segunda-feira, 2 de janeiro de 2012
Vilmar Rangel, poeta maior
Sérgio Escovedo
Cometi uma injustiça com Vilmar Rangel e espero que haja tempo de me redimir. Em 2001, quando VR lançou Alumbramento,prometi fazer uma crítica do livro, no meu jornal A Cidade. Mas eu estava tão envolvido com questões jornalísticas, tão desorientado em relação à cultura e pessimista em relação ao futuro dessa linguagem, que li e reli o livro com má-vontade, com olhos de jornalista e ao invés de ver e sentir a beleza, a perfeição dos seus versos, fui movido pelo preconceito e passei a descobrir erros, como um revisor mal-humorado, como um aleijado que detesta o balé Bolshoi, se é que fui claro. Li rapidamente os poemas, não deixei fluir meu sexto sentido, não me extasiei diante da beleza. Como diria um Hermes Trimegisto do século dos computadores, não consegui separar o sutil do espesso e não fui em busca da pedra filosofal desse poeta maravilhoso.
Questões pessoais podem ter interferido. Vilmar é um velho conhecido, mas procurou seguir – com brilhantismo – a carreira de publicitário e relações públicas. Na minha juventude de escritor engajado, achei essas funções meras purpurinas, coisas fúteis que não devem interessar ao poeta. Fui preconceituoso, pois é possível transmutar o metal mais bruto na jóia mais delicada e fui ignorante, porque desconhecia o valor dessas profissões.
Passados dez anos, peço permissão às Musas para dar meu testemunho e, graças à humildade, ser perdoado por um erro grosseiro. Alumbramento é um livro fascinante e nele há poemas de beleza incomparável, frutos de um lento e precioso trabalho de artífice, do Miglior Fabbro da produção poética aparecida em Campos no século XX. Sou avesso a comparações, mas não resisto a afirmar que Prata Tavares é muitíssimo primário em relação a VR. Prata era muito limitado intelectualmente, um poeta de fortes inspirações, mas que praticava o voo de galinha. Fazia um belo poema para depois escrever cinco banalidades. Osório Peixoto escreveu bons poemas, mas também era limitado intelectualmente e confundia a poesia com o panfletarismo que os tempos reclamavam. Vilmar é perfeito em cada peça de ourivessaria poética, como um Pascal que polisse lentes ou um empalhador da beleza de uma ave do paraíso há muito tempo extinta, cujas cores foi buscar no arco-iris de sua imaginação prodigiosa. Outros poetas não quero citar, para não ser mais injusto ainda – e dos novos, nem é bom falar. Alguns que venceram concursos de poesia falada mal sabem falar português e confundem pantomima com a quinta essência da palavra escrita. São divertidos, mas como jograis, bobos da corte que encantam platéias jovens, rudes, quase iletradas – e poesia é para os cultores da língua, para os alquimistas que trabalham cada verso, como um rubi, para engastá-lo num verso. Vilmar é este paciente homem literário, perfeccionista ao cúmulo, verdadeiro apanágio da busca da forma perfeita. E todos sabem que poesia é forma, pois todos os conteúdos já foram utilizados, dado que a essência humana não mudou muito desde Homero.
Alumbramento traz um poema que considero uma das criações mais deslumbrantes da poesia do século XX. Refiro-me a Urgência(págs.69/70) cujos versos acertam o alvo com precisão. É um poema filosófico do mais alto nível, só comparável, na minha opinião, a peças de Hölderlin, Rilke, Drummond, Murilo Mendes, Emily Dickson e outros bem conhecidos pelos poetas, que não vale a pena citar pois os não-iniciados nada entenderiam. Conhecimento é referência, e quem não conhece Goethe não pode compará-lo com Novalis, por exemplo. Não vou encher o saco do leitor com a reprodução do poema. Comprem o livro, ajudem a financiar a cultura e leiam o livro todo, porque vale a pena. Palavra de poeta, leitor, crítico literário por muitos anos (hoje não tenho mais paciência para isso). Os versos que vou destacar já dizem tudo, são síntese de um labor poético do mais alto nível, são nitroglicerina, versos-bomba que explodem os quartéis dos reacionários e dos conformados ( e o mundo está cheio deles).
Os versos são: “Quero verdades/me dão metades/meu prazo é o tempo da rosa”. É como se Omar Khayam se transfigurasse no século XX num homem moderno e mostrasse ao mundo que a poesia é imortal e fere os que duvidam do poder das palavras. Magnífico é o mínimo que eu afirmo. Aproveito para me desculpar com Vilmar Rangel, mas acho que ainda é tempo de reparar um erro crasso que cometi por preguiça ou negligência. Alumbrem-se todos com este livro fantástico!