O apelo de Marine
A ascensão da extrema direita na França traduz a desesperança de toda uma nova geração na Europa
RUTH DE AQUINO
Pode parecer ironia. Na primeira vez em que a esquerda é favorita para retomar o poder na França depois de 17 anos, a estrela do momento se chama Marine Le Pen – e é da Frente Nacional, partido de extrema direita, fascista e xenófobo. Ela está fora da disputa da Presidência, mas seu crescimento é a maior novidade.
Marine conquistou 6,4 milhões de eleitores. Entre os operários, ela seria eleita: 29% votaram nela. Sua retórica atraiu 18% dos jovens de 18 a 24 anos. O maior equívoco que o mundo pode cometer é menosprezar o apelo de Marine. É tolice também achar que “jovens” e “operários” teriam de ser, por definição, esquerdistas e humanistas. Essa é uma generalização ingênua e ultrapassada.
Fora da República da “liberté, egalité, fraternité”, Marine é mais conhecida pelo cidadão comum e não politizado do que o socialista François Hollande. O mais votado no primeiro turno foi Hollande e, com a frente de esquerda, ele será provavelmente o novo presidente. Marine, filha caçula de Jean-Marie Le Pen, é uma personalidade mais polêmica, carismática e populista.
Seu verdadeiro nome é Marion Anne Perrine Le Pen. Advogada, tem 43 anos. Nasceu em 1968, quando os estudantes faziam barricadas nas ruas de Paris. Divorciada duas vezes, mãe de três filhos, estava no ano passado na lista das 100 pessoas mais influentes da revista Time.
Ela não se alinha com ninguém. Afirma ser “a líder dos patriotas de direita e de esquerda”. Seu discurso tornou-se sobretudo nacionalista. Marine defende o Estado forte. Menos cortes nos serviços públicos. A volta da idade da aposentadoria para 60 anos, elevada a 62 no governo de Sarkozy. Em alguns pontos, Marine parece estar à esquerda até de Hollande. E encarna “a mulher comum e batalhadora”. Para muitos, o voto na loura de voz rouca passou a ser símbolo de protesto anárquico.
O crescimento de Marine não é um mistério nem um privilégio da França. Qualquer filósofo de botequim conhece as causas. Desemprego, falta de perspectiva, crise do euro. E a alta imigração – legal e ilegal. O europeu de classe média, que na bonança adorava deixar o trabalho pesado e mal remunerado a cargo dos estrangeiros, olha agora para o imigrante como uma ameaça a seu padrão de vida.
Na Europa, em abril, o desemprego bateu recorde: 10,8%. Na França, na semana passada, o índice aproximou-se dos temidos 10%. Quase 3 milhões de franceses estão sem trabalho. Jovens são os mais atingidos.
Não é preciso eleger um presidente de extrema direita para uma nação endurecer contra estrangeiros. Basta ver como a Espanha tem agido com brasileiros nos aeroportos. As arbitrariedades espanholas se aproximam muito da xenofobia que costumamos atribuir ao fascismo. O primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, eleito no ano passado, é de direita. A taxa de desemprego é altíssima: 23,8%.
Na última semana, quem mais falou de imigrantes não foi Marine, mas Sarkozy e Hollande. De maneira constrangedora, cada um a seu modo, ambos tentam seduzir o eleitor da Frente Nacional, cujo apoio se tornou essencial no segundo turno, no dia 6 de maio.
Sarkozy prometeu reduzir à metade os novos imigrantes e propôs um teste do idioma francês para todo estrangeiro que quiser permanecer no solo da França (fico imaginando quantos imigrantes, franceses ou não, o Brasil teria de expulsar por não saber falar ou escrever direito o português).
Hollande condenou “toda imigração ilegal”. Prometeu impedir que clandestinos usem recursos dos franceses e continuem a viver na França sem dignidade. Mas defendeu o direito a voto dos estrangeiros de fora da Comunidade Europeia. Sua missão agora é convencer os eleitores de Marine de que eles estão iludidos – e que só a esquerda pode resolver os dilemas dos jovens e da classe trabalhadora, sem diploma.
O que mais dá medo não é a ascensão fulgurante de Marine ou a escalada mais discreta de partidos ultradireitistas em países como Grécia, Áustria, Dinamarca, Finlândia, Hungria e Itália. O mais amedrontador é o efeito da desesperança sobre toda uma nova geração que se sente traída e perdida com o fim do sonho europeu.