“Por carregar o legado de sua própria história impresso dentro de seus circuitos, o cérebro recebeu como recompensa a imunidade mais poderosa contra possíveis tentativas de copiar seus mais íntimos segredos e arte”
Trecho do livro ‘Muito Além do Nosso Eu’ – Companhia das Letras
De Miguel Nicolelis, o neurorrevolucionário, segundo a revista Veja e o único brasileiro merecedor de uma capa da revista Science em 131 anos de publicação.
“Você é quem?”
Esta pergunta não é urbana. É da roça. Vem de longe. De um tempo em que a maioria de nossos parentes trabalhava na terra e com a terra. E interessante, nesse período havia filosofia em casa, na família. Parece que as perguntas estavam para serem respondidas e cada uma obtinha mais perguntas. As respostas não satisfaziam. E vinham mais perguntas.
Você é quem? Há uma resposta boa ou honesta para a pergunta?
Penso que somos muitos talentos, indivíduos que se atomizam durante a vida. Admito que a interrogação seja melhor do que a resposta. Mas, é admissível entender que se durante a vida vamos mudando, nos tornando experiente, acrescentando conhecimento, ganhando peso ou o contrário...
Vou ao espelho e ele me diz que sou assim! E vejo outro sujeito. As fotos me dizem: fui assim! E de repente me pergunto se posso afirmar que sou aquele...
Você é quem? Suspiro e me vejo vivenciando um acontecimento ou uma surpresa daquelas fortes, assustadoras e elas me sinalizam que não sou mais aquele. Então, sou outro?
É, pode ser que sim! E vou mais adiante. Fui criança e com esta figuração fui dependente. Fui rapaz metido a independente. Parecia mais forte do que o mundo. Fui, fui; fui, fui... Quantos papéis de atuação...
Você é quem? Difícil responder com segurança. Algumas atuações foram forçadas pela cultura da época. A cultura se modifica e nos leva junto. Assim mesmo, fui o último a vestir calça jeans. Mesmo com pouca convicção deixei crescer bigode e cabelo comprido em um tempo.
Você é quem? Foram muitos personagens. Havia corajosos, outros medrosos. Cada estação me sugeria um caminho. Era atleta em companhia de uma bola... Um tímido na presença de uma garota... Escondia minha pouca extensão de voz com companheiros de um coral... Me vestia como podia. A roupa como sempre sugestiona algumas ações. Mas, em boa parte de atuações havia prazer. E havia também aquelas de compulsão.
Quem sou eu? Estou chegando ao fim da dilaceração sem muita convicção. Me sobrou uma resposta despretensiosa entre muitas. Ela é um tanto bizarra e desloca o lugar do cérebro no pódio de um livro de 552 páginas, de um cientista de renome planetário: sou um delinquente hormonal...