Postagem em destaque

Uma crônica que tem perdão, indulto, desafio, crítica, poder...

Mostrando postagens com marcador reflexão. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador reflexão. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 17 de junho de 2015

"...o futuro dos jornais parece estar no passado antes da modernidade..." / Observatório da Imprensa / Jota Alcides

Resultado de imagem para homens lendo jornais


IMPRENSA EM QUESTÃO > IMPRENSA & INTERNET

A estratégia do ‘New York Times’

Por Jota Alcides em 16/06/2015 na edição 855
Como publisher do The New York Times, um dos maiores e mais influentes jornais do mundo, Arthur Sulzberger merece todo o respeito. Afinal, o jornalão que dirige, com 1,8 milhão de exemplares e quase 1 milhão de assinantes digitais, é o de maior prestígio no planeta. Mas, isso não significa que seus conceitos e propostas sobre o jornalismo pós-internet emitidos no recente Congresso da Anpa-Associação dos Editores de Jornais Americanos, em Washington, sejam irrefutáveis ou inquestionáveis.
Como modesto jornalista brasileiro, ex-editor-chefe de dois importantes jornais de referência nacional, o Jornal do Commércio, do Recife, e o Correio Braziliense, de Brasília, conheço a importância da Anpa pois já participei de seus encontros em Las Vegas, New Orleans e San Francisco. Daí, sou motivado ao questionamento do modelo estratégico de Arthur Sulzberger para o presente e o futuro do grande jornal norte-americano publicado desde 1851.
De acordo com seu plano estratégico para o NYTimes, nestes tempos de turbilhão digital e de crise aguda dos jornais, devidamente destacado por este Observatório da Imprensa, as prioridades agora estão direcionadas para maior presença nas redes sociais, reportagens para celulares e tablets e crescimento internacional do jornal.
Com a experiência e a segurança de publisher do mais famoso jornal do mundo, certamente ele acredita que o aumento da leitura digital vai acabar gerando expansão da leitura impressa. Ora, isso, além de improvável, não resolverá o problema básico da atualidade, que é a falta de atratividade do conteúdo dos jornais impressos. O resultado desse plano está à vista: o NYTimesganhará mais leitores eletrônicos e perderá mais leitores impressos.
Reflexões e provocações
Será mais um equívoco somado a tantos outros acumulados ao longo de mais de um século. Essa crise dos jornais no mundo, sobretudo nos Estados Unidos, agravada agora com a avassaladora e poderosa internet, vem de longe. Desde a chegada da modernidade, no século 20, quando os jornais optaram pelo factual e deixaram de ser produtos de primeira necessidade intelectual da sociedade. Depois, já na pós-modernidade, quando se transformaram em jornais televisivos, tendo como modelo-padrão o USAToday, numa tentativa de concorrer com a televisão valorizando a imagem e as notícias curtas. Cada passo desses afugentou milhões de leitores.
Agora, na era da perplexidade pós-internet, os jornais precisam de uma nova configuração, de uma nova reinvenção, de uma revolução pelo conteúdo. Os jornais não podem mais continuar apresentando suas primeiras páginas e suas notícias com o mesmo padrão de 50, 60 anos atrás. Elas aparecem totalmente superadas e desinteressantes porque já são do conhecimento público desde o dia anterior pela televisão e pela internet. É urgente uma mudança radical que aproveite a maior arma dos jornais diante da internet, a credibilidade, investindo em opinião de qualidade e investigação em profundidade.
Pode ser que Arthur Sulzberger esteja tão convertido e tão convencido da irreversibilidade e da insuperabilidade da tecnologia digital que tenha jogado a toalha na luta do NYTimes diante da internet. Mas, o que parece faltar aos jornais ante o novo e monumental desafio, o maior de sua história, é coragem e ousadia para realizar as mudanças radicais necessárias em formato e conteúdo.
Paradoxalmente, talvez o futuro dos jornais, neste século 21, esteja nos jornais do passado, do século 19; antes da modernidade, os jornais, tanto nos Estados Unidos como no Brasil e outros países, tinham em suas redações escritores, intelectuais, romancistas, cronistas, contistas, ensaístas e jornalistas. Eram jornais de grandes narrativas, de atraentes folhetins, de opiniões qualificadas, de interpretações abalizadas, de abordagens contextulalizadas, de crônicas bem elaboradas, de reflexões e provocações. Davam prazer de leitura.
A valorização cultural e intelectual da notícia
Depois, por imposição da própria modernidade, abandonaram esse compromisso com o fervor intelectual e viraram apenas produto de mercado para consumo imediato da sociedade do espetáculo, sem preocupação com a história e com a cultura, sem densidade. Perderam-se na efemeridade e com a explosão da internet estão sucumbindo. É tão vertiginosa a queda de leitura de jornais que fica cada vez mais acentuada a previsão sobre o fim da mídia impressa.
Diante disso, o futuro dos jornais parece estar no passado antes da modernidade, com a volta de sua capacidade de surpreender, instigar e fazer a sociedade pensar, refletir, criticar, debater e participar sobre os problemas do seu cotidiano. Quando desenvolvem essa capacidade de reflexão, os jornais ativam a mais nobre e sofisticada função da inteligência humana, garante o filósofo Augusto Cury.
Conclusivamente, a única forma possível de os jornais fazerem isso é por meio da valorização cultural e intelectual de produção noticiosa, abolindo a superficialidade do factual e investindo na profundidade textual, pelos mais diversos recursos literários que tornem as notícias impressas mais convidativas, agradáveis e irresistíveis aos leitores. Este é o caminho, aliás, apontado pelo escritor, romancista, novelista e contista americano John Cheever, um dos mais respeitados analistas da mídia nos Estados Unidos: “Uma página de boa prosa sempre será invencível”.
***
Jota Alcides é escritor e jornalista