roberto DaMatta
Início do conteúdo

Política em tempos liberais

22 de agosto de 2012 | 3h 09
Roberto DaMatta - O Estado de S.Paulo
Escrevo invocando a figura de Amaury de Souza, morto por um câncer no pâncreas aos 69 anos na semana que passou. Foi um dos melhores cientistas políticos de sua geração. Encarou como poucos a tarefa de passar do criticar ao construir, essa travessia fundamental que a finitude e o afeto demandam.
Conheci Amaury nos Estados Unidos, em 1969, onde ele fazia doutorado em Ciência Política no MIT e eu em Antropologia Social em Harvard. Como estrangeiros e um tanto desbravadores, estabeleceu-se entre nós uma simpatia e solidariedade imediatas. Era um momento de grandes esperanças, intensas ansiedades e paradoxais expectativas. A ditadura militar enrijecia no Brasil e nós todos - uma primeira leva de estudantes de Ciências Sociais - aguardávamos com ansiedade o retorno para compartilhar as nossas descobertas pessoais e profissionais. Um dia, em Harvard, ouvi do Amaury a seguinte frase a proposito de um ensaio que escrevi sobre a noção de má sorte - a panema - na Amazônia: "O que importa é demonstrar os argumentos. Tens argumentos?" Jamais me esqueci da majestade da observação. Amaury dizia coisas grandes - toda a história da humanidade é uma tentativa de demonstrar argumentos - de modo direto. A última vez que com ele falei foi num seminário sobre liberalismo no qual, a caminho do palco, ele me confessou sem rodeios: "O que você fez para escrever tão bem?" Passou-me pela cabeça duvidosa do elogio generoso responder de pronto - o sofrimento; mas, logo vi, que essa derradeira pergunta era tão difícil de enfrentar quanto a primeira.
Usando uma palavra em moda, peço vênia ao leitor para louvar a sua coragem de ser um liberal num país que jamais entendeu o que é liberalismo e, graças ao prestígio imenso de sua "esquerda" e ao peso maior ainda de sua ignorância, se dá o luxo de ignorar o pensamento de gente como Alexis de Tocqueville. No Brasil, liberalismo virou nome feio e ser liberal, uma categoria acusatória. Deixo o meu pesar pela travessia do Amaury de Souza e louvo o seu exemplo de vida.
* * * *
E por falar em liberalismo, impossível não crer que Lula e toda a cúpula do PT soubessem dos meandros do mensalão. Neste Brasil onde as relações pessoais são mais importantes do que as persuasões individuais e ideológicas - aos amigos tudo, aos inimigos a lei! E, com o PT, aos companheiros, tudo isso e o céu também... Numa sociedade marcada por múltiplas éticas, todas a serem respeitadas ou jamais discutidas, porque conhecemos seus praticantes, e dentro de um partido em que o projeto de poder sempre se confundiu com o futuro e o bem-estar da coletividade no qual ele existe, me parece impossível que Lula, José Dirceu, o famoso capitão do time, e outros próceres não tivessem articulado o plano de chegar ao socialismo compadresco petista pelo capitalismo selvagem nacional - o infame mensalão.
Não posso, por tudo o que sei sobre o Brasil, aceitar - data vênia - a tese das defesas segundo a qual a república lulista agia à americana, individualisticamente, com cada qual cumprindo religiosa e burocraticamente o seu papel oficial, num país no qual as obrigações para com os amigos abrangem aceitá-lo até mesmo na sua mais profunda ingratidão, inveja e ressentimento. No Brasil, a amizade não se individualiza e, sendo relacional, engloba os amigos que são aturados ou suportados, por mais loucos que possam ser. Amigo de amigo é amigo; inimigo de amigo é inimigo; mulher de amigo é homem... Conforme dizia um rebelde pernambucano que confundia liberalismo com golpe: eu resisto a tudo, menos ao pedido de um amigo! Até no outro mundo, os pistolões e as rezas nos aliviam. E como ter uma cultura escravocrata se não culpamos e individualizamos o inferior e absolvemos os superiores, com os quais nos apadrinhamos compulsivamente?
Lula foi salvo pelo papel de presidente e lembra o caso Nixon, e, mais adiante, Clinton. Em Watergate, alguns pegaram prisão. Nixon, porém, livrou-se das grades, mas foi destituído do cargo. O tratamento privilegiado concedido aos presidentes (representados como mártires, como Lincoln e Vargas; ou como malandros que passaram raspando pelo fundo da agulha, como Clinton ou JK; ou dissolutos, como Nixon e Collor) mostra como mesmo em tempos pós-modernos a velha identificação entre Deus e rei continua atuando implicitamente junto a certos cargos públicos. Não é, obviamente, um elo axiomático como foi no Egito e no Oriente Médio, mas o papel exclusivo abarcado pela Presidência de um país ultrapassa facilmente os limites do partido e do governo, abarcando a sociedade e seus valores.
No caso do Brasil, há um claro messianismo que todos os populistas exploram sem cessar e que é a marca do lulismo. O Brasil sou eu, diz o nosso populismo real e divino. Um milenarismo tingindo ideologicamente que não é fácil de confrontar porque ele fala a linguagem arcaica da realeza divina e, no caso da nossa presidência divina, que isenta o presidente de atos impuros ou profanos, mesmo quando eles são inescapáveis, ele também discursa usando o mais moderno jargão desta nova língua nacional que se chama economês. Esse idioma de um demonizado neoliberalismo que fala em mercado, competição, igualdade perante a lei, moeda forte, responsabilidade pública, fiscal e pessoal, e meritocracia. Ou seja, tudo isso que o grosso das elites brasileiras odeiam de todo o coração. E que - não tenhamos dúvidas - é o que está em jogo no julgamento desse desprezível mensalão.
 

terça-feira, 15 de maio de 2012

A revolução da CPI do Cachoeira - ÉPOCA | Roberto DaMatta

A revolução da CPI do Cachoeira

A grande novidade desta CPI é a pressão igualitária que arrebanha setores da oposição e do governo

                                                              ROBERTO DAMATTA
ROBERTO DAMATTA é antropólogo, autor de Carnavais, malandros e heróis (1979) e Pé em Deus e fé na tábua (2010) (Foto: Guillermo Giansanti/ÉPOCA)
Se você excluir o Executivo, os outros dois Poderes de uma sociedade republicana – essa experiência francesa e americana do século XVIII, inventada, entre outros, pelo Barão de Montesquieu e teorizada por Alexis de Tocqueville – são múltiplos ou coletivos. Tanto Judiciário quanto Legislativo são ocupados por muitos atores que, como magistrados ou legisladores, ordenam a vida cívica e política. Se o Executivo tem um centro impossível de esconder e apenas um ator que, por isso mesmo, simboliza o próprio país, nos outros Poderes há um papel, mas muitos atores. No nosso Legislativo Federal, o Senado tem 81 membros e a Câmara dos Deputados – pasmem! – 513 representantes.

O contraste é marcante. Ele foi desenhado para contrapor (e controlar) o exercício do poder de modo pessoal nas figuras de prefeitos, governadores e, acima de tudo, do presidente – aqueles que, como os reis, “executam”, administram as atividades, serviços e bens públicos de modo exclusivamente individual daqueles que gerenciam conflitos, disputas e contradições entre pessoas e leis e também entre as leis (caso dos magistrados nos tribunais); e daqueles que inventam as normas como a coletividade deve conviver.



sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Papai Noel e a vida » Artigos » Instituto Millenium

"Todo ritual nos remete a aspectos centrais de nossas vidas. No Natal, comemoramos explícita e paralelamente o nascimento do menino Deus também na figura de um velho bondoso que chega do céu e, como um rei deus, distribui um pouco de seus imensos bens para as crianças. Curioso que o nascimento de um Deus encarnado nascido na pobreza extrema de um estábulo seja também comemorado por uma figura de barba branca (símbolo da boa velhice), enroupado para um inverno de modo que, em países de clima tropical e familístico, como o nosso, a força da difusão cultural promova uma dupla transformação. Primeiro, as crianças podem demandar alguma coisa com suas listas de presentes; depois, porque temos que encenar o frio e a neve debaixo de um calor insuportável. Eis uma festividade em que celebra-se tanto o sagrado (o nascimento de Cristo Salvador) quanto o profano (o saco de bens que somos obrigados a consumir).
As demandas infantis são parecidas com o bom-senso que cobramos do governo. Ficam no mais puro desejo, pois mesmo tendo um enorme saco de brinquedos, sabemos que nem todo mundo é “filho de Papai Noel”, como já dizia aquela comovente marchinha de Assis Valente que desmascara, muito antes da antropologia do ritual, o “bom velhinho”. Mas, mesmo assim e como em toda festa, fingimos e nos acumpliciamos para que tudo dê certo e, com isso, fazemos – como ensina Lévi-Strauss – a vida vencer a morte. Pois, como diz o mestre, a inocente e ingênua crença das crianças em Papai Noel nos ajuda a crer na vida. Um velho deus rei muito rico, vindo do céu por meios mágicos, assume o palco ao lado de um menino Deus pobre que chega para nos salvar......."

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Roberto Damatta

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,sobrevivencias-,804824,0.htm
"Como diz Shakespeare, todos nós somos atores e temos um momento de entrada e um outro de saída num vastíssimo drama para o qual não fomos convidados, mas para o qual contribuímos quase sempre com total inconsciência e com a total impossibilidade de assistir ao seu final. Mas quando saímos da peça, deixamos uma história. Os atores morrem, mas seus papéis sociais são permanentes e a rede da qual fazem parte se vê obrigada a reparar a sua ausência. Se você é pai ou mordomo, sua falta será mais sentida do que se você for um político bandido. Mas mesmo sendo um rufião ou ladrão, alguém vai sentir sua falta, pois como se dizia antigamente: afinal de contas, todo mundo tem mãe! Vai o embusteiro e entra em cena o filho, o amigo ou o irmão..."

"Faz uns 18 anos e eu andava com Lívia, minha neta mais velha, no jardim. Estávamos preparados para uma festa de família e as roupas novas e o corpo lavado criavam aquela estranha consciência de nós mesmos, típica dos rituais. Num dado momento, ela diz:
- Vô, quando você morrer, para quem vai ficar esta casa?
Fui possuído por uma imensa felicidade. A inocência da neta anunciava minha morte, mas era a primeira vez na minha vida que era chamado de "avô......"

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Metáforas, Brasil, Futebol / Roberto Damatta


"O título parece complicado, mas não é. Metáforas são figuras de linguagem que substituem uma coisa por outra. São indispensáveis na expressão da vida. Por exemplo: o coração que é um órgão do corpo humano passível de cirurgia, palpitação e substituição, é uma metáfora do amor - essa "coisa" também cheia de truques que escapa dos procedimentos objetivos e tem regras que, como dizia o grande Pascal (e o cada vez mais atual Freud), ele não suspeita. Li outro dia no The New York Times, um debate se as carruagens devem ser mantidas ou não em Manhattan. Como toda metáfora, elas são um contrassenso..."
...

"Vamos de bonde?
- Não, vamos a pé...
Eu, este vosso cronista confuso, misto de acadêmico marginal e escritor bastardo, produzi exatamente essa resposta em algum dia de 1951, em Juiz de Fora, quando fui buscar a Zelinha no ensaio do teatro do colégio em que ela estudava. Era um dia chuvoso e nós andamos da Rua Halfeld até o Alto dos Passos debaixo de um mesmo guarda-chuva, o que me permitia ficar fisicamente próximo do ser idolatrado.
Preferi o caminhar (que é velho e lento) ao bonde (que naqueles tempos antigos era veloz e confortável). Mas, em compensação, o "passeio" sinônimo do andar sem rumo - metáfora do andar lado a lado - essa raridade; esse caminhar junto (metafórico do peregrinar, do pertencer e do estar com o outro) subvertia os meios e os fins como a melhor prova de que estava apaixonado, tal como eu hoje enxergo que são essas substituições que nos tornam humanos. Só nós podemos realizá-las..."
...
Entende-se, então, as carruagens e as liturgias de Sarney. Elas não estão ali para transportar ou ajudar a servir melhor o povo e a sociedade, mas para criar um clima romântico e para garantir uma opulência que beira o desperdício - esse mal do Brasil. Num caso, a lentidão que faz da disciplina amorosa e romântica; no outro, a transformação do republicano num reino de Jambon onde poucos comem muito sem fazer nada e muitos comem pouco fazendo tudo.
...
"Eu estou convencido de que o futebol, inventado à revelia pelos brilhantes e reprimidos ingleses do período vitoriano, é uma das mais recorrentes metáforas da vida (e dos seus dilemas) tal como ela é idealizada entre nós. Nele, queremos o futebol "arte", o estilo dionisíaco de Gilberto Freyre e malandro - cheio de jogo de cintura, como mostrei faz tempo, mas exigimos "resultados" e "objetividade": no caso, muitos gols. Eis o dilema: como conciliar o belo com o técnico? Como ajudar o povo sem impedir que uma centralização neoestalinista, voltada para permanecer no poder, produza fraudes, corrupção e impunidade? Como misturar um estilo de jogo personalístico, baseado na superexcelência de alguns craques que reinventam uma aristocracia no campo..."
...
"Em outras palavras, como submeter todos à regra da lei e da coletividade (o time) se não dispensamos os salvadores da pátria, os messias do futebol - os que salvam os jogos dando a vitória ao nosso Brasil, gente como Ademir, Zizinho, Rivellino, Zico e tantos outros, para não mencionar a realeza do Príncipe Didi e do Rei Pelé ou o "fenômeno" que era o nosso Ronaldo?..."
"Eu me pergunto se essa busca da arte com (e não contra) a técnica; da justiça que vale para todos e leva à punição dos faltosos com a compaixão que distingue e perdoa; da lei universal que iguala com as amizades singulares que distinguem, não seriam as conjugações que implícita ou inconscientemente temos tentado declinar no Brasil. E se não é tempo de não tomar partido e saber de que lado nos situamos. Mas o que é que não cabe dentro de um sonho? E o futebol, como a poesia, é ótimo para sonhar e para revelar essa busca pelas causas perdidas. Ou, para voltar ao começo, esse querer andar de carruagem em Manhattan....